REPERCUSSÃO GERAL
STF reafirma regras sobre alíquotas de frete para renovação da Marinha Mercante

Reprodução STF/Agencia-Marinha de Noticias

O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou entendimento de que a regra que estabelece que tributos só podem ser cobrados a partir de 90 dias da edição da lei que os instituíram ou do próximo exercício financeiro não se aplica às alíquotas do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) mantidas por decreto de 2023. A decisão, unânime, foi tomada pelo Plenário Virtual no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1527985.

O Tribunal já tinha entendimento sobre a matéria, mas agora ela foi julgada sob o rito da repercussão geral (Tema 1368). Assim, a tese fixada deve ser aplicada a todos os casos semelhantes em tramitação na Justiça.

Manutenção do índice

No caso em análise, o Sindicato de Exportação e Importação do Estado do Espírito Santo (Sindiex) questionava decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) que rejeitou pedido de um contribuinte para recolher o AFRMM com base no Decreto 11.321/2022, que reduzia as alíquotas pela metade.

De acordo com o TRF-2, esse decreto passaria a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2023, exatamente no dia em que foi expressamente revogado por outro decreto (Decreto 11.374/2023), que restabeleceu o valor integral do imposto. Isso afastaria o princípio da anterioridade, pois houve apenas a manutenção do índice que já vinha sendo pago pelos contribuintes.

No recurso, o sindicato defendeu que a revogação do Decreto 11.321/2022 representou aumento do tributo, ferindo o princípio da segurança jurídica e surpreendendo o contribuinte.

Jurisprudência

Em seu voto pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria e pela reafirmação do entendimento do Tribunal, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, lembrou que o tema já foi examinado na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 84. O caso dizia respeito à cobrança de alíquotas integrais do PIS e da Cofins promovida pelo Decreto 11.374/2023, que também revogou norma anterior.

O Tribunal entendeu que não houve criação nem majoração de tributo, porque as alíquotas anteriores já eram conhecidas pelos contribuintes, e o ato normativo que as havia reduzido foi revogado no mesmo dia em que entraria em vigor.

Tese

A tese de repercussão geral firmada foi a seguinte:

‘‘A aplicação das alíquotas integrais do AFRMM, a partir da revogação do Decreto nº 11.321/2022 pelo Decreto nº 11.374/2023, não está submetida à anterioridade tributária (exercício e nonagesimal)’’.

Com informações de Suélen Pires, da Assessoria de Imprensa do STJ.

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ARE 1527985

IMPRUDÊNCIA EM SÉRIE
TRT-RS confirma demissão por justa causa de motorista que causou três acidentes no mesmo dia

O empregador não tem a obrigação de aplicar penas gradativas, antes de optar pela demissão por justa causa, se o empregado comete três faltas graves no mesmo dia, quebrando totalmente a fidúcia exigida no contrato de trabalho.

A conclusão é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) ao manter sentença da 7ª Vara do Trabalho de Porto Alegre que confirmou a legalidade do ato de dispensa por justa causa de um motorista da Obra Social Imaculado Coração de Maria (Osicom). O motorista, que transportava crianças na Kombi da instituição de caridade, deu causa a três acidentes de trânsito no mesmo dia, incluindo um atropelamento, sem prestar socorro à vítima.

Os desembargadores consideraram que o motorista agiu com imprudência. A justa causa foi fundamentada em mau procedimento e desídia, conforme previsto no artigo 482, alíneas ‘‘b’’ e ‘‘e’’, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Em sua defesa, o motorista alegou que fazia uso de remédio para diabetes que lhe provocava enjoos e desmaios. Segundo ele, no dia dos acidentes, sofreu ‘‘apagões’’, o que teria causado uma das colisões e o atropelamento. A primeira colisão, por sua vez, teria ocorrido porque uma das crianças que estava na Kombi o distraiu ao tocar em seu ombro.

No entanto, o juízo de primeiro grau destacou que o trabalhador não apresentou nenhuma prova que sustentasse as suas alegações. Durante o seu depoimento, o próprio motorista admitiu que o primeiro acidente não foi causado pelos ‘‘apagões’’, mas por distração. Além disso, ele não relatou a ninguém que estava se sentindo mal ou com algum desconforto no dia dos incidentes.

