OSSOS DO OFÍCIO
Motorista que acomoda bagagens e vende passagens não faz jus à adicional por acúmulo de funções

Reprodução do Instagram da Gontijo

O exercício de atividades funcionais relativas à determinada área de atuação, inserta no empreendimento do empregador, não implica, necessariamente, em acumulação de cargos. A configuração do acúmulo de funções decorre da imposição, pelo empregador, de novas atribuições, sem relação com as originalmente contratadas, quantitativamente e qualitativamente superiores a ela.

Este é, ipsis literis, o fundamento jurídico que negou o pedido de um motorista da Empresa Gontijo de Transportes que pretendia receber adicional por acúmulo de funções. A decisão partiu da Nona Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), confirmando, no aspecto, sentença da 23ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Motorista e auxiliar ao mesmo tempo

O reclamante alegou que, além de suas atividades de motorista, desempenhava funções de auxiliar de viagem, como venda e cobrança de passagens e acomodação e retirada de bagagens dos veículos. Tal acúmulo, a seu ver, justifica o recebimento do adicional salarial.

A relatora do recurso ordinário no TRT-MG, desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos, disse que o simples exercício de múltiplas atividades inseridas no empreendimento do empregador não basta para caracterizar o acúmulo de funções. Antes, isso seria possível se o empregado fosse compelido a executar atribuições que gerassem desequilíbrio no contrato de trabalho.

Sem quebra do equilíbrio contratual

Conforme registrou a desembargadora, não havendo quebra no equilíbrio contratual, não é devido o adicional, incidindo a previsão contida no parágrafo único, do artigo 456, da CLT: ‘‘À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal’’.

Assim, como não houve prova de que as atividades de cobrança e manuseio de bagagens implicaram aumento significativo das funções do autor, foi mantida a sentença da VT de origem.

Por fim, o acórdão ressaltou que as atividades de ‘‘despachante’’, mencionadas pelo trabalhador na peça inicial, além de integrarem o escopo da função de motorista, não possuem maior complexidade e valor que justifiquem o adicional pretendido

O trabalhador está tentando levar o caso para reapreciação do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Pela marcha processual, ele teve negado o seguimento do recurso de revista (RR) pelo TRT-MG, na fase de admissibilidade, mas já entrou com agravo, ainda pendente de julgamento. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

Clique aqui para ler a decisão que barrou o recurso ao TST

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ATOrd 0010837-36.2023.5.03.0023 (Belo Horizonte)

LIMBO PREVIDENCIÁRIO
VT de São Paulo condena Nestlé a pagar dano moral por impedir volta de empregada ao trabalho após acidente

Sentença proferida pela 11ª Vara do Trabalho de São Paulo (Zona Sul) condenou a Nestlé – multinacional do ramo de alimentos e bebidas – a pagar indenização de R$ 20 mil por danos morais a uma promotora de vendas que não foi readaptada em novas funções após o fim do auxílio-doença.

Para o juiz do trabalho Gustavo Kiyoshi Fujinohara, o fato é considerado impedimento de retorno ao serviço, cabendo a responsabilização da empregadora. A condenação determinou também o pagamento de pensão em parcela única e todos os salários do período da alta previdenciária até a efetiva reintegração ao trabalho.

Queda de banquinho no abastecimento de gôndolas

Em 14 de junho de 2005, a trabalhadora caiu de um banquinho ao abastecer a prateleira. Em função da queda, ela lesionou o joelho esquerdo e sofreu redução de 20% na capacidade laborativa, conforme laudo pericial, que também atestou incapacidade permanente para a função de reposição.

Na ocasião, ela passou por duas cirurgias e recebeu auxílio-doença, de 30 de setembro de 2005 até 30 de novembro de 2023, quando recebeu alta previdenciária.

Apesar de considerada apta pelo médico da Nestlé e para exercer a ocupação de auxiliar administrativo ou qualquer atividade para a qual se julgasse capacitada pelo Programa de Reabilitação do INSS, a promotora de vendas foi colocada em situação semelhante ao ‘‘limbo previdenciário’’ – sem salário e sem trabalho.

Negativa de readaptação funcional

Em contestação, a parte reclamada argumentou que a reabilitação pelo INSS não a obrigava a readaptá-la, alegando a ‘‘inexistência de vaga compatível com as limitações da trabalhadora na empresa’’.

