ANIMUS TRIBUTANDI
STJ coloca ponto final em discussão sobre ICMS-ST na base do PIS/Cofins

Por João Vitor Prado Bilharinho

Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

A conhecida falta de agilidade do Judiciário na análise de temas tributários impõe prejuízos significativos à economia do país, afetando negativamente empresas e contribuintes. Justamente por isso, é sempre alvissareiro quando o Judiciário oferece uma solução definitiva para um problema que afeta relevante grupo econômico.

É o caso da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que finalmente concluiu no último dia 13 de dezembro de 2023 a discussão acerca da possibilidade de excluir o ICMS-ST da base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins, devidos pelo substituído tributário, no regime de substituição tributária. Na oportunidade a Corte analisou os Recursos Especiais 1.896.678/RS e 1.958.265/SP (Tema 1.125 dos recursos repetitivos), que têm como partes empresas que atuam no ramo varejista.

Os ministros decidiram, por unanimidade, acompanhar o voto do ministro relator Gurgel de Faria, no sentido de afastar a incidência de PIS e Cofins sobre os valores referentes ao ICMS-ST recolhido pelo substituído tributário, firmando a seguinte tese: ‘‘O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva’’.

Em suas razões de decidir, o ministro relator entendeu ser aplicável ao caso o mesmo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no histórico julgamento do Tema 69 da repercussão geral, conhecido como Tese do Século, assim fixada: ‘‘O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins’’.

Dessa forma, o ministro esclareceu que não há distinção entre o ICMS regular e o ICMS-ST, uma vez que este último constitui mera técnica de recolhimento do tributo, não sendo razoável que o substituído tributário suporte uma carga tributária majorada.

Além disso, durante a sessão presencial, a ministra Regina Helena Costa também defendeu a aplicação do entendimento firmado na Tese do Século à substituição tributária progressiva, afirmando, categoricamente, que ‘‘não se fatura imposto’’, razão pela qual o ICMS-ST recolhido pelo substituído tributário deveria ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins.

Essa conclusão da 1ª Seção encerra definitivamente a discussão, pois em 2020, ao se debruçar sobre tal controvérsia no julgamento do Tema 1.098 (RE 1.258.842), o STF havia decidido pela ausência de repercussão geral do assunto, pois a análise da questão teria viés infraconstitucional, sendo de competência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça.

Por se tratar de tema julgado na sistemática dos recursos repetitivos, a tese firmada pelos ministros tem caráter vinculante, de modo que, após o trânsito em julgado, todos os recursos que versem sobre o assunto deverão ser julgados em conformidade com a tese firmada.

Assim, a decisão irá beneficiar qualquer empresa varejista que figure como substituído tributário do ICMS-ST. Neste caso, as empresas envolvidas eram uma distribuidora de bebidas e outra de utilidades domésticas.

A repercussão econômica do caso é extremamente significativa. A modulação dos efeitos irá definir se todos os contribuintes poderão recuperar os valores indevidamente pagos nos últimos cinco anos ou, alternativamente, irá alcançar apenas quem ajuizou ação judicial questionando a cobrança. Por certo, é esperado que a União interponha recurso, visando reduzir o impacto financeiro.

De todo mundo, a decisão coloca ponto final em uma discussão que já se arrastava há anos. De se lamentar, apenas, que este entendimento não tenha vindo antes, o que teria feito justiça às empresas varejistas que tiveram que suportar uma carga tributária mais elevada do que o devido. Mas, como diz a sabedoria popular, antes tarde do que nunca.

João Vitor Prado Bilharinho é sócio da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

LAVA JATO
Dias Toffoli pede investigação sobre acordo entre MPF e Transparência Internacional

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) encaminhe ao seu gabinete as investigações em curso no Ministério Público Federal (MPF) sobre o acordo entre a força-tarefa da Operação Lava Jato e a Transparência Internacional. Ele também solicitou o envio dos procedimentos em relação ao acordo de leniência firmado entre o MPF e a holding J&F.

O ministro ainda ordenou que os documentos sejam repassados ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Controladoria-Geral da União (CGU).

‘‘Tal providência faz-se necessária especialmente para investigar eventual apropriação indevida de recursos públicos por parte da Transparência Internacional e seus respectivos responsáveis, sejam pessoas públicas ou privadas’’, afirmou na decisão.

Sem fiscalização

Segundo o ministro, ‘‘fatos gravíssimos’’ não passaram pelo crivo do Poder Judiciário e do TCU. Isso porque o MPF, desde 2014, firmou parceria com a Transparência Internacional, organização não governamental (ONG) sediada em Berlim (Alemanha), para desenvolver ações genericamente apontadas como ‘‘combate à corrupção’’.