Sem prova dos ‘‘apagões’’

Com base nesses elementos, o juiz do trabalho André Ibanos Pereira concluiu que a conduta imprudente do motorista justificava a despedida por justa causa, enquadrada no artigo 482, alínea ‘‘b’’, da CLT, por mau procedimento.

O trabalhador recorreu da sentença ao TRT-RS. A relatora do caso na 2ª Turma, desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel, afirmou que a ocorrência dos acidentes é incontroversa. A magistrada enfatizou que o próprio motorista confessou que o primeiro acidente não decorreu dos alegados desmaios, mas de distração.

‘‘Não se demonstra crível a alegação de que os demais acidentes foram provocados por ‘apagões’ sofridos pelo reclamante. Isso porque a perda de consciência levaria à total perda de controle do veículo e não apenas o lapso para o atropelamento. O próprio relato do reclamante torna ainda mais inverossímil a perda de memória pontual e específica’’, argumentou a desembargadora.

Ela também observou que o motorista não havia informado à empregadora sobre o seu mal-estar, o que evidenciava sua imprudência em relação à atividade que desempenhava. A magistrada destacou que a conduta imprudente do motorista não afetou apenas a esfera econômica, mas colocou em risco a integridade coletiva e a vida das crianças que transportava.

‘‘Não se demonstra razoável exigir da reclamada a gradação da sanção na hipótese, porquanto seria admitir que a ré autorizasse a exposição da integridade da coletividade por vezes suficientes a ensejar a progressividade da penalidade, o que foge do dever incumbido ao empregador de zelar pela higidez do meio ambiente laboral. Ademais, ressalta-se a ocorrência de três acidentes de trânsito em um mesmo dia. Com efeito, a atuação obreira é de intensa e enfática gravidade a não viabilizar a gradação na sanção, tendo em vista o rompimento definitivo da fidúcia inerente ao contrato de trabalho’’, pontuou no acórdão.

Diante disso, a Turma, por unanimidade, entendeu aplicável a justa causa, tendo em vista o rompimento definitivo da confiança própria do contrato de trabalho.

Também participaram do julgamento o desembargador Gilberto Souza dos Santos e a desembargadora Cleusa Regina Halfen.

Não foi interposto recurso do acórdão quanto à decisão da justa causa. Com informações da redação de Painel de Riscos e Bárbara Frank (Secom/TRT-4).

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ATOrd 0020805-14.2023.5.04.0007 (Porto Alegre)

CRUZEIRO DO SUL
Resgate antecipado de R$ 190 milhões de CDBs não vencidos às vésperas da falência do banco é ato ineficaz

A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve decisão da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Capital, proferida pelo juiz Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho, que declarou a ineficácia do pagamento antecipado de Certificados de Depósito Bancários (CDBs) não vencidos feito pelo Banco Cruzeiro do Sul (antes da falência), sob Regime de Administração Especial Temporária (RAET), em favor do Gama Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado.

O Gama e o Fundo Garantidor de Crédito FGC – seu único cotista e administrador do Banco Cruzeiro do Sul à época do RAET – foram condenados a restituir, solidariamente, o valor de R$ 190 milhões pagos antecipadamente.

Na decisão, o relator do recurso no TJSP, desembargador Azuma Nishi, apontou que o ponto central da demanda é entender se houve irregularidade no resgate dos CDBs pelo banco antes da falência.

Para Azuma Nishi, permitir a eficácia do resgate em período suspeito ‘‘representaria afronta a toda dinâmica estabelecida na legislação falimentar, que tem como pedra de toque a par conditio creditorum’’. Trata-se de um princípio jurídico que determina que os credores de um devedor devem ser tratados de forma igual. É também conhecido como princípio da igualdade entre credores.

‘‘É certo que o resgate, puro e simples, não revela contornos de ilicitude quando considerado isoladamente sob a ótica das disposições contratuais. (…) Entretanto, a irregularidade ou ineficácia reconhecida em primeiro grau se descortina ao se considerar que o resgate da vultosa quantia de R$ 190 milhões foi realizado às vésperas da falência do BCSUL. Ao ponderar essas circunstâncias concretas, é possível chegar à mesma conclusão adotada na decisão agravada, no sentido de que o FGC, na condição de único cotista [do fundo], operacionalizou o resgate antecipado de CDBs de forma a beneficiar seus próprios interesses em detrimento de toda a coletividade de credores da massa falida que estava na iminência de se formar’’, destacou.

