IDENTIDADE DE GÊNERO
Mulher trans proibida de usar banheiro e vestiário feminino em frigorífico será indenizada por discriminação

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou examinar o recurso da Prima Foods S.A., frigorífico de Araguari (MG), contra a condenação ao pagamento de indenização a uma faqueira desrespeitada no trabalho por ser mulher trans.

Conforme a decisão, que, no efeito prático, manteve a indenização de R$ 35 mil, a título de danos morais, a empresa falhou em criar um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso quanto à identidade de gênero de seus empregados.

Trabalhadora sofria humilhações no vestiário masculino

A faqueira foi contratada em 2014 e dispensada em 2019. Na ação, ela afirmou que, nos cinco anos de contrato, a empresa se negou a tratá-la por seu nome social e a proibia de usar o banheiro e vestiário feminino. Também disse que sofria violência psicológica diária dos colegas e tratamento discriminatório do encarregado, que lhe delegava trabalhos que não eram de sua função e exigiam força física, sob a alegação de que ela ‘‘era homem’’.

De acordo com a trabalhadora, o argumento da Prima Foods para proibi-la de usar o vestiário feminino era que as empregadas ‘‘não gostavam da presença de ‘travestis’ no banheiro de mulher e que a empresa não tinha o que fazer nesse caso’’. Como nem sempre era possível se trocar dentro de um box, em razão do movimento intenso, o momento da troca do uniforme ‘‘se tornava humilhante’’, pois sempre era alvo de piadas e de ofensas a seu corpo, sua sexualidade e seu gênero.

Frigorífico disse que distribuía cartilhas e fazia palestras

Em sua defesa, o frigorífico alegou que tinha ‘‘nove homossexuais’’ no setor de abate, o que comprovaria que não havia discriminação. Também argumentou que os empregados não podiam ser obrigados a chamar a trabalhadora pelo nome social e que adotava ações para reprimir e prevenir agressões à identidade de gênero e à sexualidade dos empregados, promovendo palestras e distribuindo cartilhas com seu código de ética.

Medidas não foram suficientes

A 2ª Vara do Trabalho de Araguari (MG) e o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) condenaram o frigorífico a pagar indenização de R$ 35 mil.

Para o TRT, as ações relatadas pela empresa não caracterizam efetiva implementação de políticas de inclusão. Para isso, seriam necessárias condutas concretas, como o respeito ao nome social, a aplicação de penalidades a quem praticar discriminação e até a alteração de instalações sanitárias a fim de evitar constrangimentos.

Ministra Kátia Arruda foi a relatora
Foto: Secom/TST

Empresa confundiu conceitos

A ministra Kátia Arruda, relatora do recurso da Prima Foods no TST, destacou que a identidade de gênero diz respeito à autopercepção de cada pessoa.

‘‘A trabalhadora teve questionada sua própria identidade pessoal, em decorrência da falha da empresa em criar um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso quanto à identidade de gênero de seus empregados’’, afirmou no voto, lembrando que ela era tratada a partir de estereótipos masculinos, como o de que seria mais adequada para tarefas que exigissem a força física.

Para a ministra, o próprio argumento da empresa de que não haveria preconceito e discriminação porque haveria ‘‘homossexuais no setor de abate’’ revela o equívoco conceitual entre identidade de gênero e orientação sexual, demonstrando a falta de compreensão sobre a matéria.

‘‘A distribuição de cartilhas e a promoção de palestras não foram suficientes para esclarecer a própria empregadora sobre os contornos, a profundidade e a relevância da inclusão da diversidade no contexto do respeito aos direitos humanos’’, assinalou.

Essa impressão é acentuada com a alegação da Prima Foods de que não haveria a obrigação de chamar os empregados por seus nomes sociais, que, ‘‘na realidade compõem uma das dimensões da personalidade’’. Essa postura caracteriza, segundo a ministra, a falta de respeito à identidade de gênero da empregada, ‘‘fragilizando ainda mais a tese de que haveria real grau de esforço educativo no âmbito da empresa’’.

