DIREITO AO REPOUSO
Empregada impedida de se desconectar por excesso de trabalho será indenizada em danos morais

Submeter o trabalhador a multitarefas e a excesso de horas extras, impedindo-o, ainda, de se desconectar do trabalho ao fim da jornada, é conduta que causa dano moral presumido. Afinal, o empregador tem obrigação de oferecer ao empregado um meio ambiente laboral sadio, inclusive psiquicamente, para preservação da dignidade humana.

Por isso, a empresa Camso Indústria de Produtos de Borracha Ltda., com sede em Alvorada (RS), na região metropolitana, acabou condenada a pagar morais no valor de R$ 3 mil a uma técnica do laboratório industrial que recebia telefonemas de trabalho fora do horário de expediente, inclusive de madrugada. A empresa é especializada em pneus off-road, rodas, esteiras de borracha e sistemas de esteira para as indústrias de manuseio de materiais, construção, agricultura e esportes motorizados.

A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), que também reconheceu o direito ao pagamento de horas extras e de adicional por acúmulo de função. O valor provisório da condenação alcança R$ 103 mil.

Segundo informações do processo, a técnica de laboratório trabalhava de segunda à sexta-feira, das 6h30min às 18h, com 25 minutos de intervalo. Além da jornada contratual, quando acontecia algum problema na fábrica, ela era acionada pelos colegas, por telefone, fora do horário de expediente. Como a empresa funciona 24 horas, as ligações aconteciam em qualquer horário.

Desa. Tânia Regina Silva Reckziegel
Foto: Secom/TRT-4

O pedido de indenização por danos morais foi indeferido na Vara do Trabalho de Alvorada sob o argumento de que não foram produzidas provas dos fatos narrados na peça inicial. Inconformada, a empregada recorreu ao TRT-RS.

A relatora do caso na 2ª Turma, desembargadora Tânia Regina da Silva Reckziegel, entendeu que ficou comprovada a jornada exaustiva a que a trabalhadora estava exposta, com base nos depoimentos das testemunhas.

A magistrada destacou que, embora a empregada tivesse liberdade para se deslocar, ir a festas e viajar, ela sofreu violação intensa em sua liberdade de desconectar-se do trabalho. Ainda segundo a julgadora, o fato de a técnica não sofrer sanção ou advertência por não atender o celular não afasta a violação ao direito de completo repouso para recuperação física e mental.

‘‘Registra-se que o trabalhador não deve ser visto como mera ferramenta de execução das atividades, mas, sobretudo, como pessoa dotada de dignidade. Nessa linha, a Constituição Federal salvaguarda não apenas o direito à vida, mas, sobretudo, a uma vida com qualidade, inserindo no conceito de meio ambiente o local de trabalho’’, resumiu a magistrada no acórdão.

Também participaram do julgamento os desembargadores Marçal Henri dos Santos Figueiredo e Cleusa Regina Halfen.

Do acordão, ainda cabe recurso revista (RR) ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações de Bárbara Frank 

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ATOrd 0020344-19.2023.5.04.024 (Alvorada-RS)

DISFORIA DE GÊNERO
Plano de saúde deve custear feminização facial e mamoplastia de psicóloga transexual, decide TJSP

O plano de saúde não pode recusar o custeio de procedimentos médicos para adequação da identidade de gênero se a paciente não busca um ganho estético, mas preservar o seu bem-estar psicológico no curso da transformação física.

Por isso, a Turma I do Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), manteve sentença da 9ª Vara Cível da Capital que determinou que plano de saúde Vivest, da Fundação CESP, custeie procedimento de feminização facial e mamoplastia de aumento solicitados por uma psicóloga transexual. Ela é especializada no atendimento ao público transgênero.

Segundo informa o processo, a empresa rejeitou a cobertura dos tratamentos sob a alegação de que não estão previstos na resolução normativa vigente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A cirurgia de feminização é um conjunto de procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos que visa suavizar os traços masculinos e realçar os femininos. Pode ser realizada em mulheres cisgênero com traços masculinos marcantes, ou mais frequentemente em pacientes transgêneros do masculino para o feminino (MtF)

No acórdão do TJSP, o relator da apelação, juiz Olavo Sá, salientou que ‘‘a apelada é pessoa transexual que se reconhece como do gênero feminino, com base em laudos médicos profissionais, confirmou sua disforia de gênero e iniciou sua jornada para alcançar, ainda mais, o corpo com aspectos femininos’’.

O magistrado apontou que a cirurgia pretendida não possui finalidade estética, sendo necessária para adequar sua identidade de gênero e preservar o bem-estar psicológico da autora, não podendo, ainda, ser ignorado, o princípio da dignidade humana.

‘‘Portanto, uma vez constatado o caráter não estético do procedimento, necessário à reparação da incongruência entre a aparência física e autoimagem da apelada, como forma de preservação da dignidade e da saúde humana, a negativa de cobertura se mostra abusiva’’, destacou o relator.