‘‘Com efeito’’, escreveu o relator, ‘‘a massa falida subjetiva – isto é, a coletividade de credores – ficou alijada de tal importância, que seria assaz útil para o pagamento equitativo de inúmeros credores’’.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Fortes Barbosa e Rui Cascaldi.

A votação foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TJSP.

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2307256-81.2023.8.26.0000 (São Paulo)

OBESIDADE & GÊNERO
Trabalho de faxineira não é leve aos olhos do Direito Previdenciário, decide TRF-4

Reprodução Diarista Online

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O Enunciado 47 da I Jornada de Direito da Seguridade Social, do Conselho da Justiça Federal (CJF), diz que nas ações previdenciárias, em que for parte ativa uma mulher, o juiz deve valorar a prova médica em consonância com o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O objetivo: rechaçar conclusões que tratem das atividades domésticas e de cuidado como improdutivas ou como tarefas leves; isto é, como se não demandassem esforço físico médio ou intenso.

Com a força deste entendimento, a 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reformou sentença da Vara Única de Abelardo Luz (SC) que negou a concessão de auxílio-doença a uma faxineira obesa que padece de síndrome do túnel do carpo (STC) que a torna inapta para o trabalho.

A Vara pertence à Justiça Comum catarinense e julga Direito Previdenciário por competência delegada da Justiça Federal.

Dores persistentes

Conforme o processo, a faxineira se queixa de dores em ambos os punhos, há mais de três anos, com diagnóstico de STC e correção cirúrgica em 2021 – mas sem melhora. Ela ainda fez tratamento com fisioterapia e medicação para dor (paracetamol + fosfato de codeína). Pela gravide do quadro, apresenta restrição para carregar peso e para atividades manuais, mesmo que em funções leves.

O laudo pericial concluiu, no entanto, que a autora da ação, dada à ausência de alterações significativas dos exames físicos, não apresentava incapacidade para o trabalho. Na verdade, os documentos mostram que as doenças informadas na petição inicial – síndrome do túnel do carpo, obesidade grau III, cisto artrossinovial e epicondilite medial – não levavam à incapacidade naquele momento ou em data anterior. Ou seja, estas patologias se mostravam controladas pelo tratamento já realizado, sem agravamento do quadro médico. Assim, não poderia se falar em afastamento do trabalho.

‘‘Verifica-se, assim, que não apresenta a parte autora moléstia que a incapacite ao exercício das suas atividades laborativas, razão pela qual deve prevalecer a decisão administrativa que negou o benefício’’, sintetizou, na sentença de improcedência, o juiz substituto William Borges dos Reis

Des Paulo Afonso Brum Vaz foi o relator
Foto: ACS/TRF-4

Perspectiva de gênero

O relator da apelação no TRF-4, desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, disse que o médico que assinou o laudo pericial se esqueceu de mencionar o grau de obesidade mórbida da autora da ação – índice de massa corporal (IMC) de 45,91, em razão do peso de 125kg e altura de 1,65m.

Em face deste lapso – e amparado na jurisprudência da Corte regional –, Vaz lembrou que o julgador não está obrigado a se guiar pelas conclusões do laudo médico pericial, podendo discordar de forma fundamentada. Aliás, é o que prevê o artigo 479 do Código de Processo Civil (CPC).

Nesse passo, a seu sentir, a confirmação da sentença de improcedência se constituiria em séria violação ao Protocolo de Julgamento em Perspectiva de Gênero e reconhecido no Enunciado 47 da I Jornada de Direito da Seguridade Social do CJF.

‘‘Ademais, não se pode perder de vista que, diante desse quadro clínico, é evidente que a demandante não poderá exercer atividade laboral, pois não se pode obrigar o ser humano a trabalhar acometido de grave quadro álgico [dores constantes], aliado a todos os fatores de risco associados à obesidade mórbida, amplamente reconhecidos pela comunidade científica’’, cravou no acórdão.

