FINANCIAMENTO DE PROJETOS
Adequar empresas à economia verde pode ser um bom negócio

Por Ianara Cardoso de Lima

Captura Web

O discurso sobre a quebra do equilíbrio climático do planeta sobe de tom a cada ano. De ‘‘crise climática’’, passou-se à ‘‘emergência climática’’, e de ‘‘aquecimento global’’ para ‘‘ebulição global’’.

E não é para menos. As previsões sobre as consequências das mudanças do clima, inequivocamente provocadas pela ação da humanidade, bateram à nossa porta antes da hora, com ondas e calor, tempestades, alagamentos, secas e vendavais nunca experimentados.

Enquanto os Estados discutiram na COP 28, realizada nos Emirados Árabes Unidos, os rumos da governança global do clima frente aos alarmantes resultados do último relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 20 de março de 2023, coube às empresas o questionamento acerca de seu papel nesse cenário.

É inegável a necessidade da diversificação de atores na governança global do clima, dentre os quais há que se destacar o papel da iniciativa privada para atingir os objetivos comuns relacionados às mudanças climáticas.

Para Elinor Ostron, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia no ano de 2009 com tese que permanece atual, ainda que haja esforços globais, caso estes esforços não sejam apoiados e encampados regionalmente e localmente, não irão funcionar. Para a autora, os benefícios globais somente podem ser gerados por ações locais.

E é neste ponto que se concentra o papel das empresas, no agir local.

Pelo fato de as empresas terem alcançado, em muitos casos, patamares de poder econômico superior ao de alguns estados nacionais, fica evidente que podem arcar economicamente com a responsabilidade por seus atos e, inclusive, agir de modo a alterar, como menciona Clodomiro Bannwart Júnior, estudioso sobre a ética empresarial, ‘‘qualidade de vida e o bem-estar social das pessoas que dela dependam’’.

Evidente também que, em razão do processo de conscientização da sociedade a respeito das questões ambientais, em especial da finitude dos recursos naturais e dos impactos que as atividades produtivas geram no meio ambiente, a cobrança e responsabilização das empresas, no que tange à sua interação com o meio ambiente, aumentou significativamente.

Ricardo Abramovay, professor titular da FEA/USP, afirma que é cada vez mais importante o ‘‘capital reputacional’’ das empresas e que isso é percebido pelas organizações da sociedade civil, que passam a cobrar comportamentos não predatórios das empresas.

Assim, mudar a maneira como as empresas agem, caminhando para ações que visam o desenvolvimento sustentável, não seria apenas vital para a preservação do planeta, mas também a salvação da própria empresa, conforme ensina Élisabeth Laville, pioneira no estudo da sustentabilidade na França.

Em contrapartida, de acordo com o relatório ‘‘Better Business, Better World’’, elaborado pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU, há cerca de 12 trilhões de dólares em oportunidades de negócios até 2030, e a efetivação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável pode gerar cerca de 380 milhões de novos postos de trabalho até 2030.

Não por coincidência, o Brasil, que tem pretensão de liderar os debates globais sobre a proteção do meio ambiente, teve a delegação com maior participação de empresas na COP desse ano. A imprensa registrou a presença, entre outros, do Itaú, Vale, JBS, Ambipar e Gerdau.

O objetivo das empresas foi levar ao debate da COP as necessidades dos setores econômicos e gerar oportunidades de financiamento de projetos que estejam de acordo com as políticas de sustentabilidade e combate às mudanças climáticas.

Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco afirmou, em entrevista para o Estadão, que daqui para frente as empresas devem estar engajadas em ações, pois não há mais tempo.

Vai ao encontro do discurso empresarial o Plano de Transformação Ecológica, que vem sendo desenvolvido pelo Ministério da Fazenda e tem como objetivos (i) promover o aumento da renda por meio da geração de empregos verdes; (ii) reduzir a pegada ambiental e a emissão de gases de efeito estufa; e (iii) promover o desenvolvimento equitativo por meio da difusão de benefícios e distribuição de renda.

O Plano, que ainda não foi oficialmente lançado pelo Ministério da Fazenda, conta com seis eixos – finanças sustentáveis, adensamento tecnológico, bioeconomia, transição energética, economia circular e infraestrutura verde e de adaptação.

