CONTRATO COLETIVO
TJSP manda Sul América ressarcir empresa por reajuste abusivo de plano de saúde

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Comete abuso a operadora de plano de saúde que reajusta o prêmio anual dos contratos coletivos por adesão em índices muito acima dos autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Pior, ainda, quando mantém os cálculos obscuros, nem disponibiliza toda a documentação atuarial ao Judiciário, para análise da regularidade do reajuste.

Por isso, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve íntegra a sentença que declarou abusivo o reajuste anual de 2017 aplicado pela Sul América Companhia de Seguro Saúde S/A aos contratos coletivos da sua cliente Ferro e Aço Fortunato Ltda, sediada em Santo André (ABC paulista). Assim, a partir daquele ano, os contratos passam a ser reajustados apenas pelos índices da ANS.

Em suma, nos dois graus de jurisdição, não houve demonstração idônea por parte da operadora do plano de saúde acerca dos fatos que ensejaram os reajustes nos percentuais aplicados, o que feriu o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Declaração de abusividade

Fachada Fortunato Ferro & Aço

A empresa afirmou à Justiça que, em 2017, pagava R$ 11,7 mil pela prestação dos serviços, valor aumentado para R$ 27,6 mil em março de 2013. Assim, pediu a declaração de abusividade do aumento e a consequente devolução dos valores pagos a maior.

O juízo da 1ª Vara Cível de São Paulo (Foro Regional de Pinheiros) julgou procedente os pedidos da parte autora, por entender que a prática se revelou abusiva. Afinal, a ré manteve obscuro o cálculo de reajuste, além de não disponibilizar a documentação contábil solicitada pelos peritos.

‘‘Em agindo assim, outra alternativa não resta senão concluir que os reajustes aplicados pela ré para o prêmio da autora não restaram justificados e, sendo superiores aos índices inflacionários reconhecidos para os planos individuais pela ANS, devem ser substituídos por aqueles autorizados. Ademais, constatada a abusividade do aumento, de rigor a devolução dos valores pagos a maior, com correção monetária pela Tabela Prático do TJSP, a partir de cada desembolso, e juros moratórios de 1%, a partir da citação’’, determinou na sentença o juiz Paulo Henrique Ribeiro Garcia. O valor a ser devolvido foi estimado em R$ 291,8 mil – observada a prescrição trienal.

Falta de justificativa concreta para o reajuste

O relator da apelação na 10ª Câmara de Direito Privado do TJSP, desembargador Jair de Souza, manteve a sentença e deu mais robustez à decisão. Em complemento à fundamentação, observou que os planos de saúde coletivos não se submetem aos índices vinculantes da ANS para os contratos individuais/familiares. Entretanto, o percentual reajuste deve encontrar justificativa concreta, sob pena de se converter em prática abusiva.

Tal raciocínio, segundo o julgador, encontra eco no CDC. O artigo 6º, inciso V, diz que são direitos básicos do consumidor a modificação ou a revisão de cláusula contratual que estabeleça prestação desproporcional ou excessivamente onerosa imposta em razão de fato superveniente.

Consumidor colocado em posição de desvantagem

Destacou, por fim, que o CDC prevê a nulidade, de pleno direito, da cláusula que favoreça o fornecedor, direta ou indiretamente, pela variação de valores de forma unilateral (artigo 51, inciso X), bem como estabeleça obrigação considerada abusiva ou que coloque o consumidor em desvantagem exagerada (artigo 51, inciso IV).

‘‘Em razão disso, constitui ônus das operadoras de plano de saúde comprovar o aumento da sinistralidade, dos custos médicos-hospitalares, de administração, de comercialização ou outras despesas incidentes e que, eventualmente, tenham sido utilizadas para quantificar o aumento anual’’, apontou Souza no acórdão.

