EXECUÇÃO TRABALHISTA
Tema 1.232 do STF: ampla defesa dos grupos econômicos em risco

Por Lara Fernanda de Oliveira Prado

Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento virtual do Tema 1.232, trazendo à tona uma questão crucial para o processo do trabalho. Em discussão está a possibilidade de incluir no polo passivo da execução trabalhista empresas de um grupo econômico que não participaram da fase de conhecimento.

Anteriormente, vigorava o entendimento sumulado de que a empresa do grupo econômico não participante da fase de conhecimento não poderia constar na execução. No entanto, desde 2003, com o cancelamento da Súmula 205 do TST, o entendimento predominante foi o da possibilidade de tal inclusão, o que viola os princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa.

O Supremo, por meio do Tema 1.232, tem a chance de alterar esse cenário, trazendo à baila o devido processo legal. Contudo, a perspectiva não é essa se os demais ministros seguirem o voto do relator Dias Toffoli, que propôs uma tese que impacta o cenário empresarial. Felizmente, a decisão não é final, pois o julgamento está suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

A sugestão do relator foi permitir a inclusão direta na execução, desde que precedida por um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme os artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, com modificações do artigo 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo o ministro, esse incidente garantiria a oportunidade de defesa da empresa e, ao mesmo tempo, aprimoraria a efetividade do processo do trabalho.

No entanto, a tese não se sustenta. Primeiramente, porque a defesa, na fase de execução, é muito mitigada, seja pela impossibilidade de influir na decisão de mérito do processo e na criação ou não do próprio crédito trabalhista, seja pela exposição da empresa a sofrer constrições em seu patrimônio antes mesmo de defender a inexistência de responsabilidade solidária.

Nessa toada, a balança entre garantir o crédito trabalhista e respeitar o contraditório e o devido processo legal é evidente.

Para além disso, utilizar o incidente de desconsideração para incluir empresas de grupo econômico na execução trabalhista parece extrapolar a finalidade original do instituto, que é muito bem delineada e exige a demonstração de pressupostos específicos (vide artigo 134, § 2º, CPC). Assim, a decisão do relator pode ser vista como a tentativa de criar um novo instituto, algo que legalmente cabe apenas ao legislador.

Quando o Judiciário ultrapassa os seus limites

A tese abordada visa efetividade, mas levanta questionamentos sobre a competência do Judiciário para legislar. Ao analisar o voto de Toffoli, é inevitável reparar o paradoxo que se delineou. Nele, o ministro cita ‘‘O Processo’’, de Franz Kafka, que destaca como o caráter instrumental do processo pode resultar no esvaziamento dos direitos individuais em prol de um Estado autoritário.

Por meio da citação, Toffoli enfatiza a violação de princípios jurídicos fundamentais, alertando para o risco de tornar o processo um fim em si mesmo, conduzindo à arbitrariedade e insegurança jurídica. Contudo, a ironia surge quando observamos que o mesmo trecho pode ser aplicado à própria tese do ministro. Ao ‘‘criar um novo instituto’’ para inclusão direta de empresas na execução trabalhista, Toffoli, paradoxalmente, pode conduzir o Brasil e seus empresários à insegurança jurídica e ao descrédito nas leis, indo de encontro aos princípios que ele mesmo destaca.

Mais uma vez, parece que o Judiciário extrapola sua competência ao legislar. A proposta, embora almeje uma justiça mais célere e simplificada, abre precedentes para interpretações distorcidas e abusivas da lei, seguindo a narrativa de Kafka. A inserção de um ‘‘novo instituto’’ não previsto em lei poderia fortalecer um Estado de viés autoritário, desconsiderando os imperativos de justiça e comprometendo os alicerces do devido processo legal.

Assim, fica evidente a necessidade de um equilíbrio entre a efetividade processual e a preservação dos princípios fundamentais do direito. O Judiciário, ao buscar soluções inovadoras, deve estar atento para não comprometer a segurança jurídica e o respeito aos direitos individuais, mantendo a confiança da sociedade nas instituições e evitando que o processo se torne, ele próprio, um entrave à Justiça.

Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no Diamantino Advogados Associados

NOVAS REGRAS
Os impactos do PL 4.173/2023 e a taxação dos fundos de investimentos e offshores

Por Murilo Muniz Silva

O Senado Federal aprovou dia 29 de novembro o Projeto de Lei (PL) nº 4.173/2023, que estabelece a tributação de aplicações em fundos de investimento no País e da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior. O PL seguirá agora para sanção presidencial.

Das alterações propostas no PL, destaca-se a modificação na forma de pagamento do Imposto de Renda (IR) para fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado, com a instituição de pagamento semestral (come cotas), e sobre trusts e entidades no exterior, as offshores.

Até a edição da Medida Provisória (MP) 1.184/2023, que foi a base incorporada do PL, os fundos de investimentos cuja forma de condomínio seja fechado, possuíam como regra geral a incidência da tributação do IR sobre os ganhos no momento do resgate das cotas ao fim do prazo de duração, ou em caso de liquidação do fundo, de amortização ou alienação das cotas. Com a MP e PL, a tributação dos fundos passará a ser semestral (em maio e novembro) ou em cada distribuição de rendimentos, amortização ou resgate de cotas, o que já ocorre com os fundos de condomínio aberto.

As novas regras de tributação periódica não serão aplicáveis aos Fundo de Investimento em Participações (FIP), Fundo de Investimento em Índice de Mercado (EFT), Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), desde que classificados como entidade de investimento, que detenham estrutura profissional, e Fundo de Investimento em Ações (FIA) mesmo se não for entidade de investimento.

Além disso, permanecem com as regras de tributação os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO), os investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos, os investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em FIPs e aos Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE), os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIPPD&I), os Fundos de Investimento com Carteira em Debêntures Incentivadas, os fundos de investimentos com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior, e os ETFs de Renda Fixa, aplicando-se as regras especificadas em lei.

No caso dos FII e FIAGRO apesar de não prevista alteração na forma de tributação dos rendimentos, o PL traz significativa proposta de mudança para garantia da isenção do Imposto de Renda aos cotistas. O PL eleva para 100 o número mínimo de cotistas necessário para direito da isenção do IR. Assim, somente fundos com no mínimo 100 cotistas farão jus à isenção do IR sobre os rendimentos distribuídos.

Também haverá mudanças quanto à tributação dos trusts e das offshores, que atualmente somente são tributados os ganhos quando do ingresso dos recursos no Brasil. O PL determina que os rendimentos desses bens sejam declarados na Declaração de Ajuste Anual (DAA), ficando sujeitos à tributação a alíquota de 15%, com possibilidade de dedução do imposto pago no país de origem, desde que haja reciprocidade de tratamento e previsão de compensação em acordo ou convenção internacional, com o país de origem dos rendimentos.

Além das alterações acima, destaca-se a possibilidade de antecipação do recolhimento do IR sobre os rendimentos auferidos até 31/12/2023, com uma alíquota reduzida e pagamento parcelado.

No mais, vê-se que o PL tem evidente intuito de aumento de arrecadação de recursos pelo Governo Federal. No entanto, tal objetivo não deve ser feito sem a observância dos princípios norteadores do Direito, em especial o da Anterioridade Tributária, o que se mostra com a tributação dos rendimentos até o exercício de 2023.

Portanto, a aprovação do PL certamente terá significativos impactos nos planejamentos tributários e societários já implementados, que deverão ser reavaliados, visto que certamente a incidência do IR para momento futuro se tratou de um fator preponderante para a realização. Da mesma forma, o dia a dia da gestão dos Fundos de Investimentos também terá impactos, pois serão adicionadas novas obrigações aos administradores e gestores pelo recolhimento do imposto.

Murilo Muniz Silva é sócio da área societária no escritório Diamantino Advogados Associados.