Os seis eixos serão desenvolvidos por meio de instrumentos financeiros, fiscais, regulatórios, administrativos, operacionais e de monitoramento e fiscalização, o que significa que haverá muita oportunidade de crédito e financiamento, além de incentivos fiscais para os empreendimentos que se engajarem na agenda em prol do combate às mudanças climáticas.

Parece, afinal, que a adequação das empresas a um modelo de economia verde e de baixa emissão de carbono pode, além de garantir que a vida humana não desapareça da terra, ser também um bom negócio.

Ianara Cardoso de Lima é sócia da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados.

BIS IN IDEM
Autuação ambiental múltipla gera insegurança jurídica no agronegócio

Por Ianara Cardoso de Lima

Ibama em ação
Foto: Agência Brasil

A fiscalização por parte dos órgãos ambientais é uma preocupação constante daqueles que desenvolvem atividades que se utilizam de recursos naturais – ou que são potencialmente poluidoras. Afinal, estes empreendimentos estão sujeitos a licenciamento ou autorização ambiental para o exercício regular de suas atividades.

Essa preocupação decorre, muitas vezes, da incerteza em relação a qual o órgão ambiental competente para fiscalizar determinada atividade. E se acentua quando a dúvida não é ‘‘qual’’, mas ‘‘quais’’ órgãos são competentes para fiscalizar e/ou autuar determinada atividade empresarial.

Essa dúvida é bastante comum, pois, em determinados casos, existe, sim, a possibilidade de mais de um órgão ambiental poder fiscalizar e/ou autuar um mesmo fato.

A Constituição Federal, no artigo 23, caput, incisos III, VI e VII, estabeleceu a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição, bem como para preservar as florestas, a fauna e a flora (além de outros bens comuns)

De acordo com o parágrafo único do dispositivo constitucional, a competência comum deverá ser exercida em observância ao chamado ‘‘princípio da cooperação federativa’’. Esse dispositivo prevê, também, que é por meio da edição de leis complementares que se fixariam as normas para regular essa chamada ‘‘cooperação federativa’’, a fim de garantir o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar no território nacional.

Com a entrada em vigor da Constituição Federal em 1988, a Lei 6.938/1980, que estabelece a chamada ‘‘Política Nacional do Meio Ambiente’’ e regulamenta o ‘‘Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA’’, acabou sendo recepcionada.

Ou seja, apesar de ter sido editada antes da atual Constituição, continuou sendo válida. Tal sistema estrutura os órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que são responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental.

No entanto, até o ano de 2011 não havia nenhuma Lei Complementar regulamentando o exercício das competências pelos vários órgãos que integram o SISNAMA (tais como o Ibama e o ICMBio, por exemplo).

Como consequência desse ‘‘vazio normativo’’, passou-se a ver autuações por mais um órgão ambiental sobre uma mesma atividade e, por vezes, aplicando sanções administrativas ambientais em relação a um mesmo fato.

Aplicar mais de uma pena para um mesmo fato é chamado, no juridiquês, como bis in idem e é uma prática vedada por todo o ordenamento jurídico. Apesar disso, a consequência desse ‘‘vazio normativo’’ em relação à competência fiscalizatória e sancionadora dos órgãos ambientais fez emergir questionável jurisprudência do STJ permitindo mais de uma autuação sobre o mesmo fato por órgãos ambientais vinculados a diferentes entes federativos.

Para justificar essa possibilidade do bis in idem, o STJ alegou não ser possível o afastamento da competência destes entes em razão do princípio chamado ‘‘preponderância do interesse’’.

Em 2011, finalmente, entrou em vigor a Lei Complementar 140, que fixou as competências materiais de cada ente federativo, inclusive com critérios objetivos para a determinação da competência para o licenciamento ambiental, fiscalização e sancionatória. De acordo com o artigo 17 da LC 140, passou a ser responsável para fiscalizar e punir o ente que for responsável, também, pelo licenciamento ambiental.

Apenas quatro meses após a LC 140 entrar em vigor, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente (Abissama) ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.757, pedindo a declaração de inconstitucionalidade integral da lei ou, ao menos, a declaração de inconstitucionalidade de alguns artigos, entre os quais o artigo 17, responsável pela necessária delimitação de competência para fiscalizar e punir atos contrários à legislação ambiental.

Lamentavelmente, neste caso, a decisão do Supremo Tribunal Federal afastou-se da tão almejada segurança jurídica. A Corte entendeu que, nos casos em que há omissão ou falha da atuação do órgão licenciador (aquele competente pela LC 140), seja por insuficiência de sua atuação, seja pela inadequação da medida adotada, admite-se possível multiplicidade de autuações pelo mesmo fato.