Em 2017, foi celebrado acordo de leniência entre o MPF e a empresa J&F, posteriormente modificado, no qual foi pactuado o pagamento de R$ 10,3 bilhões a título de ressarcimento, dos quais R$ 8 bilhões destinados a entidades individualmente lesadas e R$ 2,3 bilhões destinados à execução de projetos nas áreas da educação, saúde, meio ambiente, pesquisa e cultura.

De acordo com o ministro Dias Toffoli, por acordo com o MPF, a Transparência Internacional ficaria responsável pela gestão dos R$ 2,3 bilhões.

Recursos públicos

Ele destacou que, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 568, o STF registrou ser ‘‘duvidosa a legalidade de previsão da criação e constituição de fundação privada para gerir recursos derivados de pagamento de multa às autoridades brasileiras, cujo valor, ao ingressar nos cofres públicos da União, tornar-se-ia, igualmente, público, e cuja destinação a uma específica ação governamental dependerá de lei orçamentária editada pelo Congresso Nacional, em conformidade com os princípios da unidade e universalidade orçamentárias’’.

Leia aqui a íntegra da decisão

PET 12061

BALANÇO POSITIVO
TRT-RS teve 82% de acordo nas mediações coletivas em 2023

Foto: Secom TRT-4

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) encerrou 81 processos com pedidos de mediação pré-processual em 2023. Desses, 67 (82,72%) terminaram em acordo entre as partes. Em apenas 14 (17,28%), as partes não se acertaram.

Conduzidas pela Vice-Presidência da Corte, as mediações têm como objetivos evitar o ajuizamento de ações judiciais e fazer com que as partes se acertem por meio de técnicas específicas utilizadas pelos mediadores.

Foram 168 audiências realizadas nesses processos (um processo pode ter mais de uma audiência) que trataram de 30 assuntos trabalhistas distintos. As mediações que terminaram em acordo beneficiaram 65.436 trabalhadores.

O setor de Saúde liderou o ranking de mediações exitosas, seguido de Comércio Varejista e Indústria de Alimentação. Foram solucionados casos envolvendo atraso no pagamento de salários, convenção coletiva de trabalho, dissídio coletivo, greves, entre outros.

Des. Alexandre Corrêa da Cruz
Foto: Secom TRT-4

O vice-presidente do TRT gaúcho, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, destaca a importância das mediações coletivas.

‘‘Na mediação coletiva, abre-se uma importante porta para a solução do litígio coletivo, antes mesmo do ajuizamento de qualquer demanda judicial. As partes procuram a Justiça do Trabalho que, com base na experiência que possui e na própria natureza imparcial das suas atividades, vai auxiliar as partes a chegarem a uma solução consensuada’’, destaca o magistrado, ao ressaltar os números das mediações de 2023.

‘‘O que chama mais atenção para a atividade da mediação é o alto índice de êxito na solução dos litígios coletivos’’, destaca o desembargador.

O desembargador atendeu em dezembro do ano passado, primeiro mês à frente da Vice-Presidência, 12 pedidos de mediação.

O começo das mediações

João Ghisleni Filho foi o primeiro vice-presidente do TRT-4 a conduzir mediações. Diz que a ideia de sentar com mais calma para buscar um acordo entre as partes, por meio de um mediador, ganhou força no fim de 2004, com a publicação da Emenda Constitucional que alterou o parágrafo 2º, do Artigo 114 da Constituição. O dispositivo passou a prever que houvesse comum acordo entre as partes para o ajuizamento de dissídios coletivos.

Ghisleni recorda que já em 2005, o então vice-presidente do TRT-4, desembargador Denis Marcelo de Lima Molarinho, decidiu suspender essas ações em razão de um questionamento que existia no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade dessa alteração. Foi quando surgiu uma informação, na época, que o STF não julgaria tão cedo essa Ação Direta de Inconstitucionalidade. E, de fato, o processo só foi julgado em setembro de 2020. Ao final de 2005, o desembargador Denis assumiu a Presidência do TRT-4, e Ghisleni, a Vice-Presidência.

Des. João Ghisleni Filho
Foto: Secom/TRT-4

‘‘Nós tínhamos muitos processos represados. Em 2006, eu propus: quem sabe vamos sentar, vamos conversar. Não adianta esses processos ficarem parados, porque em algum momento nós vamos ter que examinar esses processos’’, recorda o magistrado.

A partir daí surgiram as primeiras mediações.