FUSÕES NO AGRO
Goodwill ou badwill? Quando as expectativas de lucros futuros podem se tornar um prejuízo real

Por Eduardo Lima Porto

DISCLAIMER

Eduardo Lima Porto

O presente artigo tem por objetivo expressar a opinião particular do autor, na qualidade de investidor em ações e atuante no setor agrícola há vários anos, visando contribuir para a melhoria do ambiente de negócios e fomentar o debate, principalmente entre amigos, clientes da LucrodoAgro Consultoria e demais agentes do agronegócio em relação às operações no mercado de capitais. Os comentários estão baseados na análise de informações financeiras públicas disponibilizadas na internet, não constituindo qualquer conhecimento privilegiado.

O autor declara expressamente não ser proprietário de empresas de insumos agrícolas. Enfatiza a importância de os leitores conduzirem as suas próprias análises e considerarem as opiniões de especialistas independentes, antes da tomada de qualquer decisão de investimentos e/ou a realização de negócios de qualquer natureza.

Portanto, a opinião do autor não constitui recomendação de investimento, nem de desinvestimento.

I – Goodwill – A problemática da consistência contábil

Nos últimos anos, o mercado de insumos agrícolas registrou transações bilionárias, envolvendo fusões e aquisições de grandes companhias multinacionais.

Os casos mais emblemáticos foram a compra da Monsanto pela Bayer, a fusão entre DuPont e Dow Chemicals e a aquisição da Syngenta pela ChemChina. Em menor escala, ocorreram outras operações semelhantes ao redor do mundo.

Pelo que se sabe, quase todas as operações envolveram o pagamento de somas substanciais a título de ÁGIO sobre o valor justo das companhias adquiridas, cujo registro contábil é definido como goodwill e lançado como Ativo Intangível.

Por ser de natureza intangível ou incorpórea, a avaliação está sujeita a um elevado grau de subjetividade, o que, não raras vezes, possibilita a ocorrência de fraudes contábeis. Por exemplo, uma empresa pode inflar artificialmente o valor do goodwill a fim de melhorar o seu balanço patrimonial, acobertando tecnicamente eventuais aquisições superfaturadas.

As normas contábeis determinam que as empresas realizem periodicamente testes de impairment, a fim de avaliar se as expectativas de lucros futuros permanecem ou não coerentes com as premissas que justificaram o pagamento do ÁGIO. Se houver baixa no valor contábil do goodwill, haverá uma redução imediata no Patrimônio Líquido e afetará diversos indicadores financeiros, além de prejudicar a credibilidade junto a investidores e financiadores.

Cabe mencionar que as empresas citadas acima foram obrigadas a realizar baixas contábeis que atingiram bilhões de dólares, pois os lucros futuros se mostraram distantes do que havia sido inicialmente previsto, o que pode ter acontecido por diversos fatores, incluindo a desaceleração da demanda internacional, preços descendentes, pressões regulatórias e até mesmo por erros grosseiros na construção das projeções que teriam justificado o pagamento do ÁGIO.

Se as grandes multinacionais de agroquímicos forçosamente tiveram de ajustar o Ativo Intangível, a fim de refletir a realidade nua e crua de negócios que resultaram ruins, eventualmente afetados por uma miríade de riscos de difícil previsibilidade e controle, por que as varejistas de insumos agrícolas não estariam submetidas a uma situação semelhante?

II – AGROGALAXY (AGXY3) – Rápida análise do Goodwill e de outros itens

A Agrogalaxy (AGXY3) possui ações listadas na B3, o que permite analisar as suas informações financeiras de forma acessível e transparente. A empresa publicou os resultados do 3T23 recentemente, os quais serviram de base para a interpretação.