Trocando em miúdos: se a autuação lavrada pelo órgão originariamente competente (por exemplo, a Cetesb) for considerada ‘‘insuficiente’’, eventualmente, outros órgãos com competência supletiva (como a Secretaria Municipal do Meio Ambiente) poderão lavrar outro auto de infração sobre o mesmo fato.

A pergunta que fica é: quando uma fiscalização que resultou em alguma autuação ambiental pode ser considerada “insuficiente”? Quais os critérios para isso? Infelizmente, a resposta não existe. Essa verificação está totalmente depositada no crivo discricionário dos órgãos fiscalizadores, o que, gera preocupante insegurança jurídica e dá margem para judicialização destas questões, já que conceito de ‘‘insuficiência da autuação’’ dá margem para muita discussão ante o seu grau de subjetividade.

Não haverá outra saída para aquele que for destinatário de mais de uma autuação ambiental sobre o mesmo fato senão a propositura de demandas judiciais com o objetivo de anular os autos de infração. Sofre o setor produtivo. Sofre a já saturada estrutura do Judiciário brasileiro.

Ianara Cardoso de Lima é sócia da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados

PIS E COFINS
STJ suspende ações sobre creditamento a contribuinte substituto em caso de reembolso de ICMS-ST

Foto: Imprensa/STJ

​A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu afetar os Recursos Especiais 2.075.758 e 2.072.621, assim como os Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.959.571, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

A questão submetida a julgamento, cadastrada como Tema 1.231 na base de dados do STJ, diz respeito à ‘‘possibilidade de creditamento, no âmbito do regime não-cumulativo das contribuições ao PIS e da Cofins, dos valores que o contribuinte, na condição de substituído tributário, paga ao contribuinte substituto a título de reembolso pelo recolhimento do ICMS-substituição (ICMS-ST)’’.

Para fixação do precedente qualificado, o colegiado determinou a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos sobre a mesma matéria que tramitem em primeira e segunda instâncias, além do STJ.

Segundo o ministro Mauro Campbell Marques, a suspensão é necessária tendo em vista que já foram decididos mais de 700 processos sobre o mesmo tema somente no STJ, sem contar com as ações que ainda não foram examinadas pelo tribunal superior e com aquelas que ainda tramitam nas instâncias ordinárias.

Momento da cadeia econômica define diferença entre temas afetados

Ministro Mauro Campbell Marques
Foto: Gustavo Lima/STJ

No ERESp 1.959.571, a Fazenda Nacional indicou conflito de teses entre as turmas do STJ e defendeu que deve prevalecer o entendimento da Segunda Turma, segundo o qual o contribuinte não tem direito ao creditamento, no âmbito do regime não-cumulativo do PIS e da Cofins, dos valores que, na condição de substituído tributário, paga ao contribuinte substituto a título de reembolso pelo recolhimento do ICMS-ST.

O ministro Campbell detalhou que, com a análise do tema repetitivo, será verificada a abrangência do direito ao crédito previsto no artigo 3º, inciso I, da Lei 10.637/2002 e no parágrafo 1º, inciso I, da Lei 10.833/2003, no que se refere ao princípio da não-cumulatividade e ao conceito de custo de aquisição envolvendo PIS e Cofins.

Ainda de acordo com o relator, a discussão não se confunde com o Tema Repetitivo 1.125.  Campbell explicou que o outro tema, relatado pelo ministro Gurgel de Faria, aborda um momento diferente da cadeia econômica, ‘‘pois diz respeito não ao creditamento, mas à possibilidade de exclusão do valor correspondente ao ICMS-ST da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins devidas pelo contribuinte substituído’’.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O Código de Processo Civil de 2015 regula, no artigo 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão de afetação no EREsp 1.959.571

EREsp 1959571

REsp 2075758

REsp 2072621

PROVA DE PROPRIEDADE
Titulação de terras: a pedra no sapato do crédito de carbono

Por João Eduardo Zica Diamantino

A aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto que regula o mercado de crédito de carbono foi um importante primeiro passo a ser dado na regulamentação deste setor. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido e que, invariavelmente, deverá passar pela complexa problemática da titulação de terras no Brasil. Afinal, a possibilidade de fraude para as emissões de gás carbônico não interessa a qualquer debate sério que se pretenda fazer. A história da titulação de terras se confunde com o descobrimento do Brasil. Desde a chegada dos portugueses a terras tupiniquins, já vivenciamos quatro períodos: regime de sesmarias; regime de posse; regime da Lei de Terras; e regime republicano, vigente desde a promulgação da Constituição de 1889. Spoiler: sem solução ainda.