‘‘Comecei a marcar umas reuniões com um prazo maior. Não se falava em mediação na época. E alguns advogados começaram a atender esse convite. Então começou o que seria uma mediação, sem saber o que era uma mediação, exatamente. Eu fui dar uma estudada sobre o assunto. Não tinha curso, não tinha nada. Tanto que nas primeiras reuniões, eu já perguntava para as partes se me aceitavam como mediador. E as partes diziam que sim’’, conta Ghisleni, ao ponderar que o Tribunal já tinha uma longa história de conciliações, negociações entre as partes, mas ainda não neste formato.

Nas primeiras mediações, o desembargador recorda que reforçava para as partes que não estava ali como juiz, mas como mediador, para buscar um acordo. E que se isso não fosse resolvido, aí os casos precisariam aguardar o julgamento.

‘‘E isso funcionou bem. Isso avançou, e nós fizemos muitas mediações exitosas’’, destacou o desembargador, que foi presidente do TRT-4 entre 2007 e 2009.

Prêmio

Em 2015, o TRT-4 recebeu o Prêmio Conciliar é Legal, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na categoria ‘‘Demandas Complexas ou Coletivas’’, com a atividade de mediação em casos de despedida em massa – situações nas quais uma empresa, por razões econômicas ou estratégicas, acaba despedindo um grande número de empregados de uma só vez.

Um dos exemplos apresentados ao CNJ na oportunidade foi do caso envolvendo a despedida em massa no Pólo Naval de Rio Grande, em novembro de 2013. Na oportunidade, foi anunciada a despedida de 7,5 mil trabalhadores do Estaleiro CQG-QUIP, responsável pela construção da plataforma P-58 da Petrobras. A participação do Tribunal foi solicitada pelo Governo do Estado. A vice-presidente do Tribunal à época, desembargadora Rosane Serafini Casa Nova, esteve à frente das reuniões, junto com o então juiz auxiliar de Conciliação Carlos Alberto Lontra.

‘‘A maioria dos empregados vinha de outras regiões, como o Rio de Janeiro e a Bahia. E não teriam condições de retornar se as empresas não pagassem as passagens para eles, as parcelas rescisórias. Ia criar um incidente muito grande dentro da cidade de Rio Grande’’, recorda a desembargadora.

As partes foram chamadas para sentar e negociar, incluindo a Petrobras, que era a subsidiária dos contratos. A negociação acabou garantindo o pagamento de verbas rescisórias, inclusive a empregados terceirizados.

‘‘Foram feitas todas as negociações extrajudiciais. E acabou que não entrou nenhuma reclamatória trabalhista desse caso envolvendo o Polo Naval de Rio Grande’’, conta a magistrada, ao classificar o sistema de mediações como ‘‘extremamente importante’’ na solução de conflitos.

A mobilização também contou com o apoio da Caixa Econômica Federal, que montou um posto no Polo para agilização do saque do Fundo de Garantia e do seguro-desemprego dos trabalhadores despedidos. Outro fator positivo foi a contratação de 2 mil desses empregados pelo Estaleiro Ecovix, vencedor da licitação seguinte para construção de novas plataformas. Além disso, foi assegurado o pagamento das despesas de retorno a cerca de cinco mil trabalhadores oriundos de outros estados.

Mediadores

Como vice-presidentes, também realizaram mediações coletivas a ex-presidente do TRT-4 (biênio 2012/2013) e atual ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Helena Mallmann; e os desembargadores João Pedro Silvestrin, Ricardo Fraga, Francisco Rossal (presidente no biênio 2021/2023) e Ricardo Martins Costa (atual presidente do TRT-4). Reportagem de Eduardo Matos (Secom/TRT-4)

FINANCIAMENTO DE PROJETOS
Adequar empresas à economia verde pode ser um bom negócio

Por Ianara Cardoso de Lima

Captura Web

O discurso sobre a quebra do equilíbrio climático do planeta sobe de tom a cada ano. De ‘‘crise climática’’, passou-se à ‘‘emergência climática’’, e de ‘‘aquecimento global’’ para ‘‘ebulição global’’.

E não é para menos. As previsões sobre as consequências das mudanças do clima, inequivocamente provocadas pela ação da humanidade, bateram à nossa porta antes da hora, com ondas e calor, tempestades, alagamentos, secas e vendavais nunca experimentados.

Enquanto os Estados discutiram na COP 28, realizada nos Emirados Árabes Unidos, os rumos da governança global do clima frente aos alarmantes resultados do último relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 20 de março de 2023, coube às empresas o questionamento acerca de seu papel nesse cenário.