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1010046-32.2022.8.26.0011 (São Paulo)

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‘‘ENDEMONIADOS E INGRATOS’’
Igreja de Valdemiro Santiago vai pagar R$ 15 mil de dano moral por injúrias a grevistas

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A crença religiosa não pode servir de escusa para agredir pessoas, qualificando-as pejorativamente. Palavras impensadas ditas num púlpito diante de milhares de fiéis seguidores devem ser frontalmente repudiadas pelo Poder Judiciário, já que não se trata de afronta à liberdade religiosa ou controle das pregações, mas de coibir abusos que podem incitar violência na multidão.

Com este fundamento, a 3ª Vara do Trabalho de São Paulo determinou o pagamento de R$ 15 mil, a título de danos morais, a uma ex-empregada da Igreja Mundial do Poder de Deus, injuriada em público pelo autodenominado ‘‘apóstolo’’ Valdemiro Santiago. O líder religioso classificou a autora e os demais grevistas de ‘‘pessoas imundas, incrédulas, avarentas e endemoniadas”.

‘‘Ademais, em depoimento pessoal, o preposto dos reclamados relatou que ‘desconhece ter o 2º reclamado [apóstolo Valdemiro Santiago] chamado os grevistas de pessoas imundas, incrédulas, avarentas e endemoniadas’. Ora, ao preposto não é facultado desconhecer fato essencial ao deslinde do feito, atraindo a pena de confissão ficta quanto aos fatos desconhecidos’’, agregou na sentença a juíza do trabalho Fernanda Zanon Marchetti.

Fiéis hostilizaram os grevistas

Segundo registra a Ata de Audiência, a única testemunha da reclamante – que trabalhou para a Igreja de 2010 a março de 2023 – esclareceu que os funcionários entraram em greve por causa dos atrasos nos pagamentos de salários, nas mensalidades do convênio médico e benefícios (vale-transporte e vale-refeição), além do 13º salário e férias.

Indignado com a greve e diante de milhares de fiéis, segundo a autora, o apóstolo teria dito que os funcionários que estavam em greve não eram dignos de trabalharem lá, que eram ingratos. Afinal, teria comparado, os jogadores de futebol têm salários atrasados por cinco meses, e os funcionários da Igreja não podiam aguardar cinco dias. Ele teria ameaçado demitir todos os funcionários, em razão da conduta dos grevistas, e terceirizar tudo. A grande maioria dos funcionários que participaram da primeira greve foi, efetivamente, dispensada.

Ainda segundo a testemunha, após as palavras injuriosas de Valdemiro, os funcionários grevistas foram abordados e severamente hostilizados pelos fiéis: ‘‘vocês vão para o inferno, vão pagar muito caro pelo falso testemunho que estavam fazendo na rua, pois o apóstolo já havia dito que era tudo mentira’’

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ATOrd 1000611-42.2023.5.02.0003 (São Paulo)

 

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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Contrabando de até mil maços de cigarro não é crime, define STJ

Foto: Divulgação/PRF

Em julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.143), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a tese de que o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar mil maços, seja pela baixa reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão do contrabando de grande vulto.

No entanto, segundo o colegiado, o princípio da insignificância poderá ser afastado nas apreensões abaixo de mil maços se houver reiteração da conduta criminosa, pois tal circunstância indica maior reprovação e periculosidade social.

Ao fixar o precedente qualificado por maioria de votos, o colegiado modulou os efeitos da decisão para definir que a tese deve ser aplicada apenas aos processos ainda em trâmite na data do julgamento (13 de setembro) –, sendo inaplicável, portanto, às ações penais já transitadas em julgado. Não havia determinação de suspensão de processos em razão da afetação do tema.

Aplicação pontual do princípio da insignificância já é adotada pelo MP

Ministro Sebastião Reis Júnior
Foto: Rafael Luz/STJ

No voto que prevaleceu na seção, o ministro Sebastião Reis Junior explicou que a conduta de introduzir cladestinamente cigarro pela fronteira brasileira constitui crime de contrabando, tanto no caso de cigarro produzido no Brasil para exportação quanto nas hipóteses em que a importação do produto é expressamente proibida (artigo 18 do Decreto-Lei 1.593/1977).

