EXECUÇÃO TRABALHISTA
Mesmo sem registro formal, prova de propriedade é suficiente para afastar penhora de imóvel

Foto: Secom TRT-12/FreePik

A Justiça do Trabalho de Santa Catarina decidiu a favor de dois cidadãos que buscavam proteger o seu imóvel de ser penhorado para cobrir dívidas trabalhistas do antigo proprietário. Em decisão unânime, a 3ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina) reconheceu que, apesar da ausência do registro formal no cartório de imóveis, os atuais donos comprovaram de forma convincente a posse da propriedade.

O caso aconteceu no município de Blumenau. Para receber uma dívida trabalhista, o credor da ação requereu a penhora de imóvel em Itapema, litoral norte do Estado, que estava em nome do devedor no processo de execução trabalhista.

Embargos de terceiro

Sentindo-se prejudicados pelo pedido, os dois cidadãos que não tinham relação com a dívida trabalhista entraram com um incidente processual conhecido como embargos de terceiro. Eles argumentaram que, mesmo ainda registrado no nome do antigo dono, a transferência do imóvel ocorreu através de um contrato verbal de permuta, parte do qual quitado com o fornecimento de móveis sob medida.

Os atuais donos ainda comprovaram que a propriedade serve há dez anos como moradia deles.

Robustez documental

As justificativas foram aceitas pelo juiz Osmar Theisen, da 3ª Vara de Blumenau. Na sentença, ele mencionou a ‘‘farta documentação trazida aos autos’’ pelos embargantes, que incluía faturas e contrato de energia elétrica relativos ao imóvel, comprovantes de pagamento e móveis oferecidos como permuta, além de fotografias de reformas realizadas na propriedade. Os elementos fortaleceram a alegação de um acordo verbal com o antigo proprietário.

Desembargador Amarildo Carlos de Lima
Foto: Reprodução WhatsApp

Theisen também fez referência à Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual a aquisição de imóvel por terceiro de boa-fé, ainda que desprovida de registro, constitui motivo suficiente para afastar a penhora.

Recurso

Inconformado com a decisão de primeiro grau, o credor recorreu para o TRT-12, alegando que não houve prova suficiente de boa-fé e propriedade por parte dos embargantes. O relator do processo na 3ª Câmara, desembargador Amarildo Carlos de Lima, não acolheu a alegação.

No acórdão, o magistrado ressaltou que a prova oral de testemunhas ‘‘indica a residência permanente dos embargantes no imóvel há aproximadamente dez anos’’. Além disso, a manifestação de boa-fé se encontra presente no fato dos embargantes providenciarem manutenção e benfeitorias no edifício.

‘‘Em par com a sentença, verifico a presença de animus domini por parte dos embargantes, que residem no local ininterruptamente há tempos e se comportam como se proprietários fossem. Indiscutível, assim, sua posse sobre o apartamento, ainda que assumidamente não o tenham quitado integralmente’’, fundamentou Amarildo de Lima.

Além disso, o relator considerou que não houve fraude à execução, uma vez que a negociação ocorreu antes do ajuizamento do processo trabalhista.

Houve recurso da decisão. Com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-12.

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0000451-78.2022.5.12.0039 (Blumenau-SC)

AMBIENTE TÓXICO
Ambev é condenada por assédio moral estrutural

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou a Ambev S.A., a maior fabricante de cervejas do mundo, a pagar indenização de R$ 50 mil a um vendedor de Vitória (ES) submetido a assédio moral durante sete anos. Sob a alegação de cobrança de metas, ele era chamado por supervisores, gerentes e até colegas por nomes pejorativos e alvo de constantes xingamentos, inclusive de conteúdo racial.

Respeito mútuo

Na ação, o vendedor contou que trabalhou para a Ambev de 2011 a 2017, na região da Grande Vitória. Nesse período, disse que fora exposto a situações que feriram direitos básicos, como respeito mútuo, dignidade humana e ambiente sadio de trabalho. As condutas eram praticadas usualmente por seus supervisores, gerentes de vendas e outros vendedores.

Xingamentos

Segundo o seu relato na ação reclamatória, o cumprimento de metas envolvia muita pressão psicológica, estresse físico e mental e ameaças de demissão. Eram cobranças públicas, com tratamento desrespeitoso e xingamentos para quem não atingisse as metas. ‘‘Morto’’, ‘‘desmotivado’’, ‘‘desmaiado’’, ‘‘âncora”, ‘‘negão’’ e ‘‘cara de monstro’’ eram algumas das expressões que ele ouvia, e o próprio gerente de vendas inventava apelidos desrespeitosos.

‘‘Brincadeiras masculinas’’

O juízo de primeiro grau reconheceu o assédio moral e condenou a empresa a pagar indenização de R$ 50 mil. Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (TRT-17, Espírito Santo) retirou a condenação.

Considerando o depoimento do trabalhador, o TRT concluiu que todos os vendedores tinham apelidos, com expressões ‘‘perfeitamente inseridas em um ambiente de brincadeiras tipicamente masculinas’’, inclusive as palavras de baixo calão.