A posição consolidada em 30/09/23, totalizou um saldo do Ativo Não-Circulante de R$ 1.708.486.000,00, cuja composição dos principais itens é a seguinte:

=> Ativo Imobilizado (já descontada a depreciação) = R$ 212.349.000,00 (equivalente a 12,43% do Ativo Não-Circulante);

=> Ativo Intangível = R$ 1.078.742.000,00 (equivalente a 63,14% do Ativo Não-Circulante)

=> Relação Intangível / Imobilizado = 5,08x;

Do total registrado no Ativo Intangível, dois itens chamam poderosamente a atenção em função da sua proporção sobre o total do Ativo Não Circulante: (i) ÁGIO por expectativa de rentabilidade futura no valor de R$ 691.439.000,00 (64,09%); (ii) Carteira de Clientes no valor de R$ 352.127.000,00 (32,64%).

Considerando a gravidade do cenário atual da produção agrícola, submetida a severidade da seca no Centro-Oeste e o excesso de chuvas no Sul, somado à volatilidade dos preços, nos parece que o Ativo Intangível da AGROGALAXY está revestido de elevada subjetividade, o que demanda cautela.

Por outro lado, o saldo do Patrimônio Líquido apurado no período foi de R$ 1.048.566.000,00 (menor do que o Ativo Intangível).

Nesse sentido, cabe transcrever o trecho do livro Valuation – Como Precificar Ações, de autoria de Alexandre Póvoa (pág. 108), que esclarece:

Muitas são as razões que levam à necessidade de reconhecimento das perdas em um ativo, oriundas tanto de dentro quanto de fora da empresa”.

O autor indica a existência de ‘‘fontes internas’’, pontuando que uma performance econômica pior do que a esperada pode vir a motivar a revisão contábil. No que diz respeito às ‘‘fontes externas’’, cita a elevação das taxas de juros, como um dos fatores causadores da redução de valor dos intangíveis.

A AGROGALAXY mencionou no relatório financeiro (3T23) que:

‘‘Em 30/09/23, a Companhia não identificou nenhum evento que indicasse a necessidade de efetuar um teste para verificação do valor recuperável (impairment) do intangível, apesar do resultado apurado do período, o que está aderente a sazonalidade das operações da Companhia’’.

A empresa vem adotando o mesmo posicionamento, pelo que foi verificado, desde 2020.

Entretanto, o último relatório (3T23) expressa um cenário mais preocupante:

– Significativo incremento do custo financeiro, na comparação com exercícios anteriores, para o financiamento das operações de curto prazo;

– Crescimento da inadimplência e da provisão para créditos de liquidação duvidosa;

– Violação do limite de endividamento determinado em cláusulas de covenants, o qual estabelece um máximo de 3,0x (relação Dívida Líquida/EBITDA), tendo atingido o índice de 4,2x;

– Margem líquida negativa;

– Prejuízo líquido de R$ 463 milhões;

– Dívidas que não estão garantidas por itens do Ativo Imobilizado, mas que se encontram respaldadas por ex-sócios;

– Retenção de aplicações financeiras (compromissadas), como parte das cláusulas de subordinação dos CRA’s, visando a cobertura de recebíveis eventualmente inadimplidos pelos clientes. O custo financeiro médio das emissões é elevado.

– Não há o registro do pagamento de DIVIDENDOS para os acionistas/investidores nos últimos exercícios, o que torna a expectativa de lucros futuros duvidosa.

A eventual não confirmação das expectativas de lucros futuros, combinada com uma descontinuidade potencial dos negócios da carteira de clientes, os quais não estão obrigados por meio de instrumentos contratuais a fazerem negócios com a companhia, significam, em nossa opinião, um RISCO REAL que pode ensejar a redução do valor recuperável (impairment) do Ativo Intangível, o que repercutiria negativamente sobre o saldo do Patrimônio Líquido e no cálculo de importantes indicadores de endividamento, como o Ativo Total/Exigível Total e o Patrimônio Líquido/Exigível Total.

A simples exclusão dos valores registrados no Ativo Intangível, para efeito de análise, expõe uma enorme fragilidade financeira.