A decisão foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações da jornalista Lourdes Tavares, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

Clique aqui para ler o acórdão

AIRR-10325-27.2019.5.03.0174

ABUSOS PSICOLÓGICOS
Vendedora ganha dano moral ao provar grosserias do chefe em reunião gravada por celular

Ilustração/Reprodução LS Advogados

Tratamentos grosseiros e constrangedores por parte de chefes e propostos do empregador violam direitos de personalidade elencados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem –, ensejando o dever de indenizar o trabalhador ofendido. Além disso, os artigos 186 e 927 do Código Civil obrigam à reparação de dano moral decorrente de atos ilícitos.

Assim, a Oitava Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), no aspecto, não teve dúvidas em confirmar a condenação de uma distribuidora de tecidos a pagar R$ 4 mil a uma ex-vendedora que provou os insultos sofridos pelo chefe imediato por meio de gravação de celular.

A juíza Luciana Nascimento dos Santos, titular da Vara do Trabalho de Pará de Minas, condenou a reclamada a indenizar a reclamante em R$ 4 mil, devido a assédio moral.

Insultos na reunião

A trabalhadora atuava como vendedora em loja da empresa e alegou que, durante reunião com seu chefe, foi coagida a pedir demissão sob ameaça de justa causa, além de ser alvo de insultos.

Em defesa, a empresa negou as acusações e alegou que havia “testemunhas” nas reuniões, além de argumentar que as declarações registradas não eram direcionadas especificamente à autora.

No processo, a empregada apresentou um áudio de 50 minutos, gravado durante uma reunião, em que foram registrados insultos por parte do representante da empresa e ordens para que as empregadas ocultassem defeitos de produtos aos clientes.

Gravação é prova legítima

A validade da gravação como prova foi questionada pela empresa na contestação, mas a juíza considerou-a lícita, conforme entendimento sedimentado no Tema 237 do Supremo Tribunal Federal (STF), que já reconheceu como legítima a gravação realizada por um dos interlocutores sem o consentimento do outro.

Segundo o STF, tais gravações, quando feitas pelo próprio participante da conversa, como no caso da autora, não violam o direito à intimidade, podendo ser usadas como prova em processos judiciais.

A magistrada concluiu que o áudio, no qual o chefe da autora direcionava às empregadas, inclusive à reclamante, termos depreciativos, como ‘‘lixo’’ e ‘‘porqueira’’, caracterizava um tratamento humilhante e ofensivo, confirmando o assédio moral. A instrução para que as vendedoras ocultassem defeitos de produtos, bem como a ameaça de repreensão por se recusarem a agir dessa forma, também foram consideradas reprováveis pela julgadora.

Exaustão psicológica

Um laudo psicológico anexado ao processo descreveu ainda a ‘‘exaustão psicológica’’ e os ‘‘abusos verbais’’ sofridos pela autora, reforçando o contexto de desgaste emocional.

No entendimento da magistrada, o laudo psicológico não basta para demonstrar o nexo de causalidade entre o quadro clínico da autora e o trabalho, possuindo caráter apenas informativo. Entretanto, pontuou que o dano moral, no caso, configura-se pela natureza do fato e, assim, independe de prova da dor ou do sofrimento, que toca ao íntimo do indivíduo.

Quebra do respeito e da urbanidade

Na conclusão da sentença, a juíza disse que foi provado o tratamento grosseiro e constrangedor dispensado à vendedora, em descumprimento das obrigações de respeito e urbanidade que devem sempre estar presentes nas relações de trabalho. ‘‘Tais circunstâncias violam o direito à dignidade humana, protegido constitucionalmente’’, destacou. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

ATSum 0010789-56.2024.5.03.0148 (Pará de Minas-MG)

REFORMA TRABALHISTA
Contrato de trabalho intermitente é constitucional, declara STF

Divulgação STF

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) validou dispositivos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que criaram o contrato de trabalho intermitente. O julgamento foi concluído na sessão virtual que terminou em 13/12.

O contrato de trabalho intermitente é uma modalidade de prestação de serviços em que o empregador convoca o trabalhador para prestar serviços quando necessário, com antecedência, e a remuneração é feita pelas horas efetivamente trabalhadas, sem recebimento de salário-base durante os períodos de inatividade.

Esse tipo de contrato prevê a subordinação e, apesar da flexibilidade, mantém os principais direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, FGTS e outros benefícios, proporcionais ao tempo trabalhado. A regra é válida para todas as atividades, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Proteção a trabalhadores na informalidade

Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Nunes Marques, de que o contrato de trabalho intermitente não suprime direitos trabalhistas, nem fragiliza as relações de emprego. Segundo ele, essa modalidade de contratação oferece proteção, especialmente, aos trabalhadores que estejam na informalidade.

Marques destacou que o contrato intermitente assegura ao trabalhador os mesmos direitos que aos demais, como repouso semanal remunerado, recolhimentos previdenciários e férias e 13º salário proporcionais. Além disso, o salário-hora não pode ser inferior ao salário-mínimo ou ao salário pago no estabelecimento quem exerce a mesma função, mas em contrato de trabalho comum.

Para o ministro, a regra também contribui para reduzir o desemprego, pois as empresas podem contratar conforme a demanda, e os trabalhadores podem elaborar as próprias jornadas, tendo condições de negociar serviços mais vantajosos. Segundo ele, embora a contratação tradicional ofereça maior segurança, já que estabelece salário e jornada fixos, o novo tipo contratual eleva a proteção social em relação aos trabalhadores informais, que executam serviços sem nenhum tipo de contrato.

Vulnerabilidade social

Ficaram vencidos o ministro Edson Fachin (relator) e as ministras Rosa Weber (aposentada) e Cármen Lúcia. Para Fachin, a imprevisibilidade nesse tipo de relação de trabalho deixa o trabalhador em situação de fragilidade e vulnerabilidade social.

A decisão foi tomada nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs58265829 e 6154, apresentadas respectivamente, pela Federação Nacional do Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados do Petróleo, pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas (Fenatell) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI). Com informações de Pedro Rocha, da Assessoria de Imprensa do STF.

BRINCADEIRA INTOLERÁVEL
TRT-SC mantém justa causa de operário que deu alarme falso de incêndio em fábrica de roupas

O uso indevido do sistema de segurança de uma fábrica pode configurar motivo para dispensa por justa causa por mau procedimento. A decisão unânime é da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina), ao julgar o caso de um funcionário que acionou o alarme de incêndio ‘‘por brincadeira’’.

O ato foi considerado de maior risco por acontecer no mesmo momento em que a brigada de incêndio da empresa estava mobilizada para o atendimento de uma ocorrência real em outro setor, tendo de se dividir após o falso aviso.

O episódio aconteceu em uma empresa têxtil da cidade de Gaspar. O risco de incêndio é ainda maior devido à matéria-prima utilizada na produção, o algodão, produto altamente inflamável.

O caso

Dispensado por justa causa, o trabalhador propôs ação trabalhista, pedindo a reversão do tipo de dispensa; ou seja, para que fosse sem justa causa – o que, na prática, permite o recebimento de uma série de direitos trabalhistas após a rescisão do contrato.

De acordo com o reclamante, a justa causa foi desproporcional, pois teria acionado o alarme de incêndio ‘‘sem a intenção de causar qualquer tumulto’’.

A empresa, por sua vez, afirmou que o empregado estava ciente dos riscos, já que havia recebido orientações sobre segurança no trabalho e, em especial, sobre a conduta que deveria adotar em caso de incêndio.

Em primeiro grau, o juízo da 3ª Vara do Trabalho de Blumenau reverteu a justa causa. De acordo com a fundamentação posta na sentença, não há como presumir que os empregados tenham sido esclarecidos especificamente sobre os pontos de comunicação desse sistema e as consequências de seu acionamento.

Ainda de acordo com a sentença, a punição foi proporcional ao acontecimento, visto o impacto econômico que ela representa para o trabalhador.

Mau procedimento

A empresa recorreu ao TRT-SC, pedindo a manutenção da justa causa e, por consequência, a isenção do pagamento das verbas rescisórias. Pediu também que o ocorrido fosse interpretado como ‘‘mau procedimento’’ e, portanto, motivo para justa causa, conforme previsto no artigo 482, letra ‘‘b’’, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Para comprovar a falta grave, a empresa apresentou uma gravação feita pelas câmeras de segurança, mostrando o empregado acionando o botão de alarme de incêndio quando estava caminhando sozinho – e sorrindo – pelo corredor, ao mesmo tempo em que soava um outro alarme disparado para conter outro princípio de incêndio perto do local.

A ré também comprovou que o funcionário passou por treinamento de incêndio, acrescentando que o Manual de Segurança e Integração entregue a ele, inclusive, era taxativo ao fazer alertas como ‘‘utilize os equipamentos de combate às emergências somente em casos reais e/ou em treinamentos’’, evitando ‘‘mexer ou destruí-los por brincadeira’’.

Risco à vida

Após analisar todas as provas, a desembargadora Maria de Lourdes Leiria, relatora do recurso ordinário, decidiu manter a justa causa, sendo acompanhado pelos demais membros da 1ª Turma.

Para a desembargadora, mesmo que o autor da ação reclamatória tivesse apertado o botão de forma equivocada, ‘‘sem querer’’, como alegado, deveria ter comunicado o fato ao seu encarregado ou brigadista da área, como determina o manual de emergências que assinado por ele mesmo.

‘‘Ora, a empresa deve primar pela segurança de todos os seus empregados, motivo pelo qual ‘brincadeiras’ ou atos como o que o reclamante promoveu não devem jamais ser tolerados num ambiente laboral, quanto menos num parque fabril cujas matérias-primas são tecidos de algodão altamente inflamáveis em contato com o fogo, uma vez que tal ato causou risco não apenas a todo o parque fabril, mas à vida dos demais colegas de trabalho”, concluiu a desembargadora, validando a dispensa por justa causa. Com informações de Gabriel Elias, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-12.

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

ATOrd 0000090-27.2023.5.12.0039 (Blumenau-SC)

ITCMD
STF proíbe cobrança de ‘‘imposto da herança’’ sobre planos de previdência privada aberta

Reprodução Impostobr.com

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a cobrança do chamado ‘‘imposto sobre herança’’ em planos de previdência privada aberta dos tipos Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL). O julgamento sobre o tema se encerrou na sexta-feira (13/12) em sessão virtual.

Planos de previdência privada aberta são uma modalidade de seguro em que o segurado pode retirar o dinheiro quando precisar, desde que espere 60 dias após o primeiro depósito. Os dois tipos desses planos são o VGBL e o PGBL, que se diferenciam na forma como o Imposto de Renda é cobrado. Se a pessoa que tem o plano morrer, o dinheiro aplicado é passado para os beneficiários, funcionando como um seguro de vida.

O julgamento do STF na sexta-feira passada decidiu que o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), conhecido como ‘‘imposto sobre herança’’, não deve ser cobrado sobre esses repasses. O entendimento do relator, ministro Dias Toffoli, é que os beneficiários têm direito aos valores do VGBL e PGBL em razão de um vínculo contratual, e não por herança.

‘‘Isso, contudo, não impede que o Fisco combata eventuais dissimulações do fato gerador do imposto, criadas mediante planejamento fiscal abusivo’’, escreveu Toffoli em seu voto, acompanhado unanimemente pelos demais ministros.

O ITCMD é um imposto cobrado sobre a transferência gratuita de bens e direitos, como em heranças e doações. Ele é aplicado em duas situações principais: quando alguém falece e deixa seus bens para os herdeiros (causa mortis) e quando uma pessoa doa algo para outra ainda em vida. O imposto incide sempre que um bem ou valor é repassado sem que haja pagamento, como numa venda.

O julgamento respondeu ao Recurso Extraordinário (RE) 1363013, interposto pela Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta (Feneaseg) e pelo Estado do Rio de Janeiro contra trechos da Lei fluminense 7.174/15. O caso teve repercussão geral reconhecida (Tema 1214), com impacto em 114 ações no STF sobre o mesmo assunto.

Tese

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:

‘‘É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quanto ao repasse, para os beneficiários, de valores e direitos relativos ao plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) ou ao Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano’’. Com informações de Gustavo Aguiar, da Assessoria de Imprensa do STF.

RE 1363013