Política sistemática

Para o relator do recurso de revista (RR) do vendedor, ministro Alberto Balazeiro, não é aceitável que agressões corriqueiras decorram de brincadeiras masculinas. Para ele, a situação retratada pelo TRT mostra uma conduta reiterada e omissiva da empresa, sob o argumento injustificável do humor, que reproduz comportamentos abusivos que degradam profundamente o ambiente de trabalho. Trata-se, a seu ver, de uma política sistemática da empresa, que visa engajar os trabalhadores no cumprimento de metas, ‘‘a despeito de seu sofrimento psíquico-social’’.

Estereótipo de masculinidade

O ministro se surpreendeu que, mesmo diante desse quadro, o TRT tenha concluído se tratar de ‘‘brincadeiras recíprocas’’ e ‘‘tipicamente masculinas’’. Ele assinalou que, conforme a Resolução CNJ 492 (protocolo para julgamento com perspectiva de gênero), o que é considerado ‘‘humor’’ é reflexo de uma construção social que revela a concepção ou a preconcepção de determinado grupo sobre a realidade vivenciada por outros.

‘‘Os ideais estereotipados em torno do que seria tipificado como ‘masculino’ no âmbito das organizações têm efeitos deletérios para os sujeitos que não se enquadram em um padrão pré-concebido de masculinidade’’, afirmou.

Assédio organizacional

O caso, segundo o relator, retrata efetivo assédio organizacional interpessoal, em que as metas não eram cobradas por meio de motivação positiva, mas de uma cultura generalizada de xingamentos, gritaria e palavras de baixo calão.

Conduta reiterada

Balazeiro lembrou, ainda, que o assédio moral na Ambev tem motivado inúmeras condenações no TST e, apesar disso, a empresa continua desrespeitando a obrigação de manter um meio ambiente de trabalho saudável. A gravidade dessa conduta reiterada, a seu ver, demanda posicionamento enérgico do TST, a fim de evitar a sua perpetuação.

Ofensa racial

Ao restabelecer a condenação, os ministros da Terceira Turma ressaltaram a necessidade de acabar com a naturalização da discriminação e da prática injustificável de brincadeiras abusivas. Para o colegiado, a ofensa de cunho racial é uma das mais graves.

‘‘Não se pode considerar aceitável essa conduta num país que se pretende civilizado’’, resumiu o ministro José Roberto Pimenta. Com informações da jornalista Lourdes Tavares, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

Processo RR-1406-93.2019.5.17.0001 

TRATAMENTO EXPERIMENTAL
Plano não pode negar custeio de remédio registrado na Anvisa, mesmo que prescrição seja off-label

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que a Postal Saúde (operadora de plano de saúde dos Correios e Telégrafos) deve custear tratamento com medicamento prescrito pelo médico para uso off-label (ou seja, fora das previsões da bula).

De acordo com o colegiado, se o medicamento tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – como no caso dos autos –, a recusa da operadora é abusiva, mesmo que ele tenha sido indicado pelo médico para uso off-label ou para tratamento em caráter experimental.

Na origem do caso, uma beneficiária do plano de saúde ajuizou ação contra a operadora para pleitear o custeio do medicamento antineoplásico Rituximabe, administrado durante a hospitalização para tratamento de complicações decorrentes de doença autoimune.

Uso off-label não constitui impedimento para cobertura

A Postal Saúde alegou que o fármaco não estaria incluído no rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – não sendo, portanto, passível de cobertura – e, além disso, o uso off-label não estaria previsto no contrato.

As instâncias ordinárias, no entanto, entenderam que o uso off-label não é impedimento para a cobertura, ainda que o tratamento seja experimental.

Ministro Raul Araújo Filho
Foto: Imprensa/TSE

O relator do recurso da operadora no STJ, ministro Raul Araújo Filho, destacou que o tribunal, ao julgar o EREsp 1.886.929, estabeleceu critérios sobre a obrigatoriedade ou não de cobertura diante do rol da ANS, admitindo a possibilidade de cobertura no caso de não haver substituto terapêutico, dentro de certas condições.

Cobertura fora do rol da ANS deve ser analisada caso a caso

Pouco depois daquele julgamento, segundo o ministro, a Lei 14.454/2022, ao alterar a Lei dos Planos de Saúde para dispor sobre a possibilidade de cobertura de tratamentos não contemplados no rol da ANS, definiu que essa lista constitui apenas uma referência básica para os planos.

‘‘Nesse cenário, conclui-se que tanto a jurisprudência do STJ quanto a nova redação da Lei dos Planos de Saúde admite a cobertura, de forma excepcional, de procedimentos ou medicamentos não previstos no rol da ANS, desde que amparada em critérios técnicos, cuja necessidade deve ser analisada caso a caso’’, concluiu Raul Araújo ao negar provimento ao recurso da operadora. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no AREsp 1.964.268

IRREGULARIDADE LEGISLATIVA
Aras questiona inclusão de cooperativas médicas no regime de recuperação judicial

PGR Augusto Aras
Foto: Agência Brasil

O procurador-geral da República, Augusto Aras, protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7442 contra a parte de um dispositivo introduzido na Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005) que inclui as cooperativas médicas, operadoras de planos de assistência à saúde, ao regime de recuperação.