Mesmo carregando uma pesada perda no valor das ações em 2023 (quase 50%), do anúncio de Fato Relevante dando conta de uma proposta de renegociação de dívidas de curto prazo no valor de R$ 839 milhões junto a três bancos, cuja aceitação e condições não estão plenamente confirmadas, além da renúncia de diretores com funções estratégicas ao longo do ano, a empresa comemorou um incremento da margem bruta e suas ações tiveram uma recuperação nos últimos dias, com indicações por parte de analistas financeiros de que o preço justo para o papel deveria situar-se em patamares que superam o dobro da cotação da atual.

Goodwill ou badwill, eis a questão.

Em breve, ampliaremos a análise sobre outras empresas do setor.

Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica Ltda, com sede em Sinop-MT

 

DÍVIDA ATIVA
Portaria PGFN 1.241/2023 e o impacto nos acordos de transação tributária

Por Gustavo Vaz Faviero e Beatriz Palhas Naranjo

Reprodução: Sólido Consultoria

Publicada no dia 16 de outubro, a Portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de número 1.241/2023 trouxe alterações na Portaria PGFN 6.757/2022, que regulamenta a transação na cobrança de créditos da União e do FGTS, modalidade de acordo para a redução de dívidas tributárias já inscritas em dívida ativa.

Diferentemente de outras modalidades de parcelamento, a transação tributária passou a conceder descontos com base na capacidade de pagamento do devedor e no grau de recuperabilidade dos débitos tributários.

Em outras palavras, a concessão dos benefícios da transação depende da capacidade de pagamento do contribuinte, que deve ser avaliada em relação ao grau de recuperabilidade do crédito tributário, podendo ser classificada no rating entre ‘‘A’’ e ‘‘D’’.

Ocorre que a metodologia utilizada pela PGFN para mensurar a capacidade de pagamento dos contribuintes nunca foi muito clara. Tanto é que algumas empresas passaram a discutir o tema no âmbito judicial por discordarem do seu enquadramento e questionar a metodologia de cálculo utilizada pela Procuradoria.

Para sanar este ponto a Portaria PGFN 1.241/23 trouxe uma nova ‘‘obrigação’’ para o órgão que deverá disponibilizar, em seu site, informações detalhadas para a aferição da capacidade de pagamento presumida e procedimento para a sua revisão.

Seguindo essa linha de transparência e orientações aos contribuintes, a Portaria acrescentou a Seção VIII, que prevê a observância dos aspectos ambientais, sociais e de governança, também conhecidos como ESG, na celebração das transações tributárias.

Aparentemente, a ideia é conceder maiores benefícios nos acordos de transação para os contribuintes que, em contrapartida, passem a contribuir de alguma maneira com o desenvolvimento ambiental, social e de governança.

Por exemplo, um contribuinte que desenvolve projetos de assistência social poderá oferecer esta prática como uma contrapartida para PGFN conceder mais benefícios no acordo de transação. Esta medida pode ser vista como um incentivo para que, cada vez mais, as empresas passem a adotar práticas de sustentabilidade.

Apesar de ser uma medida benéfica para todas as partes envolvidas, há de se ressaltar que a norma ainda não prevê uma fiscalização das contrapartidas apresentadas pelo contribuinte.

Nota-se que as alterações trazidas pela Portaria PGFN 1.241/23 estão mais direcionadas ao comportamento da própria Procuradoria nos acordos de transação do que à própria transação. Resta agora aguardar como essas novas regras serão aplicadas.

Gustavo Vaz Faviero é coordenador e Beatriz Palhas Naranjo é sócia da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

LAW AND ECONOMICS
Cresce a influência da Economia nas decisões da Justiça brasileira

Por Luciano Benetti Timm

Reprodução Econlib.Org

O uso do Judiciário para resolver disputas chegou a níveis preocupantes no Brasil, com custos bilionários e riscos de graves impactos para a sociedade. Para sair dessa armadilha, a mais alta Corte do país tem cada vez mais recorrido à Análise Econômica do Direito. O Congresso Anual da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, na PUCPR, em Curitiba, marca a consolidação dessa corrente formada por juristas e economistas que buscam com dados científicos alertar para as consequências das decisões.

