JUÍZO DE PONDERAÇÃO
STJ relativiza impenhorabilidade do salário para quitar dívida não alimentar

Em caráter excepcional, é possível relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para o pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família. A posição foi firmada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), após o julgamento de embargos de divergência.

O colegiado acompanhou o relator, ministro João Otávio de Noronha, para quem essa relativização somente deve ser aplicada ‘‘quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução’’, e desde que ‘‘avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado’’.

Condições para afastar a impenhorabilidade dos salários

Os embargos de divergência foram interpostos por um credor contra acórdão da Quarta Turma do STJ, que indeferiu o pedido de penhora de 30% do salário do executado – em torno de R$ 8.500. A dívida objeto da execução tem origem em cheques de aproximadamente R$ 110 mil.

A Quarta Turma entendeu que a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que a regra geral da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial comporta exceção nas seguintes hipóteses: a) para o pagamento de prestação alimentícia de qualquer origem, independentemente do valor da remuneração recebida; e b) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvando-se eventuais particularidades do caso concreto. Em ambas as situações, deve ser preservado percentual capaz de assegurar a dignidade do devedor e de sua família.

Ministro João Otávio de Noronha
Foto: Imprensa STJ

Contudo, o credor apontou precedentes da Corte Especial e da Terceira Turma que condicionaram o afastamento do caráter absoluto da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial apenas ao fato de a medida constritiva não comprometer a subsistência digna do devedor e de sua família, independentemente da natureza da dívida ou dos rendimentos do executado.

Segundo o ministro João Otávio de Noronha, a divergência estava em definir se a impenhorabilidade, na hipótese de dívida de natureza não alimentar, estaria condicionada apenas à garantia do mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família ou se, além disso, deveria ser observado o limite mínimo de 50 salários mínimos recebidos pelo devedor.

É possível a relativização da regra da impenhorabilidade do artigo 833 do CPC

Para o relator, o Código de Processo Civil (CPC), ao suprimir a palavra ‘‘absolutamente’’ no caput do artigo 833, passou a tratar a impenhorabilidade como relativa, ‘‘permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade’’.

O ministro afirmou que esse juízo de ponderação deve ser feito à luz da dignidade da pessoa humana, que resguarda tanto o devedor quanto o credor, e mediante o emprego dos critérios de razoabilidade e da proporcionalidade.

‘‘A fixação desse limite de 50 salários mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família’’, disse.

Dessa forma, o relator entendeu que é possível a relativização do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, de modo a se autorizar a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que assegurado montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

EREsp 1874222

ERRO FORMAL
Incorreções na DIRPF não embasam cobrança suplementar se não há aumento de patrimônio

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Informar dados incorretos na Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) pode caracterizar descumprimento de obrigação formal/acessória, ensejando a aplicação de multa. No entanto, não respalda a cobrança suplementar de imposto de renda, se não houve acréscimo no patrimônio do contribuinte.

Com este entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acolheu apelação de um médico anestesiologista residente em Lapa (PR) que, no primeiro grau, não conseguiu anular uma notificação de lançamento fiscal lastreada em omissão de rendimentos de aluguel de três imóveis comerciais na DIRPF de 2011/2012. O débito fiscal, cobrado em duplicidade pelo fisco, em função do erro, chegava à casa dos R$ 90 mil.

Desembargadora Luciane Münch foi a relatora
Foto: Diego Beck/Imprensa TRF-4

Para o colegiado, ficou evidente, no curso do processo, que o fato gerador do tributo não se perfectibilizou. Assim, deve ser afastada a sua cobrança – ainda que esta tenha sido iniciada a partir do erro cometido pelo contribuinte.

‘‘Eventual confusão decorrente do errôneo preenchimento dos documentos fiscais pelo contribuinte, por si só, não justifica a cobrança de imposto de renda onde, na verdade, não há manifestação de riqueza tributável. Assim, no presente caso, deve prevalecer a real situação fiscal do contribuinte, não podendo eventual preenchimento incorreto dos documentos fiscais obstar a comprovação da adequada incidência tributária’’, sintetizou, no acórdão, a desembargadora-relatora Luciane Amaral Corrêa Münch.

Erros na declaração de renda

O contribuinte admitiu ter cometido ‘‘erro formal’’ ao não observar que as empresas deveriam figurar na DIRPF conforme os nomes constantes nos contratos de locações firmados e fornecidos pela administradora dos imóveis. Apesar de ter errado o nome e o CNPJ das fontes pagadoras dos rendimentos, afirmou que houve correção dos montantes percebidos em nível administrativo.

Neste passo, a Fazenda Nacional não poderia se valer da incorreção para revisar, de ofício, o lançamento do tributo, expedindo cobrança suplementar em face da omissão de rendimentos das reais empresas que deveriam figurar como fonte pagadora. Afinal, repisou na peça inicial, não se pode falar de ‘‘omissão de rendimentos’’ – apenas, em ‘‘erros no lançamento de informações’’ no documento fiscal.

Sentença improcedente

A 2ª Vara Federal de Curitiba julgou improcedentes os pedidos formulados pelo médico no bojo da ação anulatória, por entender que os erros se estenderam aos rendimentos recebidos e a impostos retidos na fonte pela administradora dos imóveis.

‘‘Repiso, enfim, que a época da entrega de declaração de ajuste anual o autor já estava de posse de todas declarações de rendimentos conforme documentos apresentados, bem como dos contratos de locação, razão pela qual não é crível que, sem adotar qualquer diligência junto à Administradora do imóvel ao qual lhe competia, tenha se equivocado quanto à discriminação da fonte pagadora, porquanto, acaso estivesse diante de um impasse, deveria recorrer à administradora do imóvel a fim de sanear quais empresas efetivamente deveriam figurar como pagadoras’’, justificou na sentença o juiz federal Cláudio Roberto da Silva.

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OSSOS DO OFÍCIO
TRT-MG nega indenização à monitora de segurança que ficava só de calcinha e sutiã em revista íntima

Presídio de Ribeirão das Neves (MG)
Foto: Captura Youtube

Os procedimentos de revista íntima, embora desconfortáveis, não violam, por si só, os direitos de personalidade (artigo 5º, inciso X, da Constituição) de empregada que trabalha num complexo prisional, dado os cuidados de segurança que precisam ser observados.

Com a prevalência deste entendimento, a maioria da Décima Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) confirmou sentença que, no aspecto, negou reparação moral a uma ex-monitora de segurança que trabalhava na penitenciária de Ribeirão das Neves (MG). O complexo é administrado pela Gestores Prisionais Associados (GPA), empresa privada que opera  por meio de contrato de parceria público-privada (PPP) com o Estado de Minas Gerais.

Revista íntima vexatória

No bojo de vários pedidos contra a reclamada, a reclamante alegou que era submetida a procedimentos vexatórios no ato de revista, sendo obrigada a se despir. ‘‘De calcinha e sutiã, tinha que se sentar no banco detector de metal, para verificar se havia algo introduzido nas partes íntimas. Em seguida, passava pelo detector de metal manual e, posteriormente, revista manual realizada por um colega monitor designado’’, registra a petição inicial.

A monitora disse que o procedimento de revista só foi modificado em 2017, quando a unidade prisional passou a utilizar, no controle de ingresso, um aparelho denominado bodyscan.

A profissional relatou também problemas no monitoramento do banho de presidiários. Contou que, por câmeras de segurança, acompanhava a saída e o retorno dos presidiários das duchas. ‘‘Os presos faziam gestos obscenos para as câmeras, falavam palavrões e [tomavam] outras atitudes despudoradas.’’

Depoimentos colhidos no processo confirmaram os fatos narrados pela trabalhadora. Uma testemunha contou que chegou a fazer o monitoramento do banho dos presos, assim como a colega. Esclareceu que as responsáveis pelo monitoramento do banho eram as profissionais do sexo feminino. ‘‘Já os agentes do sexo masculino efetuavam esse serviço quando necessário’’, completou. Informou que, durante o monitoramento, alguns dos presos tomavam banho normalmente. Porém, outros eram mais ousados, utilizando o momento do banho para se masturbarem.

Natureza do ambiente de trabalho

Desa. Ana Maria Reboucas foi a relatora
Foto: Imprensa TRT-3

Ao examinar o recurso da trabalhadora, a desembargadora relatora Ana Maria Amorim Rebouças ponderou que, embora haja um caráter vexatório nas situações constrangedoras narradas, o ambiente de trabalho é um complexo prisional. ‘‘Por sua natureza, demandam determinadas rotinas de segurança, bem como tarefas, por vezes, desagradáveis, mas que integram o rol de atribuições dos trabalhadores que ali desempenham as atividades.’’

Segundo a julgadora, a profissional, como monitora de segurança, possuía tarefas relacionadas à supervisão e acompanhamento das atividades rotineiras dos detentos, entre elas, o monitoramento do banho. Ressaltou que o monitoramento ocorria remotamente; ou seja, ‘‘por câmeras de segurança, como a própria trabalhadora afirma, enquanto a supervisão local ficava por conta da equipe masculina, que, como extraído da prova testemunhal, tentavam inibir tais comportamentos’’.

Segurança coletiva

Quanto à revista, a julgadora concordou com o detalhamento e as minúcias do procedimento. ‘‘Mesmo diante de todo o aparato de segurança existente nos presídios brasileiros, ainda são corriqueiras, por exemplo, as notícias de ingresso clandestino de objetos externos ao complexo. Nesse ponto, muito embora a tecnologia de revista não fosse a melhor, antes da troca pelo scanner, era preciso utilizar os meios disponíveis para preservação da segurança, em especial da segurança coletiva’’, pontuou.

Para a julgadora, as ocasiões desconfortáveis não advêm de imposição da empregadora, mas da própria natureza das atividades desempenhadas no complexo prisional.