De acordo com Fujinohara, em relação ao acidente, a ré criou risco ao não disponibilizar equipamento adequado para a profissional alcançar as gôndolas mais altas, agindo com negligência. Lembrou na sentença que, conforme o artigo 476 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o artigo 63 da Lei 8.213/91, a alta previdenciária implica a retomada da vigência contratual, tendo o empregado o dever de prestar serviços e o empregador, o de pagar salários.

Empregador ficou inerte, mesmo com o contrato ativo

O julgador explicou, ainda, explicou que o fato de o INSS indicar uma função ou qualquer outra para a qual mulher se entendesse capacitada não exime a reclamada do dever de readaptação. Por fim, considerou ‘‘gravosa’’ a conduta da Nestlé, que ficou inerte mesmo estando ativo o contrato entre as partes, indicando ‘‘barreira atitudinal’’ da ré na inclusão de pessoa reabilitada em igualdade de condições com os demais obreiros.

‘‘[…]Inclusão requer a adaptação das condições de trabalho às necessidades individuais da pessoa que se apresenta. Exigir higidez física e mental das pessoas que trabalham configura mais do que a reprodução de preconceitos, configura a discriminação das pessoas reabilitadas da previdência social’’, concluiu.

A Nestlé já interpôs recurso ordinário trabalhista (ROT) no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo), pendente de julgamento. Com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATOrd1000988-86.2024.5.02.0711 (São Paulo)

PODER DE POLÍCIA
Ibama pode fiscalizar edificação por risco ambiental, ainda que haja licença de outro órgão público

Divulgação Ibama

​O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) pode – e deve – fiscalizar qualquer atividade que represente risco ambiental, ainda que seja de outro órgão público a competência para o licenciamento.

Com esse entendimento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a multa imposta pelo Ibama ao Sindicato dos Fiscais Tributários de Mato Grosso do Sul devido a uma construção em área de preservação permanente (APP), sem autorização do órgão ambiental federal.

Segundo o Sindicato, o imóvel objeto da autuação foi construído em 1994, antes da regulamentação normativa sobre as áreas de unidades de conservação, e tem alvará de funcionamento expedido por autoridade competente ainda em 1997.

Competência para licenciar não se confunde com a competência para fiscalizar

O relator do caso no STJ, ministro Sérgio Kukina, lembrou que a jurisprudência da corte considera que ‘‘o Ibama possui o dever-poder de fiscalizar e exercer poder de polícia diante de qualquer atividade que ponha em risco o meio ambiente, apesar de a competência para o licenciamento ser de outro órgão público. É que, à luz da legislação, inclusive da Lei Complementar 140/2011, a competência para licenciar não se confunde com a competência para fiscalizar’’.

O ministro ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 4.757, estabeleceu que ‘‘a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou a autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federal, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória’’.

Segundo Kukina, essa tese do STF se refere ao cabimento de autuações diversas, impostas por órgãos de controle ambiental que atuam em diferentes âmbitos federativos. Nesses casos, ressaltou, entende-se pela prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento, mas sem prejuízo da atuação supletiva de outro ente federal, quando demonstrada a omissão administrativa na tutela fiscalizatória.

Na hipótese dos autos, contudo, o ministro verificou que não foi imposta sanção administrativa no âmbito municipal, devendo ‘‘permanecer hígida a atuação do órgão federal quanto ao exercício do poder de polícia ambiental’’.

Além disso, o relator ponderou que se aplica ao caso a orientação da Súmula 613 do STJ, segundo a qual não há direito adquirido quanto à manutenção de situação que gere prejuízo ao meio ambiente. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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AREsp 1624736

LERÊ, LERÊ!
Vendedora de drogaria vai ganhar dano moral por ouvir música que remete à escravidão

Reprodução do quadro de J. B. Debret

‘‘Lerê, lerê, lerê, lerê, lerê, lerê, lerê.’’ O famoso refrão da música ‘‘Retirantes’’, feita em 1976 por Dorival Caymmi e Jorge Amado para a trilha sonora da novela ‘‘Escrava Isaura’’, da Globo, remete aos tempos da escravidão e era sempre cantado para uma vendedora quando ela limpava a loja.

Pela conduta desrespeitosa e constrangedora, que fere direitos de personalidade, a rede Drogaria Araujo S. A., de Belo Horizonte, foi condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 3 mil.