Completaram a turma julgadora os magistrados M.A. Barbosa de Freitas e Regina Aparecida Caro Gonçalves.

A decisão foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TJSP.

1131387-15.2023.8.26.0100 (São Paulo)

REVISIONAL DE CONTRATO
White Martins cometeu abuso de direito ao aumentar o gás em percentuais muito superiores ao índice oficial

​Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a inércia em impugnar reajuste contratual abusivo, por si só, não representa violação ao princípio da boa-fé objetiva, mesmo após a passagem de anos sem qualquer manifestação e ainda que tenha havido a assinatura de confissão de dívida. Dessa forma, é impossível validar o contrato com base em suposta supressio em favor da parte que inicialmente agiu com abuso de direito.

Com esse entendimento, o colegiado aceitou o pedido de uma fabricante de bebidas para reconhecer que a fornecedora de gás natural White Martins S. A. praticou preços de forma ilegal, aplicando reajustes em percentuais muito superiores ao índice oficial de variação da energia elétrica no Paraná.

O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso no STJ, explicou que a supressio ‘‘pressupõe a idoneidade das circunstâncias subjacentes ao negócio jurídico, de modo que a parte que tenha desbordado primeiramente dos limites da boa-fé objetiva não pode se beneficiar de eventual e subsequente inação da parte contrária por determinado lapso temporal quanto ao exercício de um direito’’.

Ministro Marco Aurélio Bellizze foi o relator
Foto: Sergio Amaral/STJ

TJPR viu comportamento contraditório da parte autora

Em ação revisional de contrato, com pedido de devolução dos valores pagos indevidamente, o juízo de primeiro grau deu razão à contratante do serviço e determinou que os preços fossem recalculados considerando o reajuste anual com base apenas nos índices do mercado cativo de energia elétrica. Além disso, mandou que fossem restituídos os valores pagos a mais durante a vigência do contrato.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), entretanto, reformou a decisão sob o argumento de que o cálculo utilizado seria compreensível. Além disso, ponderou que o contrato vigorou por mais de cinco anos sem qualquer reclamação, o que indicaria comportamento contraditório por parte da contratante e ofensa ao princípio da boa-fé contratual.

Fornecedora de gás natural se valeu de cláusula com conteúdo aberto

Com apoio nas informações da sentença, Bellizze verificou que a cláusula de reajuste do contrato de fornecimento de gás natural não é clara, pois a fórmula adotada não está prevista expressamente, o que seria consideravelmente prejudicial à contratante. Por esse motivo, segundo o ministro, a fornecedora não pode se valer de uma legítima expectativa de que a contratante não questionaria o reajuste.

‘‘Afinal, se até mesmo uma cláusula expressa no contrato pode ser objeto de contestação, suscetível, portanto, de anulação por abusividade, quanto mais uma conduta gravosa da contraparte, que, aproveitando-se de uma cláusula com conteúdo aberto, extrapolou os limites de sua discricionariedade, por agir apenas em benefício próprio’’, observou o relator.

Bellizze ressaltou que a fornecedora adotou comportamento contrário à boa-fé objetiva, pois utilizou critério unilateral de reajuste visivelmente mais prejudicial à contratante.

‘‘Em consequência, não se apresentando idônea essa situação, ressai descabido a essa mesma parte beneficiar-se de suposta inércia da autora em buscar tal correção em momento anterior, que pudesse caracterizar a supressio (perda do seu direito de impugnar cobrança abusiva)’’, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2030882

INDENIZAÇÕES NO EXTERIOR
STF exige que municípios apresentem contratos com bancas de advocacia em outros países

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que municípios com ações judiciais no exterior apresentem contratos firmados com escritórios de advocacia para representá-los nessas ações.

A liminar também impede que esses municípios paguem honorários de contratos de risco (honorários de êxito ou taxa de sucesso) nas ações perante tribunais estrangeiros sem que a Justiça brasileira, principalmente o STF, examine previamente a legalidade desses atos.

Dino é relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1178, em que o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) questiona a possibilidade de municípios brasileiros apresentarem ações judiciais no exterior. A questão envolve, entre outras, ações de ressarcimento relativas aos acidentes ambientais de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

Em nova petição na ação, o Ibram trouxe um novo aspecto: a celebração de contratos de risco, baseados nos chamados honorários de êxito, com previsão de remuneração dos escritórios de advocacia com percentuais elevados (de no mínimo 30%) do valor da indenização eventualmente deferida. Isso, a seu ver, representa risco de lesão econômica às vítimas e aos cofres públicos.

Segundo o Instituto, numa dessas ações, que deve ser julgada este mês na Justiça inglesa, há pedido de indenização de R$ 260 bilhões.

Contrato de êxito

Ao aceitar parte desses fundamentos, o relator lembrou que o Tribunal de Contas da União (TCU) já decidiu diversas vezes que cláusulas de êxito em contratos com a administração pública são ilegais, ilegítimas e antieconômicas, ainda mais quando associadas a elevadas taxas de retorno sobre o valor obtido em favor do poder público. Segundo ele, tribunais de contas estaduais e municipais também adotam esse entendimento.