Com isso, Vaz reconheceu a ‘‘efetiva incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, o restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária, desde a 15-10-2021’’.

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5003481-68.2022.8.24.0001 (Abelardo Luz-SC)

 

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PROCESSOS FRAUDULENTOS
Juiz pode exigir documentos para coibir litigância abusiva, decide STJ

Ministro Moura Ribeiro foi o autor da tese
Foto: Imprensa/STJ

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.198), fixou a tese segundo a qual, ‘‘constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova’’.

Com a definição da tese, podem voltar a tramitar os processos que estavam suspensos à espera da fixação do precedente qualificado. O entendimento deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

A tese aprovada teve origem no voto do ministro Moura Ribeiro, que, embora não integre a Corte Especial – formada pelos 15 ministros mais antigos do STJ –, participou do julgamento por ser relator do caso que a Segunda Seção, especializada em direito privado, afetou ao órgão julgador máximo do tribunal.

STF e STJ admitem exigência de documentos para comprovar interesse de agir

O ministro afirmou que, em sociedades de massa, é natural o surgimento de demandas e litígios igualmente massificados: ‘‘Essa litigância de massa, conquanto apresente novos desafios ao Poder Judiciário, constitui, inegavelmente, manifestação legítima do direito de ação’’.

No entanto, o relator apontou que, em diversas regiões do país, tem havido uma avalanche de processos infundados, caracterizados pelo uso abusivo da advocacia, sem respaldo no legítimo direito de ação. Segundo ele, tais demandas não apenas dificultam a prestação de uma jurisdição efetiva, mas também geram sérios problemas de política pública, conforme identificado por órgãos de inteligência de vários tribunais.

Nesse contexto, o ministro ressaltou que a possibilidade de o juiz exigir documentos para comprovar o interesse de agir ou a verossimilhança do direito alegado já foi admitida tanto pelo STJ quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em diferentes situações, como ações de prestação de contas ou de exibição de documentos, pedidos de benefícios previdenciários ou de indenização por falhas no credit scoring.

Para coibir o uso fraudulento do processo, Moura Ribeiro defendeu a fixação de um precedente qualificado pelo STJ que autorize o magistrado a exigir do autor da ação a apresentação de documentos como extratos bancários, cópias de contratos, comprovante de residência e procuração atualizada com poderes específicos, sempre considerando as particularidades de cada caso. Por ser definida em recurso repetitivo, a tese deverá ser aplicada em todos os processos semelhantes.

Risco de excessos não justifica interdição do poder-dever do magistrado

O ministro também enfatizou que uma procuração concedida para determinada causa, em regra, não se estende automaticamente a outras ações distintas e desvinculadas, uma vez que, conforme o artigo 682, IV, do Código Civil, o mandato se extingue após a execução do negócio para o qual foi concedido. Assim, se o advogado apresentar uma procuração muito antiga, permitindo desconfiar que não exista mais relação atual com o cliente, ‘‘é lícito ao juiz determinar que a situação seja esclarecida, com juntada de um eventual novo instrumento’’, disse o relator.

Moura Ribeiro afirmou que essa cautela está em conformidade com princípios constitucionais, como o acesso à Justiça, a proteção do consumidor e a duração razoável do processo, alinhando-se ainda aos preceitos legais que privilegiam o julgamento do mérito e impõem o dever de cooperação entre as partes para garantir o regular andamento da ação.

Por fim, o ministro reconheceu que o risco de exigências judiciais excessivas, assim como o de decisões equivocadas, é uma realidade inerente ao Sistema de Justiça. No entanto, ele defendeu que esse risco deve ser controlado caso a caso, sem se tornar um obstáculo à adoção de boas práticas na condução judicial do processo.

‘‘O que não se pode admitir é que o mero risco de decisões judiciais excessivas justifique, antecipadamente, a interdição do poder-dever que o magistrado tem de conduzir e presidir o feito, o qual foi reconhecido por lei e está devidamente respaldado por princípios de envergadura constitucional. Eventuais excessos hão de ser controlados, repita-se, de forma pontual em cada caso concreto’’, concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 2021665