EXECUÇÃO TRABALHISTA
Tema 1.232 do STF: ampla defesa dos grupos econômicos em risco

Por Lara Fernanda de Oliveira Prado

Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento virtual do Tema 1.232, trazendo à tona uma questão crucial para o processo do trabalho. Em discussão está a possibilidade de incluir no polo passivo da execução trabalhista empresas de um grupo econômico que não participaram da fase de conhecimento.

Anteriormente, vigorava o entendimento sumulado de que a empresa do grupo econômico não participante da fase de conhecimento não poderia constar na execução. No entanto, desde 2003, com o cancelamento da Súmula 205 do TST, o entendimento predominante foi o da possibilidade de tal inclusão, o que viola os princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa.

O Supremo, por meio do Tema 1.232, tem a chance de alterar esse cenário, trazendo à baila o devido processo legal. Contudo, a perspectiva não é essa se os demais ministros seguirem o voto do relator Dias Toffoli, que propôs uma tese que impacta o cenário empresarial. Felizmente, a decisão não é final, pois o julgamento está suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

A sugestão do relator foi permitir a inclusão direta na execução, desde que precedida por um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme os artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, com modificações do artigo 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo o ministro, esse incidente garantiria a oportunidade de defesa da empresa e, ao mesmo tempo, aprimoraria a efetividade do processo do trabalho.

No entanto, a tese não se sustenta. Primeiramente, porque a defesa, na fase de execução, é muito mitigada, seja pela impossibilidade de influir na decisão de mérito do processo e na criação ou não do próprio crédito trabalhista, seja pela exposição da empresa a sofrer constrições em seu patrimônio antes mesmo de defender a inexistência de responsabilidade solidária.

Nessa toada, a balança entre garantir o crédito trabalhista e respeitar o contraditório e o devido processo legal é evidente.

Para além disso, utilizar o incidente de desconsideração para incluir empresas de grupo econômico na execução trabalhista parece extrapolar a finalidade original do instituto, que é muito bem delineada e exige a demonstração de pressupostos específicos (vide artigo 134, § 2º, CPC). Assim, a decisão do relator pode ser vista como a tentativa de criar um novo instituto, algo que legalmente cabe apenas ao legislador.

Quando o Judiciário ultrapassa os seus limites

A tese abordada visa efetividade, mas levanta questionamentos sobre a competência do Judiciário para legislar. Ao analisar o voto de Toffoli, é inevitável reparar o paradoxo que se delineou. Nele, o ministro cita ‘‘O Processo’’, de Franz Kafka, que destaca como o caráter instrumental do processo pode resultar no esvaziamento dos direitos individuais em prol de um Estado autoritário.

Por meio da citação, Toffoli enfatiza a violação de princípios jurídicos fundamentais, alertando para o risco de tornar o processo um fim em si mesmo, conduzindo à arbitrariedade e insegurança jurídica. Contudo, a ironia surge quando observamos que o mesmo trecho pode ser aplicado à própria tese do ministro. Ao ‘‘criar um novo instituto’’ para inclusão direta de empresas na execução trabalhista, Toffoli, paradoxalmente, pode conduzir o Brasil e seus empresários à insegurança jurídica e ao descrédito nas leis, indo de encontro aos princípios que ele mesmo destaca.

Mais uma vez, parece que o Judiciário extrapola sua competência ao legislar. A proposta, embora almeje uma justiça mais célere e simplificada, abre precedentes para interpretações distorcidas e abusivas da lei, seguindo a narrativa de Kafka. A inserção de um ‘‘novo instituto’’ não previsto em lei poderia fortalecer um Estado de viés autoritário, desconsiderando os imperativos de justiça e comprometendo os alicerces do devido processo legal.

Assim, fica evidente a necessidade de um equilíbrio entre a efetividade processual e a preservação dos princípios fundamentais do direito. O Judiciário, ao buscar soluções inovadoras, deve estar atento para não comprometer a segurança jurídica e o respeito aos direitos individuais, mantendo a confiança da sociedade nas instituições e evitando que o processo se torne, ele próprio, um entrave à Justiça.

Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no Diamantino Advogados Associados

NOVAS REGRAS
Os impactos do PL 4.173/2023 e a taxação dos fundos de investimentos e offshores

Por Murilo Muniz Silva

O Senado Federal aprovou dia 29 de novembro o Projeto de Lei (PL) nº 4.173/2023, que estabelece a tributação de aplicações em fundos de investimento no País e da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior. O PL seguirá agora para sanção presidencial.