É inegável a necessidade da diversificação de atores na governança global do clima, dentre os quais há que se destacar o papel da iniciativa privada para atingir os objetivos comuns relacionados às mudanças climáticas.

Para Elinor Ostron, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia no ano de 2009 com tese que permanece atual, ainda que haja esforços globais, caso estes esforços não sejam apoiados e encampados regionalmente e localmente, não irão funcionar. Para a autora, os benefícios globais somente podem ser gerados por ações locais.

E é neste ponto que se concentra o papel das empresas, no agir local.

Pelo fato de as empresas terem alcançado, em muitos casos, patamares de poder econômico superior ao de alguns estados nacionais, fica evidente que podem arcar economicamente com a responsabilidade por seus atos e, inclusive, agir de modo a alterar, como menciona Clodomiro Bannwart Júnior, estudioso sobre a ética empresarial, ‘‘qualidade de vida e o bem-estar social das pessoas que dela dependam’’.

Evidente também que, em razão do processo de conscientização da sociedade a respeito das questões ambientais, em especial da finitude dos recursos naturais e dos impactos que as atividades produtivas geram no meio ambiente, a cobrança e responsabilização das empresas, no que tange à sua interação com o meio ambiente, aumentou significativamente.

Ricardo Abramovay, professor titular da FEA/USP, afirma que é cada vez mais importante o ‘‘capital reputacional’’ das empresas e que isso é percebido pelas organizações da sociedade civil, que passam a cobrar comportamentos não predatórios das empresas.

Assim, mudar a maneira como as empresas agem, caminhando para ações que visam o desenvolvimento sustentável, não seria apenas vital para a preservação do planeta, mas também a salvação da própria empresa, conforme ensina Élisabeth Laville, pioneira no estudo da sustentabilidade na França.

Em contrapartida, de acordo com o relatório ‘‘Better Business, Better World’’, elaborado pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU, há cerca de 12 trilhões de dólares em oportunidades de negócios até 2030, e a efetivação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável pode gerar cerca de 380 milhões de novos postos de trabalho até 2030.

Não por coincidência, o Brasil, que tem pretensão de liderar os debates globais sobre a proteção do meio ambiente, teve a delegação com maior participação de empresas na COP desse ano. A imprensa registrou a presença, entre outros, do Itaú, Vale, JBS, Ambipar e Gerdau.

O objetivo das empresas foi levar ao debate da COP as necessidades dos setores econômicos e gerar oportunidades de financiamento de projetos que estejam de acordo com as políticas de sustentabilidade e combate às mudanças climáticas.

Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco afirmou, em entrevista para o Estadão, que daqui para frente as empresas devem estar engajadas em ações, pois não há mais tempo.

Vai ao encontro do discurso empresarial o Plano de Transformação Ecológica, que vem sendo desenvolvido pelo Ministério da Fazenda e tem como objetivos (i) promover o aumento da renda por meio da geração de empregos verdes; (ii) reduzir a pegada ambiental e a emissão de gases de efeito estufa; e (iii) promover o desenvolvimento equitativo por meio da difusão de benefícios e distribuição de renda.

O Plano, que ainda não foi oficialmente lançado pelo Ministério da Fazenda, conta com seis eixos – finanças sustentáveis, adensamento tecnológico, bioeconomia, transição energética, economia circular e infraestrutura verde e de adaptação.

Os seis eixos serão desenvolvidos por meio de instrumentos financeiros, fiscais, regulatórios, administrativos, operacionais e de monitoramento e fiscalização, o que significa que haverá muita oportunidade de crédito e financiamento, além de incentivos fiscais para os empreendimentos que se engajarem na agenda em prol do combate às mudanças climáticas.

Parece, afinal, que a adequação das empresas a um modelo de economia verde e de baixa emissão de carbono pode, além de garantir que a vida humana não desapareça da terra, ser também um bom negócio.

Ianara Cardoso de Lima é sócia da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados.

BIS IN IDEM
Autuação ambiental múltipla gera insegurança jurídica no agronegócio

Por Ianara Cardoso de Lima

Ibama em ação
Foto: Agência Brasil

A fiscalização por parte dos órgãos ambientais é uma preocupação constante daqueles que desenvolvem atividades que se utilizam de recursos naturais – ou que são potencialmente poluidoras. Afinal, estes empreendimentos estão sujeitos a licenciamento ou autorização ambiental para o exercício regular de suas atividades.

Essa preocupação decorre, muitas vezes, da incerteza em relação a qual o órgão ambiental competente para fiscalizar determinada atividade. E se acentua quando a dúvida não é ‘‘qual’’, mas ‘‘quais’’ órgãos são competentes para fiscalizar e/ou autuar determinada atividade empresarial.