Um dos marcos mais recentes do avanço da Análise Econômica do Direito é a providência inédita do ministro Luís Roberto Barroso, ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), de ter chamado para a sua equipe um economista, Guilherme Resende, que era economista-chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Essa escolha demarca a incorporação de uma nova perspectiva no STF. Em Direito, normalmente a gente olha para trás: matou alguém, qual a prova do crime? O Cade olha para a frente. Quando você incorpora consequência na decisão, tem de olhar para a frente. E isso é algo que os economistas fazem melhor, porque usam estatística.

É inegável que muitas políticas públicas hoje são feitas pelo Judiciário, e elas têm de ser baseadas em evidências, para evitar a atuação ideológica. Veja o caso dos planos de saúde: uma ordem para baixar o preço pode até ser popular, mas eleva o risco de falência das empresas, o que é pior para os consumidores. Decisões muito fáceis e ideológicas talvez não sejam o melhor caminho para a própria sociedade.

Outro exemplo são as plataformas de entrega. Para o consumidor, ter de se deslocar até um local para adquirir ou consumir um produto é menos eficiente do que recebê-lo em casa. Se aumentar o risco de condenações judiciais ao prestar o serviço, as empresas começarão a jogar no preço o risco de condenação.

O setor aéreo no Brasil sofre com uma litigância desproporcional. Emocionalmente todo mundo que perdeu um voo pode ver um motivo para ser indenizado. Caso isso ocorra, porém, essa despesa da companhia irá compor o preço, e ele continuará aumentando com frequência, porque a infraestrutura brasileira é pobre. É comum, quando ocorre uma chuva, o aeroporto ter de suspender a operação, e isso a empresa não tem como evitar, nem é responsabilidade dela. Na média internacional, a margem de lucro dessas empresas é de 2% – quando não têm prejuízo, como vem sendo o caso nos últimos anos. Se os processos comerem metade dessa margem, a tendência é de as empresas deixarem o país. Para o passageiro, é melhor ter três opções do que uma. Mas, se fica muito caro operar, o resultado é um monopólio natural: sobrará uma só.

Luciano Benetti Timm

Um tema recente é o dos apagões de energia. Ao tratá-los, é preciso lembrar que eventos extremos são imprevisíveis. Talvez com a repetição deles, daqui a dois, três anos, seja possível identificar um novo padrão. Antes disso, é simplista culpar a concessionária por um evento extremo. É mais complexo. A lição não é sair multando e expondo a empresa. É preciso buscar as causas. Pode ser que a prefeitura não tenha feito a poda das árvores como deveria, e elas caem na fiação. E toda decisão traz efeitos: caso se chegue à conclusão de que a solução é colocar a fiação para baixo da terra, o que multiplicaria o custo, é necessário ver quem vai pagar. A ciência ajuda a resolver esses dilemas, se a gente quiser trabalhar com evidências, em vez de seguir com crenças.

A Análise Econômica do Direito se apresenta como uma alternativa para derrubar o alto grau de judicialização. O Brasil é um caso único: tem hoje mais de 80 milhões de processos. O segundo país nesse ranking é a Índia, com em torno de 30 milhões, só que a Índia tem quase sete vezes mais população do que o Brasil. O impacto é no bolso do cidadão, porque cada processo tem um custo. R$ 100 bilhões é o que nós, brasileiros, gastamos por ano com disputas judiciais. E 50% já foi julgado, então o Judiciário não segue os seus próprios precedentes.

Para saneamento básico, o orçamento da União é em torno de R$ 1 bi. Significa que gastamos 100 vezes mais em disputa do que em saneamento. Em 10 anos, a gente já poderia ter entregado para a população brasileira saneamento completo, mas está torrando recurso público em disputas repetitivas. Do ponto de vista do contribuinte, é péssimo. O Judiciário precisa se racionalizar, e a Análise Econômica do Direito, com evidências, tem muito a contribuir para isso.

Luciano Benetti Timm é professor da FGV-SP e sócio do CMT Advogados