Das capitanias hereditárias, até os conceitos atuais de propriedade, posse e domínio, deve-se dizer que o Brasil foi ineficiente em titular a totalidade das terras que compõe a nação. Os efeitos de tal ineficiência ecoam no cotidiano dos cidadãos brasileiros, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A título de exemplo, cita-se a grilagem de terras, onde glebas são invadidas e tituladas ilegalmente. Não se pode acreditar que basta uma certidão vintenária de um imóvel para que se conclua a due diligence da efetiva propriedade de algo. Aqui, tem-se matrículas sobrepostas, documentos falsos, terras inexistentes registradas e até mesmo a possibilidade de a terra ser considerada indígena, independentemente de documento de compra e venda expedido por algum Estado.

Que o problema é antigo já é sabido. Mas a grande questão é: iremos perder esse grande embalo mundial de sermos a maior nação verde do mundo por problemas agrários? Impulsionado pela COP-30 sediada no Pará, pelo conceito de ESG, as discussões ambientais e a posição estratégica que ocupa na produção global de alimentos, o país vive um momento de atenção internacional, e o atual governo surfa nessa onda. É aí que entram os créditos de carbono. Um mercado multibilionário que pretende movimentar a economia global. Mas tem um porém — o mercado de crédito de carbono possui um trâmite específico para que possa ser de fato comercializado. São necessários cinco requisitos para que exista a possibilidade de comercialização do crédito de carbono: projeto, validação, monitoramento, verificação e emissão. Acontece que, no projeto, é necessário comprovar a propriedade. Isso, para evitar que alguém usufrua do direito de propriedade alheio para obter benefícios financeiros com a venda dos créditos.

O primeiro caso de fraude reportado aconteceu na Ilha do Marajó, onde uma empresa emitiu créditos decorrentes de áreas de reserva extrativista federal. Mesmo com as matrículas canceladas há anos, os vendeu para companhias multinacionais, conseguindo driblar a certificação internacional. Importante destacar que a população nativa da região não recebeu qualquer tipo de verba. E a história se repete, mais uma vez no Estado do Pará, agora em Portel, onde três empresas usaram de terras públicas para emissão de créditos de carbono, desta vez tendo um apelo midiático maior e evidenciando a principal falha no mercado, a falta de titulação. Ainda que os créditos de carbono passem pela certificação de alguma empresa específica, fica claro que o processo ainda está sujeito a falhas. Deste modo, a luz de atenção se acendeu na comunidade estrangeira em relação aos créditos emitidos no Brasil, em especial na Amazônia Legal.

O atual governo, em diversas ocasiões, frisou que uma de suas prioridades seria o meio ambiente. Falar é fácil, fazer nem tanto. Um bom modo de começar seria por meio da titulação agrária. Ao assegurar aos títulos de propriedade a sua devida legalidade, não haveria mais grilagem, o que, consequentemente, diminuiria o desmatamento. Ato contínuo, traria investimentos que visassem a manutenção de nossas florestas, como os créditos de carbono, em uma relação que não há perdedor. O mundo ficaria mais ecológico, e o Brasil, mais rico. Será que o presidente da República terá força política e interesse, em resolver esse problema que é praticamente concomitante ao descobrimento da América? Será que pela primeira vez haverá esforços efetivos em titular as glebas? A agenda política deve ir além do discurso. Vai ser difícil que o mercado continue caminhando com uma ‘‘pedra no sapato’’ a longo prazo. Se Brasília falhar em corrigir este rumo, o Brasil perderá a chance de arrecadar bilhões de dólares.

João Eduardo Zica Diamantino é sócio da área cível no Diamantino Advogados Associados

PL 2.724/22
A regulação dos planos de stock options

Por Renan Castro e Murilo Muniz Silva

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº 2.724/2022, que disciplina o regime dos Planos de Outorga de Opção de Compra de Participação Societária – Marco Legal do Stock Options.

O PL busca estabelecer diretrizes sobre os planos de stock options e reduzir a insegurança jurídica sobre eles. São abordados temas sobre a não vinculação dos planos de stock options aos contratos de trabalho dos empregados, reforçando a natureza mercantil e a característica não remuneratória de tais planos, e questões sobre o tratamento tributário dado às stock options, em relação ao momento da tributação do ganho de capital (Imposto de Renda), definido pelo PL como sendo o da venda das ações/quotas da empresa.

Atualmente, não há regulamentação específica sobre os planos de stock options, utilizando-se como base legal a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76), que, no artigo 168, parágrafo 3º, estabelece a possibilidade de outorga de opção de compra de ações aos administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços às companhias ou a sociedade sob seu controle.

Mas afinal, o que é stock options? Trata-se de um mecanismo pelo qual uma empresa outorga ao empregado (direto ou indireto) a possibilidade de aquisição de uma quantidade determinada de ações ou quotas da empresa em data futura por preço determinado na celebração do contrato, mediante o cumprimento de condições estabelecidas no plano (vesting). Esse mecanismo permite que empresas menores, as famosas startups, sejam atrativas para os profissionais mais qualificados do mercado frente às grandes companhias que não utilizam esse mecanismo.

Se aprovado com a redação atual, o PL (artigo 9º) estipulará condições mínimas a serem observadas pelas empresas em seus planos de stock options, que são: (I) a quantidade de opções ou ações que o beneficiário terá direito de adquirir ou subscrever com o exercício das opções; (II) o prazo no qual o beneficiário poderá exercer a sua opção da participação societária; (III) o preço por opção e/ou pelo seu exercício para efetiva aquisição da participação societária; (IV) a previsão de eventual período de indisponibilidade para venda de ação ou quota, a partir do exercício de uma opção outorgada (lock up); e (V) a possibilidade de a empresa recomprar dos beneficiários as opções ou ações adquiridas pelo empregado.

Embora os requisitos estabelecidos no PL não sejam novidade para as empresas que utilizam o mecanismo de stock options, pois são previsões encontradas na maioria dos planos, é de suma importância que a legislação veicule tais condições, a fim de garantir maior segurança jurídica às empresas na elaboração e oferta do plano de ações aos seus colaboradores.

E no que se refere a tributação, o PL trará significativo impacto, pois, além de (I) estabelecer que os planos de stock options têm natureza mercantil, desde que, evidentemente, observados os requisitos legais; (II) ainda esclarece que o Imposto de Renda incidente sobre o potencial ganho de capital na venda das ações (diferença positiva entre o preço de alienação das ações e o custo de aquisição) deve ser pago por ocasião da alienação das participações societárias.

As definições trazidas no PL são relevantes, pois, atualmente, ainda há forte discussão também no âmbito do Poder Judiciário sobre a natureza jurídica dos contratos de stock options, se mercantil ou remuneratória. Tanto que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu alguns recursos especiais como representativos de controvérsia para julgamento em sede de recursos repetitivos, onde será definida justamente a natureza jurídica dos contratos de opção de compra de ações outorgados aos empregados/administradores.

Vale comentar, inclusive, que, recentemente, no acórdão nº 2402-010.654, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recurso Fiscais (Carf) alterou seu posicionamento reconhecendo a natureza mercantil do plano de stock options analisado, cancelando a exigência fiscal. Em suas razões de decidir, o relator sustentou a presença de três requisitos: voluntariedade na adesão; onerosidade na outorga das ações; e risco quanto à variação de preço das ações, típicos de um contrato mercantil.

Isso tudo reforça a urgência de o Poder Legislativo definir a regulamentação sobre os planos de stock options, de modo a afastar definitivamente as delongadas discussões acerca da natureza jurídica dos planos em questão, e, além disso, garantir maior segurança jurídica às empresas por ocasião da elaboração e oferta dos planos de stock options aos seus colaboradores.

Portanto, é extremamente benéfica a aprovação desse PL, pois os planos de stock options são uma excelente ferramenta à disposição das empresas, independentemente do porte e segmento econômico em que atuam, como forma de atrair os melhores profissionais do mercado, além de reter os talentos, visto que permite maior engajamento desses profissionais ante a expectativa de retorno financeiro com a valorização das ações/quotas da empresa.

Renan Castro e Murilo Muniz Silva são, respectivamente, coordenador da área tributária e sócio da área societária no escritório Diamantino Advogados Associados.