O ministro ainda lembrou que o Brasil é signatário da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, cujo artigo 15 determina a repressão do comércio ilícito de produtos de tabaco, inclusive o contrabando.

Sob essa perspectiva, e como forma de proteção à saúde pública, Sebastião Reis Junior afirmou que, em regra, deve prevalecer o entendimento de que o contrabando de cigarros não comporta a aplicação do princípio da insignificância.

‘‘Por outro lado, entendo que a posição adotada pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, no sentido da aplicação do princípio da insignificância para a hipótese de contrabando de cigarros em quantidade que não ultrapassa mil maços, não só é razoável do ponto de vista jurídico como ostenta uma base estatística sólida para sua adoção’’, afirmou.

Apreensões de até mil maços são poucas em relação ao volume total

Para embasar esse posicionamento, o ministro apontou que as apreensões de até mil maços, embora correspondam à maioria das autuações, representam muito pouco em relação ao volume total de cigarros apreendidos. De acordo com as informações estatísticas do ano passado, a maior quantidade se verifica em autuação superior a dez mil maços, com a concentração mais expressiva (73,41%) nas apreensões entre cem mil e um milhão de maços.

Dessa forma, para o ministro, impedir a aplicação do princípio da insignificância nas apreensões de até mil maços de cigarro seria ineficaz para a proteção da saúde pública, além de sobrecarregar indevidamente os entes estatais encarregados da persecução penal, ‘‘sobretudo na região de fronteira, com inúmeros inquéritos policiais e outros feitos criminais derivados de apreensões inexpressivas, drenando o tempo e os recursos indispensáveis para reprimir e punir o crime de vulto’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.971.993

REsp 1971993

REsp 1977652

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
Penhora contra empresa do mesmo grupo exige desconsideração da personalidade jurídica

Ministro Antonio Carlos Ferreira
Foto: Imprensa/STJ

A busca judicial por patrimônio de empresa que não integrou a ação na fase de conhecimento do processo e não figura na execução, ainda que ela integre o mesmo grupo econômico da sociedade executada, depende da instauração prévia do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Ou seja, não é suficiente o simples redirecionamento do cumprimento de sentença.

O entendimento foi estabelecido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a recurso especial e julgar procedentes os embargos de terceiros opostos por uma empresa que teve mais de R$ 500 mil penhorados em razão de dívida de outra empresa do mesmo grupo, decorrente de ação ajuizada por consumidor. A penhora não foi precedida de incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada.

Ao manter a penhora determinada em primeiro grau, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou que o artigo 28, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), prevê a responsabilidade subsidiária das pessoas jurídicas integrantes do mesmo grupo societário da devedora principal, o que tornaria possível penhorar ativos de outras empresas do grupo caso não se encontrassem bens da sociedade devedora.

Incidente é norma processual de observância obrigatória

Relator do recurso especial no STJ, o ministro Antonio Carlos Ferreira explicou que a responsabilidade civil subsidiária, prevista expressamente no CDC, não exclui a necessidade de observância das normas processuais destinadas a garantir o contraditório e a ampla defesa – entre elas, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Segundo o ministro, a interpretação do CDC deve levar em conta que a previsão de responsabilidade subsidiária das sociedades integrantes de um grupo econômico está inserida na mesma seção que disciplina o instituto da desconsideração. Ainda de acordo com Antonio Carlos Ferreira, a norma processual de instauração do incidente é de observância obrigatória e busca garantir o devido processo legal.

‘‘Portanto, o tribunal de origem, ao entender ser suficiente o mero redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não participou da fase de conhecimento, penhorando o crédito da recorrente sem prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, violou o disposto nos artigos 28, parágrafo 2º, do CDC, e 133 a 137 do Código de Processo Civil’’, concluiu o ministro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1864620

ESCUSA DE CONSCIÊNCIA
PF que é Testemunha de Jeová não consegue o direito de trabalhar desarmado

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Google Imagens

O direito à liberdade de crença religiosa cede aos princípios da legalidade e isonomia que imperam no serviço público. Assim, um policial federal não pode se recusar a realizar curso de aperfeiçoamento profissional só porque não aceita andar armado. Afinal, a atividade policial exige, intrinsecamente, a necessidade de portar arma e a de participar de treinamentos de tiro.