Das alterações propostas no PL, destaca-se a modificação na forma de pagamento do Imposto de Renda (IR) para fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado, com a instituição de pagamento semestral (come cotas), e sobre trusts e entidades no exterior, as offshores.

Até a edição da Medida Provisória (MP) 1.184/2023, que foi a base incorporada do PL, os fundos de investimentos cuja forma de condomínio seja fechado, possuíam como regra geral a incidência da tributação do IR sobre os ganhos no momento do resgate das cotas ao fim do prazo de duração, ou em caso de liquidação do fundo, de amortização ou alienação das cotas. Com a MP e PL, a tributação dos fundos passará a ser semestral (em maio e novembro) ou em cada distribuição de rendimentos, amortização ou resgate de cotas, o que já ocorre com os fundos de condomínio aberto.

As novas regras de tributação periódica não serão aplicáveis aos Fundo de Investimento em Participações (FIP), Fundo de Investimento em Índice de Mercado (EFT), Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), desde que classificados como entidade de investimento, que detenham estrutura profissional, e Fundo de Investimento em Ações (FIA) mesmo se não for entidade de investimento.

Além disso, permanecem com as regras de tributação os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO), os investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos, os investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em FIPs e aos Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE), os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIPPD&I), os Fundos de Investimento com Carteira em Debêntures Incentivadas, os fundos de investimentos com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior, e os ETFs de Renda Fixa, aplicando-se as regras especificadas em lei.

No caso dos FII e FIAGRO apesar de não prevista alteração na forma de tributação dos rendimentos, o PL traz significativa proposta de mudança para garantia da isenção do Imposto de Renda aos cotistas. O PL eleva para 100 o número mínimo de cotistas necessário para direito da isenção do IR. Assim, somente fundos com no mínimo 100 cotistas farão jus à isenção do IR sobre os rendimentos distribuídos.

Também haverá mudanças quanto à tributação dos trusts e das offshores, que atualmente somente são tributados os ganhos quando do ingresso dos recursos no Brasil. O PL determina que os rendimentos desses bens sejam declarados na Declaração de Ajuste Anual (DAA), ficando sujeitos à tributação a alíquota de 15%, com possibilidade de dedução do imposto pago no país de origem, desde que haja reciprocidade de tratamento e previsão de compensação em acordo ou convenção internacional, com o país de origem dos rendimentos.

Além das alterações acima, destaca-se a possibilidade de antecipação do recolhimento do IR sobre os rendimentos auferidos até 31/12/2023, com uma alíquota reduzida e pagamento parcelado.

No mais, vê-se que o PL tem evidente intuito de aumento de arrecadação de recursos pelo Governo Federal. No entanto, tal objetivo não deve ser feito sem a observância dos princípios norteadores do Direito, em especial o da Anterioridade Tributária, o que se mostra com a tributação dos rendimentos até o exercício de 2023.

Portanto, a aprovação do PL certamente terá significativos impactos nos planejamentos tributários e societários já implementados, que deverão ser reavaliados, visto que certamente a incidência do IR para momento futuro se tratou de um fator preponderante para a realização. Da mesma forma, o dia a dia da gestão dos Fundos de Investimentos também terá impactos, pois serão adicionadas novas obrigações aos administradores e gestores pelo recolhimento do imposto.

Murilo Muniz Silva é sócio da área societária no escritório Diamantino Advogados Associados.

PRONUNCIAMEMENTO UNIFORME
Plenário do STF vai examinar reclamação sobre vínculo de emprego de trabalhadores de aplicativos

Foto Divulgação

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) remeteu para o Plenário a Reclamação (RCL) 64018, que contesta decisão da Justiça do Trabalho que reconheceu vínculo de emprego de um motofretista com a plataforma Rappi. Até o momento, a questão do trabalho para aplicativos de entregas ou de transporte de passageiros, a chamada ‘‘uberização’’, vem sendo tratado apenas no âmbito das Turmas e em decisões monocráticas, daí a aceitação da proposta de encaminhá-lo ao Plenário para que haja um pronunciamento uniforme sobre a matéria.

Formas alternativas

Na sessão desta terça-feira (5/12), o colegiado analisou a questão pela primeira vez, ao concluir o julgamento de outro processo, a Reclamação (RCL) 60347, apresentada pela empresa Cabify. Por unanimidade, os ministros acompanharam o relator no sentido que a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) contrariou precedentes vinculantes do STF que admitem formas alternativas de prestação de serviços no mercado de trabalho.

No julgamento conjunto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 48), da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 324) e do Recurso Extraordinário (RE) 958252, com repercussão geral (Tema 725), o Plenário afirmou a legalidade da terceirização e de qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas.