Essa dúvida é bastante comum, pois, em determinados casos, existe, sim, a possibilidade de mais de um órgão ambiental poder fiscalizar e/ou autuar um mesmo fato.

A Constituição Federal, no artigo 23, caput, incisos III, VI e VII, estabeleceu a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição, bem como para preservar as florestas, a fauna e a flora (além de outros bens comuns)

De acordo com o parágrafo único do dispositivo constitucional, a competência comum deverá ser exercida em observância ao chamado ‘‘princípio da cooperação federativa’’. Esse dispositivo prevê, também, que é por meio da edição de leis complementares que se fixariam as normas para regular essa chamada ‘‘cooperação federativa’’, a fim de garantir o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar no território nacional.

Com a entrada em vigor da Constituição Federal em 1988, a Lei 6.938/1980, que estabelece a chamada ‘‘Política Nacional do Meio Ambiente’’ e regulamenta o ‘‘Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA’’, acabou sendo recepcionada.

Ou seja, apesar de ter sido editada antes da atual Constituição, continuou sendo válida. Tal sistema estrutura os órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que são responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental.

No entanto, até o ano de 2011 não havia nenhuma Lei Complementar regulamentando o exercício das competências pelos vários órgãos que integram o SISNAMA (tais como o Ibama e o ICMBio, por exemplo).

Como consequência desse ‘‘vazio normativo’’, passou-se a ver autuações por mais um órgão ambiental sobre uma mesma atividade e, por vezes, aplicando sanções administrativas ambientais em relação a um mesmo fato.

Aplicar mais de uma pena para um mesmo fato é chamado, no juridiquês, como bis in idem e é uma prática vedada por todo o ordenamento jurídico. Apesar disso, a consequência desse ‘‘vazio normativo’’ em relação à competência fiscalizatória e sancionadora dos órgãos ambientais fez emergir questionável jurisprudência do STJ permitindo mais de uma autuação sobre o mesmo fato por órgãos ambientais vinculados a diferentes entes federativos.

Para justificar essa possibilidade do bis in idem, o STJ alegou não ser possível o afastamento da competência destes entes em razão do princípio chamado ‘‘preponderância do interesse’’.

Em 2011, finalmente, entrou em vigor a Lei Complementar 140, que fixou as competências materiais de cada ente federativo, inclusive com critérios objetivos para a determinação da competência para o licenciamento ambiental, fiscalização e sancionatória. De acordo com o artigo 17 da LC 140, passou a ser responsável para fiscalizar e punir o ente que for responsável, também, pelo licenciamento ambiental.

Apenas quatro meses após a LC 140 entrar em vigor, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente (Abissama) ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.757, pedindo a declaração de inconstitucionalidade integral da lei ou, ao menos, a declaração de inconstitucionalidade de alguns artigos, entre os quais o artigo 17, responsável pela necessária delimitação de competência para fiscalizar e punir atos contrários à legislação ambiental.

Lamentavelmente, neste caso, a decisão do Supremo Tribunal Federal afastou-se da tão almejada segurança jurídica. A Corte entendeu que, nos casos em que há omissão ou falha da atuação do órgão licenciador (aquele competente pela LC 140), seja por insuficiência de sua atuação, seja pela inadequação da medida adotada, admite-se possível multiplicidade de autuações pelo mesmo fato.

Trocando em miúdos: se a autuação lavrada pelo órgão originariamente competente (por exemplo, a Cetesb) for considerada ‘‘insuficiente’’, eventualmente, outros órgãos com competência supletiva (como a Secretaria Municipal do Meio Ambiente) poderão lavrar outro auto de infração sobre o mesmo fato.

A pergunta que fica é: quando uma fiscalização que resultou em alguma autuação ambiental pode ser considerada “insuficiente”? Quais os critérios para isso? Infelizmente, a resposta não existe. Essa verificação está totalmente depositada no crivo discricionário dos órgãos fiscalizadores, o que, gera preocupante insegurança jurídica e dá margem para judicialização destas questões, já que conceito de ‘‘insuficiência da autuação’’ dá margem para muita discussão ante o seu grau de subjetividade.

Não haverá outra saída para aquele que for destinatário de mais de uma autuação ambiental sobre o mesmo fato senão a propositura de demandas judiciais com o objetivo de anular os autos de infração. Sofre o setor produtivo. Sofre a já saturada estrutura do Judiciário brasileiro.

Ianara Cardoso de Lima é sócia da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados