CONTÁGIO LABORAL
Técnica de enfermagem que contraiu tuberculose e foi despedida após retornar de tratamento será indenizada

Se o hospital não prova que forneceu o equipamento de proteção individual (EPI) para neutralização do risco de exposição a agentes patogênicos, a Justiça deve presumir que o contágio ocorreu no ambiente de trabalho. Como consequência, o empregador fica obrigado a indenizar o empregado que contraiu a doença.

Nesse entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) determinou que a Sociedade Sulina Divina Providência deve indenizar uma técnica de enfermagem que foi despedida após ser afastada do trabalho para tratamento de tuberculose.

Por unanimidade, os magistrados reformaram a sentença da 1ª Vara do Trabalho de Estrela (RS) quanto aos pedidos de indenização por danos morais e materiais (lucros cessantes durante o tratamento) e à dispensa discriminatória. A condenação provisória alcança R$ 80 mil.

A técnica trabalhou entre julho de 2019 e dezembro de 2022 no bloco cirúrgico do hospital. Por três meses, recebeu benefício previdenciário, sem natureza acidentária.

Em contestação, o hospital alegou que apenas sete pacientes foram recebidos com suspeita de tuberculose no período, e que apenas um deles teve o diagnóstico confirmado. Afirmou, também, que todos ficaram em isolamento.

Diante da sentença parcialmente procedente, a trabalhadora recorreu ao TRT-RS.

Desa. Beatriz Renck foi a relatora
Foto: Secom/TRT-4

Nexo causal com o ambiente de trabalho

Embora o laudo pericial não tenha relacionado a doença ao ambiente de trabalho, a relatora do recurso ordinário, desembargadora Beatriz Renck, entendeu que o nexo causal é presumido.

‘‘Ao julgar casos relacionados à Covid, esta relatora firmou entendimento de presunção do nexo causal, sendo enquadrado como profissional o adoecimento do trabalhador que exerce atividades que o expõem ao maior risco de contágio, posicionamento que adoto também no presente caso’’, ressaltou no acórdão.

A magistrada também chamou a atenção para o conteúdo do ‘‘Treinamento Introdutório de Segurança do Trabalho’’, no qual o próprio hospital empregador recomenda o uso de Máscara N95 quando há contato com paciente portador de tuberculose, sarampo, varicela e H1N1. No entanto, o laudo pericial indicou que a trabalhadora recebeu máscara descartável comum como EPI.

‘‘Impõe-se a conclusão de que a reclamante, fazendo uso de máscara descartável comum, não estava suficientemente protegida do bacilo de Koch’’, afirmou a relatora.

O meio ambiente laboral deve ser seguro e saudável

Para a desembargadora, sendo a Constituição centrada na dignidade do ser humano e na valorização social do trabalho, a função social da empresa apenas é efetivamente cumprida, sob os aspectos internos e externos, quando assegurar o meio ambiente de trabalho seguro e hígido, proporcionando o bem-estar dos trabalhadores.

A magistrada ainda destacou o cumprimento das normas de segurança e Medicina do Trabalho (artigo 157 da CLT), como forma de implementar os preceitos e os valores da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho.

Em relação à despedida discriminatória, a desembargadora Beatriz entendeu que, por analogia, aplica-se ao caso a Lei 9.029/95, mesmo que a tuberculose não possua características estigmatizantes ou ensejadoras de preconceito.

‘‘Ainda que a despedida sem justa causa, ausente garantia de emprego específica, seja considerada faculdade do empregador, a ordem jurídica não admite dispensa que seja motivada pelo fato de a trabalhadora ser portadora de doença. Identifico verossimilhança nas alegações de discriminação em razão de que a despedida deu-se três meses após a alta previdenciária’’, concluiu.

Acompanharam o voto da relatora os desembargadores Fernando Luiz de Moura Cassal e Simone Maria Nunes.

Ainda cabe recurso da decisão. Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.

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ATOrd 0020127-05.2023.5.04.0781 (Estrela-RS)

REPERCUSSÃO GERAL
STF confirma prevalência de convenções internacionais sobre transporte aéreo de cargas e mercadorias

Reprodução Security Sata

O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou que acordos internacionais, como as Convenções de Varsóvia e de Montreal, se sobrepõem às normas nacionais em casos de extravio, dano ou atraso de cargas em voos internacionais. A decisão, unânime, foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1520841.

A medida amplia para o transporte de cargas o entendimento que o STF já tinha sobre o transporte de passageiros e extravios de bagagens, com a aplicação do rito de repercussão geral (Tema 1.366). Isso significa que a tese fixada pelo Tribunal deverá ser seguida em todos os casos semelhantes que estão em tramitação na Justiça.

As Convenções de Varsóvia e de Montreal estabelecem limites específicos para a compensação a ser paga pelas companhias aéreas em casos de descumprimento contratual por faltas ou avarias de carga durante o transporte. A prevalência desses acordos sobre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor foi reconhecida pelo STF com base no artigo 178 da Constituição.