O relator frisou que o objetivo da liminar não é fazer juízo de valor sobre as ações ajuizadas pelos municípios perante os tribunais estrangeiros, mas sim verificar o impacto desses contratos advocatícios nos cofres públicos municipais. Com informações de Edilene Cordeiro, da Assessoria de Imprensa do STF.

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ADPF 1178

POLUIDOR-PAGADOR
TST responsabiliza Braskem por dívida trabalhista de hospital em crise após desastre ambiental em Maceió

Divulgação UFAL

A Justiça do Trabalho é competente para julgar processos em que desastres ambientais causam prejuízos a trabalhadores, mesmo quando a empresa responsável pelo dano não é a empregadora direta.

A decisão é da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao rejeitar o exame de recurso de revisto interposto pela Braskem S.A. contra sua responsabilização pelo pagamento de parcelas devidas a uma técnica de enfermagem dispensada em razão das dificuldades financeiras de seu empregador. O hospital em que trabalhava foi afetado pelos problemas ambientais causados pela atividade da mineradora em Maceió.

Hospital virou ‘‘cenário de filme de terror’’

A Braskem está envolvida em uma grave crise em Maceió devido aos danos causados pela extração de sal-gema na região. A atividade industrial provocou o afundamento do solo em diversos bairros, gerando riscos de desabamentos, deslocamentos de milhares de pessoas e danos ambientais irreversíveis.

A técnica de enfermagem era empregada do Sanatório Hospital Geral (Liga Alagoana contra a Tuberculose), que ficava na área afetada. A partir de 2020, segundo ela, o local virou ‘‘um verdadeiro cenário de filme de terror’’, com rachaduras enormes no chão e nas paredes e salas e enfermarias interditadas.

De acordo com o depoimento da trabalhadora, o hospital ficou ‘‘ilhado’’, porque os prédios vizinhos foram evacuados, e a região virou um ‘‘cenário de guerra’’, com casas destruídas e saqueadas, ruas desertas e escuras e assaltos.

Em razão da crise gerada por essa situação, o hospital começou a atrasar salários e vale-transporte, levando a empregada a faltar ao trabalho em diversas ocasiões. Em janeiro de 2022, ela foi dispensada por justa causa e acionou a Justiça para que a Braskem fosse solidariamente responsabilizada pelo pagamento de suas verbas rescisórias. Em novembro de 2023, o estabelecimento de saúde foi evacuado.

Em defesa, a Braskem argumentou que não poderia ser responsabilizada pelas dívidas trabalhistas do hospital e que a Justiça do Trabalho não tinha competência para julgar o caso em relação a ela, porque não havia relação de emprego com a técnica.

Desastre ambiental afetou contrato de trabalho

O juízo de primeiro grau reverteu a justa causa, mas acolheu a argumentação da mineradora e a excluiu da ação. O Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (TRT-19, Alagoas), porém, reformou a sentença para reconhecer a competência da Justiça do Trabalho. O Regional condenou a Braskem solidariamente ao pagamento das verbas trabalhistas devidas à técnica de enfermagem, além de determinar indenização por danos morais de R$ 5 mil por atraso nos salários.

A ministra Liana Chaib, relatora do recurso de revista da Braskem no TST, manteve a competência da Justiça do Trabalho. Ela destacou que, embora não houvesse relação de trabalho com a Braskem, a inadimplência do hospital estava diretamente relacionada ao desastre ambiental causado pela mineradora.

Para fundamentar a decisão, a ministra aplicou por analogia a chamada ‘‘teoria do fato do príncipe’’. Ela é normalmente usada em casos em que atos do poder público, mesmo legítimos, têm impacto em contratos entre particulares e impedem o cumprimento de obrigações. Casos desse tipo estão sob a competência da Justiça do Trabalho quando envolvem contratos de emprego, por exemplo.

A situação discutida no processo, para a relatora, é semelhante: embora não se trate de um ato do Estado, a atuação da Braskem e as consequências de suas atividades acabaram envolvendo a relação de trabalho.

‘‘Os mesmos requisitos da teoria do fato do príncipe estão presentes: fato inevitável (desocupação da área em razão da degradação ambiental); ausência de culpa do empregador (o hospital); e impossibilidade de continuação do contrato de trabalho, tudo isso pela atuação de um terceiro que não integra a relação de emprego (no caso, a Braskem)’’, explicou.

Lei dos Crimes Ambientais prevê reparação

A ministra também defendeu que a competência da Justiça do Trabalho se baseia no princípio do poluidor-pagador. Previsto na Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), ele determina que quem causa um dano ambiental deve repará-lo em todas as esferas sociais.

‘‘A degradação ambiental causada pela Braskem merece reparo nas diversas esferas que foram violadas, sendo uma delas a garantia dos direitos trabalhistas da profissional’’, concluiu.

A decisão foi unânime. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RR-603-48.2022.5.19.0002