A decisão é dos julgadores da Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), por maioria de votos, acompanhando a desembargadora-relatora Maria Lúcia Cardoso Magalhães, e modificou a sentença oriunda da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que havia rejeitado a pretensão indenizatória.

Uma testemunha disse que a cantoria “lerê, lerê” se dirigia à trabalhadora quando fazia atividades fora da área de vendas. De acordo com a testemunha, a autora recebia tratamento diferenciado quando não concordava com algum procedimento. Se não conseguia fazer todas as tarefas durante o expediente, por exemplo, tinha que executar as atividades que faltavam, como limpar o departamento após o expediente. Segundo a testemunha, isso ocorria também com outros empregados, mas, na maioria das vezes, era com a autora.

Outra testemunha confirmou que os empregados cantavam músicas, como ‘‘lerê, lerê’’, quando a trabalhadora tinha que fazer algum trabalho, a exemplo de limpeza de seção. Disse já ter presenciado o chefe dando risada desse tipo de brincadeira e que isso acontecia com uma ‘‘panelinha’’. Afirmou ainda que a gerente também participava dessas brincadeiras. A testemunha percebia que a autora ficava constrangida.

Para a relatora do recurso ordinário no TRT-MG, os requisitos ensejadores da reparação ficaram provados: a conduta ilícita, o dano (in re ipsa, ou seja, presumido) e o nexo de causalidade, nos termos do que dispõem os artigos 186 e 187, do Código Civil (CC).

‘‘Não é razoável admitir ofensas e brincadeiras humilhantes entre empregados, que causem isolamento da trabalhadora. As brincadeiras descritas pelas testemunhas superam o aceitável para um ambiente de trabalho saudável e respeitoso, excedendo manifestamente os limites impostos pelos bons costumes, impondo constrangimento não razoável à obreira’’, ponderou no acórdão.

Por tudo isso, a relatora deu provimento ao recurso da vendedora para condenar a rede de drogarias ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3 mil.

A quantia foi arbitrada levando em conta os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade, bem como os critérios previstos no artigo 223-G, parágrafo 1º, da CLT. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATOrd 0010413-40.2023.5.03.0137 (Belo Horizonte)

COMÉRCIO ELETRÔNICO
É abuso de direito desativar conta de marketplace sem prova de violação da propriedade intelectual

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O Mercado Livre não tem o direito de bloquear a conta de um usuário sob o simples argumento de ‘‘violação dos termos de uso’’, sem nenhuma comprovação da conduta delituosa.

Para evitar este abuso, a Justiça Comum de São Paulo, nos dois graus de jurisdição, determinou a reativação da conta no marketplace de uma microempreendedora individual, bloqueada desde setembro de 2022, por ‘‘alegação superficial e genérica’’ de violar a propriedade intelectual de terceiros – ou seja, anunciar a venda de produtos de marca sem autorização do titular do registro.

Segundo o processo, a empreendedora foi excluída porque teria publicado anúncio vinculado os seus produtos à marca Epson, renomado fabricante de impressoras, tintas e cartuchos. Entretanto, segundo apurou o juízo da 7ª Vara Cível da Comarca de Osasco (SP), o documento juntado pela ré no processo possui marca d’água ‘‘que indica ser produto de uma pesquisa e não da página de venda dos produtos da autora’’.

‘‘Suas alegações, aliás, ganham verossimilhança pela juntada do documento de fls. 14 e ss., nos quais há, de fato, a página da autora com o anúncio dos produtos no qual há a informação de venda da tinta para impressora e a compatibilidade com a impressora da marca Epson, não que seja da própria marca’’, elucidou a juíza Liege Gueldini de Moraes.

Para a juíza, o Mercado Livre, de fato, deve tomar todas as medidas e cautela para resguardar o direito de propriedade intelectual de terceiros. Mas, no caso posto nos autos, não fez prova de que a microempresária, autora de ação de restabelecimento da conta, tenha infringido o registro da referida marca.

‘‘Com o apontamento da autora em réplica, de que os prints não se refeririam a seus anúncios, cabia à ré demonstrar o contrário, o que não se verificou nestes autos. E a autora não conseguiria fazer prova da sua alegação, posto que seu acesso estava de fato bloqueado, conforme reiteradamente noticiado nos autos’’, complementou a sentença.

A sentença, pelos seus fundamentos jurídicos, foi integralmente confirmada pela 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

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1025699-56.2022.8.26.0405 (Osasco-SP)

 

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