Na prática, as companhias aéreas internacionais só precisarão indenizar os prejuízos dentro dos limites estabelecidos por essas convenções internacionais.

Caso concreto

O RE 1520841 envolve uma ação em que a seguradora brasileira Akad Seguros S.A. pediu que a companhia aérea holandesa KLM pagasse R$ 13,6 mil de ressarcimento pelo extravio de uma carga transportada sob contrato com a Fundação para o Desenvolvimento Científico em Saúde (Fiotec).

O cálculo do ressarcimento foi feito com base no valor declarado pela Fiotec. Como a carga foi extraviada pela KLM, a Akad cobriu o prejuízo e buscou o ressarcimento da companhia aérea com base nas regras do Código Civil brasileiro, que garante o ressarcimento integral do dano.

Mas, por se tratar de transporte internacional, o STF decidiu que as convenções internacionais de Varsóvia e Montreal deveriam prevalecer também em ações que tratam de indenização e ressarcimento sobre cargas e mercadorias.

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, lembrou que, em 2017, o STF já havia decidido pela prevalência dessas convenções, num julgamento que também teve repercussão geral (Tema 210), mas limitado às relações com passageiros e bagagens, como o atraso de voo.

A Convenção de Montreal estabelece que, em caso de extravio ou danos a cargas ou bagagens, a companhia aérea internacional deve pagar até 17 Direitos Especiais de Saque por quilograma (DES, na sigla em inglês, instrumento monetário internacional que segue parâmetros de cálculo específicos). Com base nesse cálculo, a KLM foi obrigada a ressarcir a Fiotec em R$ 164,23.

Tese

A tese firmada foi a seguinte:

A pretensão indenizatória por danos materiais em transporte aéreo internacional de carga e mercadoria está sujeita aos limites previstos em normas e tratados internacionais firmados pelo Brasil, em especial as Convenções de Varsóvia e de Montreal;

É infraconstitucional e fática a controvérsia sobre o afastamento da limitação à pretensão indenizatória quando a transportadora tem conhecimento do valor da carga ou age com dolo ou culpa grave.

Com informações de Gustavo Aguiar, da Assessoria de Imprensa do STF

Leia aqui o voto do ministro Barroso 

RE 1520841

BURLA À CLT
TRT-SP anula acordo trabalhista por lide simulada e notifica Ministério Público Federal e OAB pela conduta do empregador

Divulgação Radial

Comprovada de forma inequívoca a lide simulada, com a finalidade de condicionar o recebimento das verbas rescisórias de forma parcelada à assinatura de acordo em reclamação trabalhista, na forma do artigo 966, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC), impõe-se o corte rescisório da decisão que homologou o acordo celebrado.

Assim decidiu a Seção Especializada em Dissídios Individuais-3 (SDI-3) do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo), ao anular acordo trabalhista homologado pela Justiça do Trabalho envolvendo trabalhadora e a Radial Transporte Coletivo Ltda. O colegiado identificou a prática de lide simulada e coação de ex-empregados, caso da reclamante.

A decisão se baseou em provas que demonstraram um método repetitivo: inúmeras ações trabalhistas idênticas, com acordos homologados em prazos extremamente curtos, antes mesmo da citação da empresa em alguns processos.

Essa prática, segundo a desembargadora-relatora Kyong Mi Lee, indicou simulação de conflitos para burlar a legislação trabalhista e prejudicar os trabalhadores.

A investigação do Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre acordos fraudulentos entre a Radial Transporte Coletivo Ltda. e o sindicato da categoria profissional reforçou as conclusões da SDI-3. O MPT apontou um padrão de autocomposições que resultavam em quitação geral do contrato de trabalho por valores muito abaixo daqueles realmente devidos.

Testemunhos colhidos em ações similares corroboraram a tese da trabalhadora. Diversos ex-empregados declararam terem sido coagidos a assinar os acordos, sem plena compreensão do teor dos documentos e sob ameaça de desligamento por justa causa.

‘‘Esse conjunto probatório revela inequivocamente a fraude perpetrada pelo réu em conjunto com o sindicato profissional’’, afirmou a relatora.

O acórdão determinou ainda envio de ofício ao Ministério Público Federal (MPF) e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para apuração de possíveis crimes e infrações éticas.

O processo pende de julgamento de recurso ordinário pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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AR 1001484-85.2022.5.02.0000

EXPOSIÇÃO VEXATÓRIA
Empregada dispensada por e-mail corporativo será indenizada por danos morais

A empresa ArteBrilho Multisserviços Ltda. vai pagar R$ 5 mil, a título de danos morais, a uma ex-auxiliar de escritório, demitida de forma vexaminosa no e-mail corporativo, visto que o ato deu publicidade a todos os funcionários. A conduta fere direitos de personalidade elencados no inciso X do artigo 5º da Constituição – intimidade, honra, imagem.

A condenação foi confirmada pelos julgadores da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-MG), por unanimidade, já que ficou claro que o ato causou constrangimento perante os colegas de trabalho.

A autora trabalhou para a empresa por cerca de dois anos, até ser dispensada sem justa causa. A empresa enviou um e-mail para diversos empregados, informando que a dispensa ocorreu porque a empregada ‘‘não atendia às demandas da empresa’’, expondo-a a uma situação constrangedora.

Sentença do juízo da 44ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte já havia considerado que a forma de comunicação da dispensa ultrapassou o limite do razoável, violando a dignidade e a privacidade da empregada, o que foi mantido pela relatora, desembargadora Paula Oliveira Cantelli, que negou provimento ao recurso da empresa para manter a indenização deferida. O voto da relatora foi acolhido pelos demais julgadores.

Excesso de poder diretivo

Segundo pontuou a desembargadora, a divulgação do motivo da dispensa sem necessidade, especialmente em um e-mail direcionado a diversos empregados, configurou excesso do poder diretivo da empresa. Ficou entendido que a empresa expôs a trabalhadora a situação vexatória, violando seu direito à intimidade e à honra.

‘‘É dever do empregador respeitar a consciência do empregado, zelando pela sua saúde mental, liberdade de trabalho, intimidade, vida privada, honra e imagem, impedindo a prática de atos que possam afetar o trabalhador, de forma negativa, expondo-o a situações humilhantes’’, destacou a relatora no acórdão.

Embora não tenha havido prova da alegação da autora de que desenvolveu um quadro depressivo diretamente relacionado ao e-mail, o ato ilícito da empresa bastou para justificar a condenação por danos morais, com base nos artigos 186 e 187 do Código Civil.

Na decisão, também houve referência aos artigos 223-B e 223-C, da CLT, que dispõem que ‘‘a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física’’.

A magistrada manteve o valor da indenização (de R$ 5 mil), em atenção ao caráter compensatório para a vítima e punitivo para a empresa, entendendo que ficou dentro dos limites da razoabilidade, compatível com a extensão e a gravidade do dano, o grau de culpa do ofensor e a situação econômica das partes, de forma a poder restabelecer o equilíbrio perdido, conforme preceitua a jurisprudência sobre a matéria.

A empresa tentou levar o caso para reapreciação no Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas o recurso de revista (RR) foi inadmitido na fase de admissibilidade. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATSum 0010183-23.2024.5.03.0182 (Belo Horizonte)

INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA
ISS não incide em etapa intermediária do ciclo de produção, decide STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na quarta-feira (26/2), que é inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) em ‘‘operação de industrialização por encomenda’’, em que há uma etapa intermediária do ciclo produtivo da mercadoria que não se destina diretamente à industrialização ou à comercialização.

O tema foi decidido no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 882461, com repercussão geral reconhecida (Tema 816). Assim, a tese fixada será aplicada a todos os demais casos semelhantes em tramitação na Justiça.

Para a maioria do colegiado, a operação de industrialização por encomenda é uma etapa do processo produtivo, cujo objetivo final é a produção e a circulação de bens e mercadorias embalados. Assim, não está sujeita ao ISS.

Etapa intermediária

A autora do recurso é a empresa Arcelor Mittal, de Contagem (MG), que requalifica chapas de aço, por encomenda, para serem utilizadas por outras empresas na construção civil.

No RE, ela argumentava, entre outros pontos, que sua atividade é uma etapa intermediária do processo de industrialização do aço, o que geraria a incidência apenas do ICMS, e não do ISS.

Ciclo econômico

Essa foi a compreensão do relator, ministro Dias Toffoli, seguida pela maioria do Plenário. Para Toffoli, se o bem retorna à circulação ou é novamente industrializado após a industrialização por encomenda, esse processo é apenas uma fase do ciclo econômico da mercadoria.

No mesmo sentido, em voto-vista apresentado na sessão, o ministro André Mendonça complementou que, a seu ver, não é possível classificar essa atividade como finalística, mas como serviço intermediário de um processo industrial sob o qual incide o ICMS em favor dos estados ou o IPI em favor da União. Apenas o ministro Alexandre de Moraes divergiu.

Modulação

Para preservar a segurança jurídica, foi decidido que o entendimento passa a valer a partir da publicação da ata do julgamento. Dessa forma, o contribuinte que recolheu o ISS nesse tipo de atividade até a véspera dessa data não está obrigado a recolher IPI e ICMS em relação aos mesmos fatos geradores.

Ficaram vencidos, neste ponto, os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, para quem a modulação não deve incluir o IPI.

Multa

Por unanimidade, o Tribunal decidiu que a multa fiscal instituída pela União e por estados, Distrito Federal e municípios por atraso no pagamento do imposto deve observar o teto de 20% do débito tributário.

A tese de repercussão geral firmada foi a seguinte:

‘‘É inconstitucional a incidência do ISS a que se refere o subitem 14.05 da Lista anexa à LC nº 116/03 se o objeto é destinado à industrialização ou à comercialização;

‘‘As multas moratórias instituídas pela União, Estados, Distrito Federal e municípios devem observar o teto de 20% do débito tributário.’’

Com informações de Suélen Pires, da Assessoria de Imprensa do STF.

RE 882461