A ação foi distribuída ao ministro Alexandre de Moraes, que solicitou informações à Presidência da República e ao Congresso Nacional.

O dispositivo, incluído pela Lei 14.112/2020, afasta a aplicação dos efeitos da recuperação judicial às cooperativas, excepcionando apenas as da área médica. Na ação, o procurador-geral alega irregularidades na tramitação do processo legislativo que deu origem à lei.

Segundo Aras, a exceção aplicada às cooperativas médicas (parte final do parágrafo 13 do artigo 6º) não constava do projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado.

Por conter assunto diverso do texto votado pelos deputados, a alteração deveria ter tramitado como emenda aditiva, para, se aprovada pelo Senado, retornar à Câmara. Aras sustenta que isso, porém, não ocorreu, e, embora o trecho tenha sido vetado pelo presidente da República, o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional.

O procurador-geral afirma que essa circunstância viola o princípio constitucional do bicameralismo, segundo o qual toda emenda ao projeto aprovado por uma das Casas terá, obrigatoriamente, de retornar à outra, para que se pronuncie somente sobre esse ponto, de forma definitiva. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

ADI 7442

LAVAGEM DE DINHEIRO
É ilícito o relatório do Coaf requisitado diretamente pela polícia

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso interposto pela defesa da empresária Helga Irmengard Jutta Seibel – proprietária da fabricante de bebidas Cerpasa, sediada em Belém – para declarar ilícitos dois relatórios de inteligência financeira juntados ao inquérito que investiga suposta prática de lavagem de dinheiro.

A decisão do colegiado superior levou em conta os precedentes da própria Corte e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), os relatórios foram usados pela polícia ao fundamentar o pedido de autorização judicial para uma diligência de busca e apreensão contra a empresária.

Na decisão, tomada por maioria, o colegiado estabeleceu que a autoridade policial não pode solicitar relatórios de inteligência financeira diretamente ao Coaf, sem autorização da Justiça.

Ministro Antonio Palheiro foi o relator
Foto: Rafael Luz/STJ

Segundo o ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator do caso, esse entendimento não se confunde com a posição adotada em repercussão geral pelo STF, que, ao julgar o Recurso Extraordinário 1.055.941, considerou lícito o compartilhamento de informações por parte da unidade de inteligência financeira do Brasil – o Coaf – e da Receita Federal com os órgãos de persecução penal, mas em outras circunstâncias.

O recurso julgado pela Sexta Turma foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) que negou o habeas corpus com o qual a defesa pretendia ver declaradas a ilicitude dos relatórios e a nulidade das provas obtidas na busca e apreensão, o que poderia levar ao trancamento do inquérito.

A Corte estadual entendeu que a solicitação de compartilhamento de informações ao Coaf, por parte da autoridade policial, seria constitucional, desde que feita por meio de comunicação formal – o que teria ocorrido na investigação.

Iniciativa do compartilhamento deve ser dos órgãos fiscalizadores

No entanto, o ministro Antonio Saldanha Palheiro fez uma distinção entre a situação analisada no recurso em habeas corpus e o caso julgado pelo STF, que amparou a decisão do TJPA.

De acordo com o magistrado, as teses adotadas pelo STF significam que é possível o compartilhamento dos relatórios de inteligência do Coaf e da íntegra dos procedimentos fiscalizatórios da Receita Federal com os órgãos de persecução penal, se essas instituições, no curso de seu trabalho administrativo, identificarem indícios de ilegalidades.

‘‘No presente caso, constata-se que o órgão policial requisitou diretamente ao Coaf relatórios de inteligência financeira sem autorização judicial, em uma situação diversa da qual foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal’’, alertou o ministro.

Terceira Seção tem precedente sobre requisição do MP à Receita Federal 

O relator observou que o quadro descrito no recurso se assemelha ao que foi analisado pela Terceira Seção do STJ no RHC 83.233, em que o Ministério Público requisitou diretamente à Receita Federal o envio da declaração de Imposto de Renda de determinadas pessoas, o que foi considerado ilícito.

Naquele julgamento, ocorrido no ano passado, a Seção de Direito Penal do STJ proclamou que ‘‘a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para subsidiar investigação ou instrução criminal, além de não ter sido satisfatoriamente enfrentada no julgamento do Recurso Extraordinário 1.055.941, não se encontra abarcada pela tese firmada no âmbito da repercussão geral em questão. As poucas referências que o acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade’’.

Assim, concluiu Saldanha Palheiro, ‘‘o presente recurso em habeas corpus deve ser provido para declarar a ilicitude dos relatórios de inteligência financeira solicitados diretamente pela autoridade policial ao Coaf’’.

O Ministério Público Federal (MPF) opôs embargos de declaração contra a decisão que proveu o recurso em habeas corpus, os quais pendem de julgamento. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no RHC 147.707