Com base nesses julgados, em julho deste ano, o relator da RCL 60347 havia suspendido o andamento do processo trabalhista em que fora declarado o vínculo de emprego celetista e, hoje, seu entendimento foi mantido pela Turma.

Estratégias empresariais

Em seu voto pela procedência da reclamação para cassar a decisão do TRT-3 e julgar improcedente a ação trabalhista, o ministro Alexandre de Moraes observou que o Plenário já decidiu que a Constituição Federal não impõe uma única forma de estruturar a produção e que o princípio da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais.

Microempreendedorismo

Para o relator, motoristas de aplicativos de entrega ou de transporte são microempreendedores, pois têm liberdade para aceitar ou recusar corridas e para escolher os horários de trabalho e a plataforma para a qual prestarão serviço. Eles também podem ter outros vínculos, porque não há exigência de exclusividade e de disciplina nem hierarquia em relação à plataforma.

Segundo Moraes, essa nova forma de trabalho revolucionou o setor para o bem do consumidor e possibilitou o aumento de renda principalmente na pandemia, quando esses serviços se multiplicaram. O ministro ressaltou, porém, a necessidade de regulamentação para aprimoramentos de segurança.

Precedentes vinculantes

No mesmo sentido, o ministro Cristiano Zanin salientou que a Justiça do Trabalho, ao reconhecer o vínculo de emprego nesses casos, desconsiderou os precedentes vinculantes do STF. Para ele, essa não é uma relação de trabalho típica da CLT, mas outra forma de contratação que pode merecer disciplina própria.

Seguridade social

A ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator, mas mostrou preocupação no sentido de que o sistema de uberização não contempla direitos garantidos na Constituição, como a seguridade social. Para ela, essa é uma questão a ser pensada pela sociedade e pelos governantes, e, por isso, propôs que um dos processos fosse levado à análise do Plenário.

Ofício ao CNJ

Acolhendo sugestão do ministro Luiz Fux, os ministros decidiram encaminhar um ofício ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com um levantamento das reclamações que vêm sendo recebidas pelo STF e, a seu ver, demonstram o descumprimento de seus precedentes pela Justiça do Trabalho. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

RCL 64018

RANGEL PESTANA
TJSP mantém decisão que não reconhece exclusividade em nome de loja maçônica

A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve decisão da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, proferida pelo juiz Guilherme de Paula Nascente Nunes, que não reconheceu o direito exclusivo do uso do nome Rangel Pestana por uma loja maçônica.

A Sociedade Maçônica Loja Capitular Rangel Pestana ajuizou ação contra a Augusta, Respeitável e Benemérita Loja Simbólica Rangel Pestana, alegando concorrência desleal devido ao uso indevido da sua marca. O argumento é que a ré utiliza o mesmo nome e título distintivo, sem possuir registro legal e, portanto, sem personalidade jurídica.

A entidade é acusada de se apresentar indevidamente como a autora, divulgando informações e representando perante órgãos públicos, causando confusão.

O relator do recurso de apelação no TJSP, desembargador Fortes Barbosa, salientou em seu voto que o termo Rangel Pestana não pode ser tido como de uso exclusivo, uma vez que remete a uma personalidade histórica.

Já quanto à palavra loja, ‘‘é utilizada na maçonaria de forma totalmente comum, como estrutura organizada por assembleias para reuniões periódicas e rituais de seus membros’’.

Na visão do magistrado, ‘‘a fé não é um produto, e sua propagação, divulgação e culto não são serviços para serem disponibilizados em mercado, do que decorre não ser vislumbrada a prática de atos de concorrência propriamente ditos’’.

Também compuseram a turma de julgamento os desembargadores J. B. Franco de Godoi e Cesar Ciampolini. A decisão foi unânime. Com informações da Comunicação Social do TJSP.

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1009919-55.2021.8.26.0100 (São Paulo)

CIDADANIA AMBIENTAL
Construção do futuro sustentável também passa pela jurisprudência do STJ

Diante dos eventos climáticos extremos vividos neste 2023 e de previsões de impactos ainda mais intensos em 2024, a preservação do meio ambiente se firma entre as maiores preocupações mundiais, convidando cada um a refletir sobre a própria responsabilidade nesse tema. O cumprimento dos deveres individuais e coletivos em favor do desenvolvimento sustentável, fruto da consciência sobre o direito desta e das futuras gerações a um ambiente saudável e equilibrado, tem nome: cidadania ambiental.