O entendimento foi firmado pela 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), pondo fim à pretensão de um policial federal de Foz do Iguaçu (PR) adepto das Testemunhas de Jeová que se recusa a fazer treinamento de tiro – última fase do Curso de Aperfeiçoamento (CAP) para a progressão na carreira. O servidor acionou a Justiça para obrigar a PF a lhe oferecer condições de concluir esta etapa final por meio de ‘‘critérios alternativos de atividades educacionais’’.

A exigência está prevista no artigo 5, parágrafo 1º, da Portaria 15.432 – DG/PF, de 19 de agosto de 2021, que disciplina o treinamento operacional continuado da Polícia Federal. A norma determina que todo servidor policial “deve participar anualmente de no mínimo dezesseis horas de treinamento operacional continuado, das quais oito horas devem ser de armamento e tiro”.

Para a relatora do recurso no colegiado, desembargadora Gisele Lemke, deferir o pedido do policial significaria violar a garantia de igualdade de condições assegurada a todos os candidatos que participam do curso de aperfeiçoamento profissional.

‘‘Não cabe à Administração adaptar seus atos em adequação aos preceitos de religião de cada candidato. O deferimento do pedido do recorrente [policial federal], na forma em que postulado, é que estaria privilegiando um candidato, na medida em que não se sujeitaria às mesmas regras previstas no edital, cujo cumprimento é obrigatório aos demais’’, registrou no acórdão, mantendo o despacho denegatório da 1ª Vara Federal de Curitiba.

Um PF que não tolera armas

No início do ano de 2017, após ser convocado para se apresentar armado a uma operação, o policial federal Paulo Sílvio Romualdo da Silva informou à chefia imediata que iria atender a convocação. No entanto, avisou que não iria portar arma de fogo.

Esta recusa deu início a um processo interno, no qual a Administração Pública reconheceu, em parecer, o direito à objeção de consciência – deixar de fazer algo que fira algum princípio religioso. Entretanto, entendeu que ‘‘o servidor deverá atender todas as convocações de seus superiores hierárquicos e participar das operações policiais para as quais seja designado, portando arma de fogo pessoal, sob pena de serem tomadas as medidas disciplinares cabíveis ao caso’’.

A chefia imediata de Silva em Foz do Iguaçu foi notificada do parecer jurídico e dos demais despachos proferidos no processo administrativo. Apesar do despacho desfavorável ao servidor, a chefia local não mais exigiu que este participasse de operações policiais, portando arma de fogo. Dessa forma, sempre que convocado para participar de operações policiais, Silva passou a realizar somente trabalhos operacionais de coordenação e assessoria, como recebimento e destinação de materiais e bens apreendidos.

Além disso, em 15 de maio de 2017, ele foi nomeado, pela administração local, para uma função policial administrativa, tornando-se responsável pelo Depósito de Veículos Apreendidos da Delegacia Regional de Polícia Federal de Foz do Iguaçu.

Dessa forma, nunca mais lhe foi exigido o porte de arma de fogo. Houve a conciliação, na prática, do direito constitucional de objetor de consciência com as suas obrigações como policial federal na esfera da segurança pública.

O ‘‘problema’’ que romperia esta paz estabelecida entre servidor e instituição apareceu em 19 de agosto de 2021, com a edição da Portaria 15.432 – DG/PF, de 19 de agosto de 2021, que disciplina o treinamento operacional continuado da Polícia Federal. É que a obrigação de empunhar armas e disparar tiros se choca com a consciência religiosa. Afinal, toda a Testemunha de Jeová deve buscar todos os meios para não causar a sua própria morte e a de outrem.

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5003004-48.2023.4.04.7002 (Curitiba)

 

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