FAMA ARTÍSTICA
Chiquititas não é marca notoriamente reconhecida a ponto de tornar ação contra registro indevido imprescritível

Divulgação Netflix

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a marca Chiquititas não é notoriamente reconhecida a ponto de justificar a aplicação da regra que prevê a imprescritibilidade da ação para anular registro indevido no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

Reformando acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), o colegiado considerou prescrita a ação de nulidade de marca ajuizada pelo SBT – titular dos direitos autorais da novela Chiquititas e responsável pelo licenciamento de produtos que exploram sua imagem e título – e pela SS Comércio de Cosméticos e Produtos de Higiene Pessoal – licenciada para utilizar a imagem e o título da novela em embalagens de água de colônia – contra uma empresa de cosméticos que usou o nome Chiquititas em produtos de perfumaria e de higiene.

Segundo a relatora do recurso especial (REsp), ministra Nancy Andrighi, a Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial estabelece que são imprescritíveis as ações para anular registro de marca nos casos de má-fé do requerente ou de reprodução/imitação de outra notoriamente conhecida; e, ainda, quando servir para identificar produto idêntico ou similar, ou puder causar confusão no público consumidor.

A ministra explicou que essa exceção não conflita com a regra geral do artigo 174 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) – segundo a qual prescreve em cinco anos a ação para declarar a nulidade do registro, contados da data da sua concessão –, ‘‘uma vez que o preceito da Convenção de Paris veicula regra de natureza especial, que incide tão somente sobre hipóteses fáticas específicas, em que tenha havido aquisição de má-fé de registro que reproduza marca notoriamente conhecida’’.

Proteção especial às marcas notoriamente reconhecidas

A relatora esclareceu que as marcas notoriamente reconhecidas possuem uma proteção especial, independentemente de terem sido registradas no Brasil – um ‘‘temperamento ao princípio da territorialidade’’. Para alcançar esse status, ressaltou, é necessário que o Inpi considere que a marca possui esse atributo.

No caso em análise, contudo, a ministra verificou que não foram atendidos os requisitos para aplicar a regra da Convenção de Paris: nem o SBT nem a SS Comércio de Cosméticos são titulares de registro concedido no exterior à marca utilizada para identificar produtos idênticos ou similares aos da outra empresa.

‘‘Não se pode confundir a fama que determinada expressão ou obra artística possam ostentar perante o público consumidor com a proteção especial consagrada nos artigos 126 da LPI e 6 bis da Convenção da União de Paris – normas que tutelam situações específicas, diversas daquela discutida nestes autos, e que, por isso, não podem irradiar efeitos sobre a presente hipótese’’, disse.

Por ser uma exceção à regra geral vigente no ordenamento jurídico, observou a relatora, a norma de imprescritibilidade da Convenção de Paris não comporta interpretação extensiva ou por analogia, devendo estar preenchidos os requisitos para sua incidência.

Proibição de registrar marca protegida por direito autoral

Por fim, a ministra lembrou que a LPI estabelece a proibição de registro, como marca, de obra artística ou de títulos que estejam protegidos por direito autoral, quando suscetíveis de causar confusão ou associação indevida e não houver consentimento do respectivo autor (artigo 124, inciso XVII).

De acordo com Nancy Andrighi, essa circunstância pode ser invocada em ação de nulidade de marca, mas tal pretensão deve ser exercida em juízo antes de escoado o prazo prescricional de cinco anos previsto na lei especial (artigo 174 da LPI), o que não foi atendido no caso em análise. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão

REsp 2121088

RATEIO DE DESPESAS
Termo de adesão a associação de moradores não vale como título executivo extrajudicial

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/STJ

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o termo de adesão associativa celebrado entre o proprietário de um terreno e a associação que administra o loteamento não possui natureza jurídica de título executivo extrajudicial.

Na origem do caso, a associação de moradores ajuizou ação de execução para receber valores referentes a taxas ordinárias e extraordinárias de um morador associado. Ao analisar os embargos opostos pelo réu, o juízo de origem extinguiu a execução, sob o fundamento de ausência de título executivo extrajudicial, e declarou inexistente a relação jurídica entre as partes. O tribunal estadual manteve o entendimento.

No recurso especial (REsp) dirigido ao STJ, a associação sustentou a possibilidade de mover a execução de título extrajudicial com base no termo de adesão firmado entre o proprietário e a entidade.

Títulos executivos extrajudiciais estão previstos na legislação

A relatora do REsp, ministra Nancy Andrighi, lembrou que os títulos executivos extrajudiciais surgiram com o objetivo de afastar a obrigação de se passar por todo o processo de conhecimento, permitindo o ajuizamento direto da execução. ‘‘A técnica dos títulos executivos extrajudiciais representa verdadeira exceção ao processo de cognição exauriente’’, destacou.

A ministra apontou que, diante da gravidade das medidas executivas que poderão recair sobre a parte executada, só podem ser considerados títulos executivos extrajudiciais os previstos na legislação ordinária – especificamente no artigo 784 do Código de Processo Civil (CPC), cuja interpretação deve ser restritiva. Assim, por exemplo, segundo a relatora, o inciso VIII do dispositivo trata do contrato de locação de imóveis, não podendo ser estendido para abarcar o rateio das despesas de uma associação de moradores.

No mesmo sentido, ela ressaltou que não se pode confundir a associação com o condomínio para efeito de aplicação do inciso X do artigo 784 do CPC, que trata do crédito decorrente de contribuições condominiais.

Interpretação extensiva prejudica a segurança jurídica

A ministra enfatizou que, de acordo com a tipicidade dos títulos executivos, não se pode admitir uma interpretação que amplie o seu âmbito de incidência para alcançar a hipótese de créditos decorrentes do rateio de despesas de associação de moradores.

Para Nancy Andrighi, há prejuízo à segurança jurídica nos casos em que a interpretação ignora a existência de normas jurídicas expressas, devendo o intérprete ‘‘evitar ao máximo a incerteza normativa e a discricionariedade’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão

REsp 2110029

ABUSO DE DIREITO
Empresas de cruzeiro são condenadas por exigir teste de HIV e drogas de animadora infantil

Foto: Divulgação

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou a Costa Cruzeiros Agência Marítima e Turismo Ltda. e a Ibero Cruzeiros Ltda. a indenizar uma animadora infantil que trabalhou em cruzeiros de navio, por ter exigido exames de HIV e toxicológico na admissão. Para o colegiado, a exigência, além das humilhações da empregada em ambiente público, caracteriza abuso de direito.

Exames e certidões exigidos para a contratação

A profissional trabalhou nos navios das empresas de junho de 2016 a janeiro de 2017. Na reclamatória trabalhista, ela acusou os empregadores de violar direitos trabalhistas ao exigir os exames e comprovantes de antecedentes criminais sem que a atividade tivesse alguma peculiaridade que justificasse a medida.

Além disso, relatou que era constantemente ofendida por seu chefe, com expressões que revelavam preconceito de gênero, como ‘‘biscate, prostituta, vagabunda, idiota’’. Tudo isso na presença de tripulantes e passageiros, inclusive crianças. Ela reportou a situação à empresa, mas nada foi feito.

Para TRT, exigência era justificada

O juízo de primeiro grau rejeitou os pedidos de indenização. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) reformou a sentença e condenou as empresas pelo assédio. A decisão levou em conta o depoimento de uma testemunha, também animadora, que confirmou a conduta do chefe e fixou a condenação em R$ 2 mil.

Porém, a indenização pela exigência dos exames foi negada. Para o TRT, as empresas teriam justificado a medida não pela função da animadora, mas pela peculiaridade da atividade a bordo de navios em cruzeiros marítimos. Como toda a tripulação tinha de se submeter a esses exames, o TRT julgou justificada a conduta, que atenderia ao princípio da preservação da saúde.

Ministro Godinho Delgado foi o relator
Foto: Renato Araújo/Agência Brasil

Relator destaca estigmatização de pessoas com HIV

Ao examinar recurso da trabalhadora quanto à exigência dos exames admissionais de HIV e toxicológicos, o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, salientou que a Lei 9.029/1995 proíbe a prática discriminatória e limitativa de acesso ao trabalho. A Portaria 1.246/2010 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também proíbe a testagem quanto ao HIV.

Na avaliação do ministro, a exigência do teste decorre da estigmatização do portador do vírus HIV. Por isso, a medida caracteriza discriminação e abuso de direito do empregador e afronta a intimidade, a vida privada e a dignidade da trabalhadora. Para esse aspecto, foi deferida indenização de R$ 10 mil.

Caso também envolve violência e assédio contra mulher

Com relação ao assédio, o ministro destacou a importância da matéria, que envolve violência contra mulheres no ambiente do trabalho. Ele ressaltou a evolução da legislação nacional e internacional sobre o tema e citou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e normas internacionais que buscam evitar que os julgamentos repitam estereótipos e perpetuem tratamentos diferentes e injustos contra mulheres.

O ministro apontou, entre outros elementos que compõem o assédio moral sofrido pela animadora, a discriminação específica em razão da sua condição de mulher e o fato de o ofensor exercer cargo de chefia, além do notório desnível entre o poder econômico dela e das empresas e a condição pública e reiterada das humilhações. A seu ver, tudo isso demonstra a desproporcionalidade da indenização deferida pelo TRT, que foi elevada para R$ 30 mil.

Segundo o relator, a manutenção de valores ínfimos, especialmente em casos de violência moral e preconceito vigorantes há séculos no país, contribuiria para a naturalização da conduta ilícita.

A decisão foi unânime. Com informações da jornalista Lourdes Tavares, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

Clique aqui para ler o acórdão

RRAg-2030-90.2017.5.09.0016

MERCADO IMOBILIÁRIO
STF reduz burocracia em alienação fiduciária

Divulgação Blog Estácio

Por Lívia Bíscaro Carvalho e Débora de Almeida Silva

O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou, recentemente, a alienação fiduciária de bens imóveis por meio de contrato, dispensando, assim, a necessidade de escritura pública. A decisão dá plena eficácia ao artigo 38 da Lei 9.514/1997, que trata do tema.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Provimento 172, havia restringido a constituição da garantia por meio de instrumento particular apenas às entidades do Sistema Financeiro e Cooperativas de Crédito. O Provimento 175 limitou a validade da alienação fiduciária por meio de contratos desde que tenham sido lavrados até 11 de junho de 2024.

A Lei 9.514/1997 trouxe o procedimento de intimação do devedor e da consolidação da propriedade em nome do fiduciário em caso de inadimplemento da dívida, a fim de estabelecer mais segurança no ramo de financiamento habitacional, bastando o contato do credor junto ao cartório de registro de imóveis competente. Além disso, oferece mais celeridade na obtenção do crédito e evita a morosidade do Poder Judiciário.

Com a decisão do STF, a medida foi estendida para pessoas físicas e jurídicas, não mais se limitando às operações de instituições do Sistema Financeiro Imobiliário ou Habitacional. E mais: foi ampliada para todo tipo de obrigação que não apenas aquisição de imóveis.

O ministro Gilmar Mendes, relator, também afirmou que o artigo 38 da Lei não faz qualquer distinção entre a alienação via escritura pública ou instrumento particular. ‘‘Deixou clara a possibilidade de qualquer agente (pessoa física ou jurídica, integrante ou não dos sistemas elencados pelo CNJ) optar por qualquer uma delas.’’

Desse modo, os cartórios de imóveis não podem negar registro a contratos com alienação fiduciária firmados por particulares, desde que os requisitos legais estejam atendidos. A recusa não se justifica sob o ponto de vista econômico diante do valor cobrado para lavratura de escrituras públicas, nem mesmo pela perspectiva do artigo 38 da Lei 9.514/1997.

A decisão foi proferida em sede de mandado de segurança, mas pode servir de paradigma para outros casos envolvendo o tema, inclusive com determinação de comunicação à Corregedoria de todos os Tribunais de Justiça.

A decisão do STF representa, portanto, um marco para a modernização e desburocratização do sistema de financiamento imobiliário no Brasil. Ao reforçar a validade dos contratos particulares com efeito de escritura pública, a Corte promove maior dinamismo nas operações imobiliárias, conjugada com a segurança jurídica garantida pela Lei 9.514/1997.  

Lívia Bíscaro Carvalho é coordenadora da área cível do Diamantino Advogados Associados

Débora de Almeida Silva é estagiária da área cível do Diamantino Advogados Associados

DECLARAÇÃO DE POBREZA
TST admite recurso de revista contra decisão de TRT em agravo de instrumento

Divulgação TST

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou que o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) julgue o recurso ordinário (ROT) de um soldador que havia sido rejeitado, em agravo de instrumento, por falta do recolhimento das custas processuais ao recorrer.

Segundo o colegiado, o TRT, ao negar o exame do recurso, contrariou a jurisprudência consolidada do TST sobre a concessão da justiça gratuita.

Nesse caso, é possível afastar a aplicação da Súmula 218 do TST, segundo a qual não cabe recurso de revista (RR) contra decisão de TRT em agravo de instrumento (AI).

Justiça gratuita foi indeferida

O soldador havia apresentado reclamatória trabalhista contra a Nova Ambiental Transportes de Resíduos Industriais e Comerciais Ltda. e a Bio Tec Patrimonial com pedido de horas extras e nulidade da justa causa. O juízo de primeiro grau indeferiu o pedido e negou também a gratuidade de justiça, porque o trabalhador recebia mais do que 40% do teto da Previdência Social.

O TRT, em agravo de instrumento, manteve o indeferimento da justiça gratuita e negou seguimento ao recurso ordinário do trabalhador por considerá-lo deserto (por não recolhimento das custas).

Dessa decisão, o soldador entrou com recurso de revista ao TST, que também teve seguimento negado pelo TRT. O fundamento foi a Súmula 218 do TST, que tradicionalmente restringe a admissibilidade de recursos de revista contra decisões em agravos de instrumento.

Contra o entendimento do TRT, ele apresentou então outro agravo de instrumento, desta vez ao TST.

Decisão contrariou jurisprudência do TST

Sob a relatoria do ministro Mauricio Godinho Delgado, o colegiado avançou na interpretação da Súmula 218, esclarecendo que o recurso de revista deve ser admitido sempre que a decisão do TRT adotar tese divergente da jurisprudência consolidada do TST, como no caso. Para a Turma, a mera aplicação da súmula, nesse caso, sem possibilitar o efetivo exame do mérito do recurso, impede todo e qualquer acesso ao TST.

Diante dessas considerações, o colegiado deu provimento ao recurso do empregado, reconhecendo a validade da declaração de insuficiência econômica e deferindo os benefícios da justiça gratuita.

Com isso, a deserção do recurso ordinário foi afastada, e o processo foi devolvido ao TRT para novo julgamento. A decisão foi unânime. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

Clique aqui para ler o acórdão

Ag-AIRR-1000764-11.2020.5.02.0511