MANIFESTAÇÃO DA VONTADE
Anuência dos herdeiros com habilitação de crédito em inventário deve ser expressa, decide STJ

Ministro Villas Bôas Cueva foi o relator
Foto: Gustavo Lima/STJ

A concordância dos herdeiros para a habilitação de crédito em inventário deve ser expressa e inequívoca, decidiu, por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para o colegiado, embora não tenha natureza contenciosa, a habilitação impacta a esfera jurídica dos herdeiros, razão pela qual o seu silêncio não pode ser interpretado como anuência tácita, conforme previsto nos artigos 642, parágrafo 2º, e 643 do Código de Processo Civil (CPC).

O entendimento foi adotado pela turma ao julgar o recurso de duas empresas que buscavam a habilitação de um crédito de R$ 608 mil no inventário do devedor falecido. O valor, segundo as empresas, decorre de contratos atípicos de locação firmados com o autor da herança.

Como o espólio, intimado para se manifestar, permaneceu inerte, o juízo de primeiro grau indeferiu a habilitação, sob o argumento de que a ausência de manifestação dos herdeiros inviabilizava o processamento do pedido no inventário, tornando necessária a propositura de ação autônoma. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) manteve essa decisão.

No recurso ao STJ, as empresas alegaram que a omissão dos herdeiros não poderia ser interpretada como discordância e que apenas uma negativa expressa justificaria a remessa do pedido às vias ordinárias.

Decisão judicial sobre habilitação não substitui a vontade das partes

O relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que o consenso das partes interessadas em torno do reconhecimento da dívida é condição essencial à habilitação –procedimento de natureza híbrida que pode ser jurisdição não contenciosa ou instrumento cautelar, mas não gera nova lide.

De acordo com o ministro, o CPC prevê duas hipóteses para o pedido de habilitação de crédito: a primeira quando há concordância entre todos os herdeiros e interessados, permitindo a separação dos bens suficientes para o pagamento da dívida; a segunda, quando há discordância, o que impõe a necessidade de ação própria. Neste último caso, caberá ao juízo do inventário apenas reservar os bens, mas não resolver a lide.

Portanto, segundo o relator, a prestação jurisdicional quanto ao pedido de habilitação de crédito não substitui a vontade das partes no processo de inventário. Villas Bôas Cueva explicou que, caso haja consenso, o procedimento é de jurisdição voluntária, sem lide; no entanto, havendo dissenso, configura-se uma lide, e a disputa deve ser resolvida em foro próprio, por meio de ações específicas como cobrança ou execução de título extrajudicial.

Habilitação de crédito não pode ser usada para superar devido processo legal

No caso dos autos, o ministro observou que o ponto central da controvérsia é a forma como a concordância sobre o pedido deve ser manifestada. Para o tribunal de segunda instância, o fato de não ter havido manifestação do espólio dentro do prazo não implica anuência tácita e não autoriza o deferimento do pedido, pois é necessário que a concordância seja expressa nos autos. Esse entendimento – acrescentou o ministro – está alinhado com a natureza não contenciosa do procedimento de habilitação em inventário, que exige manifestação explícita das partes.

Villas Bôas Cueva concluiu que, embora a habilitação de crédito não seja contenciosa, ela não pode ser usada para suplantar o contraditório e o devido processo legal. O relator ressaltou que interpretar o silêncio ou a inércia do inventariante como consentimento prejudicaria o direito de discutir a dívida. ‘‘O consentimento, portanto, deve ser materializado, senão de forma expressa, ao menos de forma explícita, em razão da prática de atos materiais’’, declarou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2176470

SITUAÇÃO DE ANGÚSTIA
Servente ferida com seringa enquanto limpava leito de hospital será indenizada em danos morais

O risco de contaminação por doenças, somado à angústia durante a chamada ‘‘janela imunológica’’, configura dano moral à trabalhadora que se fere com seringa descartada de forma inadequada.

O entendimento é da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina), ao reconhecer o direito de uma servente terceirizada da Orbenk Administração e Serviços à indenização de R$ 5 mil por acidente ocorrido durante a limpeza num hospital público.

Descarte incorreto e acidente

Admitida pela empresa prestadora de serviços em 2017, a autora da ação ficou na função por cerca de cinco anos e meio, atuando em diferentes unidades de saúde de Florianópolis e região. Em junho de 2019, enquanto limpava a cama de um dos leitos de um hospital no município de São José, foi perfurada por uma agulha de seringa usada, descartada de forma incorreta.

Após o acidente, ela precisou iniciar tratamento preventivo para doenças infectocontagiosas, como HIV, hepatite e sífilis, o que incluiu exames repetidos e aplicação de vacinas. O protocolo seguiu durante a chamada ‘‘janela imunológica’’, período em que as doenças podem não se manifestar nos exames, gerando incerteza quanto à eventual contaminação.

A servente ainda relatou que situação semelhante já havia ocorrido um ano antes, em 2018, quando se feriu ao limpar o chão de outra unidade hospitalar e teve que passar pelos mesmos procedimentos.

Sentença de improcedência

No primeiro grau, a 6ª Vara do Trabalho de Florianópolis não concedeu o pedido de indenização. Para o juízo, além de não haver provas suficientes da ocorrência do acidente nas condições alegadas pela trabalhadora, o tipo de atividade exercida não configuraria, por si só, situação de ‘‘risco acentuado’’ capaz de justificar a responsabilização do empregador.

Buscando reformar a decisão de primeiro grau, a trabalhadora recorreu ao TRT-SC, onde o caso foi analisado pela 1ª Turma, sob relatoria da desembargadora Maria de Lourdes Leiria.

Consequências psicológicas

Ao julgar o mérito do recurso ordinário, a magistrada entendeu que, mesmo sem afastamento das atividades ou perda de capacidade laboral, a exposição a materiais contaminados em ambiente hospitalar gera consequências psicológicas relevantes, com repercussão na intimidade e vida privada.

‘‘O contexto evidencia que a trabalhadora enfrentou situação de angústia diante do medo e da incerteza de contaminação, que afeta o equilíbrio emocional’’, pontuou a desembargadora, ao votar pela condenação da empresa.

Ao contrário do entendimento adotado pelo juízo de primeiro grau, a relatora ainda observou que a própria empresa reconheceu os acidentes ao emitir as comunicações de acidente de trabalho (CATs) e encaminhar a empregada ao ambulatório para exames e aplicação de vacinas.

No entanto, quanto ao acidente de 2018, embora tenha sido comprovado nos autos, o colegiado não considerou o pedido de indenização correspondente em razão do prazo de prescrição quinquenal da Justiça do Trabalho, que limita o exame de fatos ocorridos em até cinco anos antes do ajuizamento da ação.

A decisão está em prazo de recurso. Com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12.

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ATSum 0000202-68.2024.5.12.003 (Florianópolis)

RESCISÓRIA
Ação entre advogado trabalhista e cliente deve ser ajuizada na Justiça Comum

Reprodução TRT-10

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou procedente uma ação rescisória para anular decisão da Sexta Turma da própria Corte. A pretensão do Unibanco Itaú era declarar a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar uma ação decorrente da sua relação com um advogado.

Para o colegiado, a questão já está pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e não se insere no âmbito das relações de trabalho.

Banco foi condenado por retirar ações de advogado

Em 2006, um advogado entrou com reclamatória trabalhista para que o Itaú Unibanco o indenizasse por ter-lhe retirado, de forma unilateral, 152 causas trabalhistas.

Depois de uma longa tramitação que teve como discussão de fundo a competência da Justiça do Trabalho para julgar a causa, o banco foi condenado a pagar indenizações por dano moral e material, e essa decisão se tornou definitiva em 2019.

O banco apresentou, então, a ação rescisória, visando anular a decisão da Justiça do Trabalho, reiterando a incompetência do juízo trabalhista para apreciar a matéria.

Relação entre advogado e cliente é de natureza civil

O relator, ministro Douglas Alencar, ressaltou que a relação em debate – cobrança de honorários advocatícios e reparação de danos – não diz respeito a uma relação de trabalho, mas a uma relação civil estabelecida entre advogado e cliente.

Alencar lembrou, ainda, que, desde 2008, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia pacificado o entendimento de que essas questões devem ser apreciadas pela Justiça Comum. De acordo com a Súmula 363 do STJ, ‘‘compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente’’.

Em razão do reconhecimento da incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar o caso, o processo foi remetido à Justiça estadual da Bahia, na comarca de Salvador, para novo julgamento.

A decisão foi unânime. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

AR-1000771-72.2019.5.00.0000

SUBSTITUIÇÃO EMPRESARIAL
Pandurata Alimentos terá de arcar com dívidas da Bauducco por usar a marca líder em panetones, decide TJRJ

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Incorporadora que passa a utilizar as instalações industriais e a marca da empresa incorporada responde, necessariamente, por dívidas deixadas por esta, definiu, por unanimidade, a 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

Com o entendimento, os desembargadores mantiveram decisão da 2ª Vara Cível da Comarca de Teresópolis (RJ) que acolheu o pedido de desconsideração indireta da personalidade jurídica da empresa Bauducco & Cia. Ltda, obrigando a Pandurata Alimentos Ltda., que a incorporou, a também arcar com dívida judicial de quase R$ 30 mil – referente à indenização por danos moral.