A proteção do meio ambiente é uma das faces do exercício da cidadania.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi erguido ao patamar de um verdadeiro direito fundamental. Na esteira das diretrizes constitucionais, surgiram diversas leis que disciplinam temas sobre o meio ambiente, como a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) e o Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012).

Apesar da proteção garantida tanto pela CF/88 quanto pelas leis dela derivadas, o meio ambiente continua sob constante ameaça, em razão de atividades humanas descontroladas, que geram poluição, desmatamento, comprometimento do acesso à água, perda de biodiversidade e mudanças no clima. Nesse contexto, entre o direito assegurado na Carta Magna e a sua efetivação, há o Poder Judiciário e o seu papel de guardião do interesse público.

Esta terceira matéria da série especial Faces da Cidadania mostra como a construção de um futuro sustentável também passa pelos precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Constituição elevou o meio ambiente ao ápice do sistema normativo 

Ministro Herman Benjamin
Foto: Ricardo Luiz/STJ

Reconhecido internacionalmente por seu preparo técnico e sua atuação no ramo do direito ambiental, o ministro do STJ Herman Benjamin participou da construção de uma jurisprudência positiva para as presentes e futuras gerações de brasileiros. Sua presença é constante em eventos que discutem problemas ambientais, a exemplo do debate sobre a busca de soluções para a poluição plástica no Brasil organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

O ministro destacou que, embora a política ambiental brasileira já exista desde a promulgação da Lei 6.938/1981 – que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente –, a CF/88 elevou o tema ao ápice do sistema normativo. ‘‘Isso, por si só, já seria extraordinário, mas o constituinte incluiu uma série de dispositivos tratando da função ecológica da propriedade, dos deveres do Estado, dos instrumentos de tutela do meio ambiente. Ou seja, é um texto muito avançado’’, declarou.

Além disso, Herman Benjamin apontou que, por ser uma das constituições mais minuciosas no tratamento da questão ambiental, a CF/88 facilitou o trabalho do Congresso Nacional e da administração pública e gerou impactos positivos no Poder Judiciário.

CF/88 incorporou princípios ecológicos ao sistema legal do Brasil

De acordo com o mestre em direito ambiental Fabricio Soler – advogado especializado em direito do ambiente e direito dos resíduos e ex-presidente da Comissão de Direito da Energia da seção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo –, a Constituição de 1988 é um marco para o direito ambiental. O especialista explicou que, com ela, foi instituído um novo paradigma no campo ambiental, em que o Estado passou a ter objetivos e deveres de proteção e a coletividade passou a ter o direito e o dever de tutelar e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Soler apontou que a CF foi responsável pela incorporação de princípios ecológicos no sistema legal do país, a exemplo do artigo 225, que, além de explicitar uma forte preocupação com a sustentabilidade e o uso racional dos recursos naturais, tratou a proteção do meio ambiente, para as presentes e futuras gerações, como um fundamento da nova ordem jurídica.

Por outro lado, o advogado destacou que, ao estabelecer os princípios da ordem econômica, o artigo 170 da CF incluiu a defesa do meio ambiente como um dos valores que devem nortear a atividade produtiva no país. ‘‘Assim, a Constituição de 1988 não apenas consagrou a proteção ambiental como um direito fundamental, mas também a integrou às bases econômica e social do país’’, disse ele.

Tríplice responsabilização do agente poluidor por danos ambientais

O advogado Luís Gustavo Lazzarini, doutor em direito ambiental pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), ressaltou que a CF/88 trouxe a exigência expressa de estudos de impacto ambiental no licenciamento de obras ou atividades que tenham potencial de causar degradação do meio ambiente, em atenção ao princípio da prevenção.

Além disso, Lazzarini comentou que, com a CF/88, passou-se a discutir de forma ampla a tríplice responsabilização do agente poluidor por danos ambientais (civil, administrativa e criminal), o que, segundo ele, reforça a prevenção e a reparação dos prejuízos ao meio ambiente, ao evitar a impunidade e estimular o comportamento ambientalmente positivo.

‘‘Mais recentemente, a CF/88 foi alterada por emenda para incluir, entre os instrumentos para a efetivação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, a possibilidade de criação de regime fiscal favorecido para os biocombustíveis, a fim de assegurar-lhes tributação inferior àquela incidente sobre os combustíveis fósseis. Trata-se de importante sinalização da CF/88 para o enfrentamento de um grande problema, que são as mudanças climáticas e a necessidade de redução das emissões de gases de efeito estufa”, declarou.

O impacto da jurisprudência do STJ na consolidação da legislação ambiental

O ministro Herman Benjamin ressaltou que o STJ foi muito importante na fixação de centenas de precedentes nas mais variadas áreas ligadas ao meio ambiente: mineração, oceanos, meio ambiente urbano e rural, meio ambiente cultural, fauna, manguezais. ‘‘De uma maneira geral, o STJ, em suas três seções, tem grande sensibilidade para a questão ambiental’’, afirmou.

Ele ponderou que, antes da sua chegada ao STJ, vários outros ministros contribuíram para a construção de uma jurisprudência que dá efetividade a deveres e direitos fundamentais, a exemplo da ministra Eliana Calmon e dos ministros Franciulli Netto, José Delgado, Teori Zavascki e Luiz Fux.

Nesse mesmo sentido, o advogado Luís Gustavo Lazzarini comentou que a jurisprudência do STJ exerce papel essencial na efetivação de deveres e direitos ambientais, uma vez que o tribunal é responsável pela interpretação e pela harmonização da legislação federal.

Entre as decisões de maior repercussão no mundo jurídico, o advogado citou o julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 13, em que a Primeira Seção fixou teses que consagraram o direito à informação ambiental e a obrigação do Estado com a transparência. Segundo Lazzarini, a publicidade é ‘‘direito fundamental para a efetivação da cidadania ambiental’’.

A preocupação da corte com a responsabilização pelo dano ambiental

Tanto Luís Gustavo Lazzarini quanto Fabricio Soler ressaltaram que, nos últimos 35 anos, o STJ se preocupou em firmar uma jurisprudência sólida sobre a responsabilização pelo dano ambiental.

Em vários julgados, a corte consolidou o entendimento de que a responsabilidade civil pela reparação do dano acompanha a propriedade (obrigação propter rem), o que permite exigi-la do atual dono da área, mesmo que os danos tenham sido causados pelo proprietário anterior. Esse entendimento levou à edição da Súmula 623.

Recentemente, no julgamento do Tema 1.204 dos recursos repetitivos, o tribunal reafirmou que as obrigações ambientais têm natureza propter rem, dando à tese o peso de um precedente qualificado, aplicável a todos os processos que discutam a mesma questão. Em seu voto, a relatora, ministra Assusete Magalhães, enfatizou que as obrigações ambientais podem ser cobradas do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores ou de ambos, ‘‘ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente’’.

Segundo a ministra, o atual titular que se mantém inerte em relação à degradação ambiental, ainda que preexistente, também comete ato ilícito, pois as áreas de preservação permanente e a reserva legal são ‘‘imposições genéricas, decorrentes diretamente da lei’’, e ‘‘pressupostos intrínsecos ou limites internos do direito de propriedade e posse’’.

Responsabilidade administrativa tem natureza subjetiva

Fabricio Soler destacou, porém, que, conforme a decisão da Segunda Turma no REsp 1.251.697, a aplicação de penalidades administrativas não segue a mesma lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível. Enquanto a responsabilidade civil pela reparação do dano pode ser atribuída ao proprietário atual que não o causou, a multa administrativa pela degradação do meio ambiente só pode ser aplicada ao efetivo causador do dano. Para o advogado, essa decisão foi ‘‘precursora no reconhecimento de que a responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva’’.

No julgamento do Tema 1.159 dos recursos repetitivos, o STJ fixou a tese de que a validade das multas administrativas por infração ambiental, previstas na Lei 9.605/1998, independe da prévia aplicação da penalidade de advertência.

No caso, a relatora, ministra Regina Helena Costa, ponderou que a Lei 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente, não estabeleceu nenhuma ordem hierárquica entre as penalidades administrativas, previstas no seu artigo 72. Para a ministra, não há previsão legal expressa que condicione a validade da aplicação da multa à prévia imposição da advertência.

Ao falar sobre a jurisprudência da corte no direito ambiental, Luís Gustavo Lazzarini enalteceu também a tese estabelecida no REsp 1.145.083, segundo a qual a reparação integral do dano ambiental na esfera civil deve compreender a restituição, ao patrimônio público, do proveito econômico do agente com a atividade degradadora – a chamada mais-valia ecológica, que o empreendedor indevidamente auferiu com a ação degradadora.

Lazzarini mencionou ainda as diversas súmulas editadas pelo STJ em matéria ambiental, como a Súmula 652, a Súmula 613 e a Súmula 618.

Confira mais de cem julgados sobre a questão ambiental nas edições 237, 238 e 239 (Volumes 1 e 2) da Revista do STJ. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.