‘‘Por certo, houve a incorporação da empresa por Pandurata Alimentos Ltda., a qual utilizando-se do nome da empresa anterior, suas instalações e marca, continuou a praticar atos comerciais. Assim, entendo que no presente utiliza-se de sua personalidade jurídica para esquivar-se do pagamento à empresa consumidora, estendendo a execução por quase 5 anos e arrastando ação judicial distribuída em 2018’’, constatou a relatora do recurso na Corte fluminense, desembargadora Teresa Cristina Sobral Bittencourt Sampaio.

Conforme a julgadora, os autos do processo trazem indícios suficientes a embasar a responsabilização da Pandurata, com base na existência de substituição empresarial. Além disso, reiterou no voto, a empresa incorporadora deve assumir todo o passivo da empresa incorporada, respondendo em nome próprio; isto é, os direitos e obrigações são transmitidos à incorporadora, conforme artigo 227, parágrafo 3º da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações).

Na percepção da relatora, é inegável o ‘‘desvio de finalidade’’ entre as pessoas jurídicas, já que a Pandurata, apesar de formalmente distinta, utiliza-se da mesma marca perante o público em geral, criando embaraços ao cumprimento da decisão judicial.

‘‘O desvio de finalidade é caracterizado por incongruência nos objetivos sociais da pessoa jurídica, ocasionando prejuízo, direto ou indireto, para terceiros. Sendo permitida a desconsideração indireta da personalidade jurídica, hipótese em que outras empresas são responsabilizadas pelo débito de uma pessoa jurídica. Desse modo, o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade quando tal personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, o que é exatamente o caso’’, decretou no acórdão.

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0004517-30.2018.8.19.0061 (Rio de Janeiro)

 

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RECONVENÇÃO PATRONAL
Embriaguez ao volante motiva justa causa, e trabalhador é condenado a ressarcir despesas com acidentes

Reprodução Site Concreserv

A 12ª Vara do Trabalho de São Paulo manteve justa causa aplicada a motorista de caminhão betoneira que ingeriu bebida alcoólica durante o expediente e se envolveu em dois acidentes de trânsito enquanto dirigia veículo da empresa Concreserv Concreto S/A (Em Recuperação Judicial). Em, em sede de reconvenção, condenou o trabalhador reclamante ao ressarcimento de despesas com os acidentes.

Na sentença, a juíza Renata Prado de Oliveira afirmou que a embriaguez em serviço, na função desempenhada, é fato grave o suficiente para caracterizar a dispensa motivada, afastando até mesmo a necessidade de observância da gradação de penalidades.

De acordo com os autos, em um dos sinistros, o empregado avançou sinal vermelho e colidiu em outro automóvel. Houve discussão entre os envolvidos, e o reclamante disse que, se o terceiro não retirasse o carro da frente do caminhão, iria passar por cima. Como o cenário permaneceu inalterado, o trabalhador arrancou com a betoneira, destruindo o retrovisor e a lateral inteira do veículo do outro condutor.

No segundo acidente, que aconteceu aproximadamente no mesmo horário, o autor bateu na traseira de um carro. Houve discussão entre os motoristas, e a vítima gravou imagens que mostravam o reclamante com sinais de embriaguez. Após deixar a área da ocorrência, o profissional foi seguido pelo condutor até o local de trabalho, onde houve novo desentendimento. Na ocasião, o empregado fez ameaças que foram registradas em vídeo.

Justa causa e ressarcimento de despesas

Em audiência, a testemunha da ré contou que, no dia seguinte ao ocorrido, o colega compareceu à empresa e confessou-lhe não se lembrar dos fatos, mas reconheceu que havia consumido cerveja e conhaque durante o horário de almoço e uma dose de cachaça antes de descarregar o caminhão.

Para a magistrada, a prova documental é robusta para comprovar a validade da justa causa patronal. Ela considerou vídeos, fotografias, boletim de ocorrência e declarações manuscritas dos colaboradores da ré que presenciaram as atitudes do autor da ação reclamatória. Pontuou que ficou demonstrado o envolvimento do reclamante em vários acidentes de trânsito durante a contratualidade, ‘‘o que, além de acarretar danos de grande monta em veículos de terceiros e nos caminhões que dirigia, revela também o comportamento desidioso do empregado ao longo de todo o pacto laboral’’.

Na sentença, a julgadora também avaliou e deferiu reconvenção da empresa, que pediu condenação do trabalhador para ressarcir despesas decorrentes de cinco acidentes de trânsito em que ele estava envolvido. Ela destacou que o contrato de trabalho previa autorização de descontos salariais em caso de danos causados por dolo ou culpa.

Assim, considerando que a ré comprovou a ocorrência de avarias a veículos da empresa por culpa do empregado, conforme boletins de ocorrência, orçamentos e termos de acordo extrajudicial firmados com os terceiros prejudicados, a juíza determinou o ressarcimento no valor de R$ 16.222,53.

O processo transitou em julgado. Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATOrd 1001096-15.2024.5.02.0712 (São Paulo)