‘‘Assim, a apreciação do contexto encontrado nos autos não permite caracterizar a ocorrência de ofensa ao patrimônio moral da profissional, pois são condições integrantes de contrato laboral, assim como da natureza das atividades e do estabelecimento em que eram desempenhadas’’, concluiu a magistrada, negando provimento ao recurso. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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0010399-67.2018.5.03.0093 (Ribeirão das Neves-MG)

DANO MORAL
Candidata será indenizada por exigência de exame de gravidez e de antecedentes criminais na admissão

Forum Trabalhista da Zona Sul de São Paulo

A lei veda a exigência de atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego, caracterizando a conduta como discriminatória.

Por ignorar este entendimento, tradicional empresa de comércio de alimentos localizada no Jardim América, capital paulista, foi condenada a pagar indenização no valor de R$ 2 mil a uma quase empregada. Afinal, a dupla exigência causa lesão em direitos de personalidade elencados no inciso X, artigo, 5º, da Constituição, ensejando dever de indenizar em danos morais.

Operadora de loja

Segundo o processo, a trabalhadora havia se candidatado para vaga de operadora de loja e, após a aprovação, foi orientada a entregar os documentos necessários para a admissão.

Na oportunidade, o setor de recursos humanos (RH) solicitou exame de gravidez e certidão de antecedentes criminais, o que a fez se sentir discriminada e a desistir de celebrar o contrato de trabalho.

Tratamento discriminatório  

Na sentença, a juíza da 19ª Vara do Trabalho do Fórum da Zona Sul de São Paulo, Sívia Helena Serafin Pinheiro, explicou que não é legítimo pedir a candidato certidão de antecedentes criminais. Citando decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), sob a sistemática de recursos repetitivos, a magistrada pontuou que essa exigência caracteriza lesão moral ‘‘quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido’’.

Nos autos, a julgadora esclareceu que a decisão do TST estabeleceu situações em que a exigência do documento, como condição indispensável para a contratação ou a manutenção do emprego, não gerariam reconhecimento de dano moral. É o caso de empregados domésticos, atividade com manejo de arma ou substâncias entorpecentes.

“A função de operadora de loja oferecida pela ré, à qual a autora se candidatou, não se enquadra nessas hipóteses”, concluiu na sentença.

Processo pendente de análise de recurso no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo). Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação (Secom) do TRT-2.

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ATSum 1001076-71.2022.5.02.0719 (São Paulo)

PROTEÇÃO DO EMPREGO
TRF-4 mantém lei que impede bombas de autosserviço em postos de combustíveis

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Permitir a instalação de bombas de autosserviço em postos de gasolina impactaria negativamente no mercado do trabalho, atentando contra os valores sociais do trabalho e do pleno emprego, previstos no artigo 1º, inciso IV, da Constituição.

Nesse fundamento, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve sentença da 4ª Vara Federal de Florianópolis, que negou pedido da rede Posto Galo para revogar o artigo 1º da Lei 9.956/2000. O dispositivo proíbe o funcionamento de bombas de autosserviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de combustíveis em todo o país.

Política pública se discute no Legislativo

Para a desembargadora Marga Inge Barth Tessler, relatora da apelação, trata-se de questão de política pública, que deve ser discutida e solucionada na seara legislativa, e não na judiciária – tal como reconheceu o juízo de origem, que não viu nenhuma inconstitucionalidade no referido dispositivo. Ademais, como prevê o inciso XXVII do artigo 7º da Constituição, é direito do trabalhador ser protegido em face da automação.

Desa. Marga Tessler foi a relatora
Foto: TRE-RS/Carlos Contreras

Na percepção da relatora, é inviável, na via adotada, a pretensão de rediscutir a proibição de utilização de bomba de autosserviço em postos de combustíveis. ‘‘Ademais, a pretensão encontra óbice na Súmula Vinculante nº 10, na medida em que a agravante busca, se não declarar expressamente a inconstitucionalidade da Lei nº 9.956/2000, afastar sua incidência no caso, o que violaria a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/88)’’, definiu, prestigiando a sentença.

Os argumentos das partes

Na ação movida em face da Advocacia-Geral da União (AGU), a rede de postos argumentou, em linhas gerais, que a proibição estabelecida pelo dispositivo afronta vários dispositivos da Constituição – especialmente os que protegem a inovação e o direito à liberdade econômica.

Citada pelo juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis, a AGU apresentou contestação. De relevante, arguiu que a Lei 9.956/2000  regulamenta o direito do trabalhador à proteção em face da automação, previsto no artigo 7º, inciso XXVII, da Constituição. Além disso, a Lei garante tratamento isonômico dentro do setor, na medida em que cria regra regulatória capaz de afastar assimetrias de mercado.

Sentença de improcedência

O juiz federal Eduardo Kahler Ribeiro julgou improcedente a ação, por não verificar incompatibilidade entre o disposto no artigo 1º da Lei 9.956/2000 com as normas legais e constitucionais invocadas pela parte autora – notadamente, a Lei 13.874/2019, que instituiu a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica (DDLE); e a Lei de Inovação Tecnológica.

Para Ribeiro, a  regulação do mercado de trabalho promovida pela Lei, ao se preocupar com o desemprego dos trabalhadores do setor, possui conteúdo político, não podendo sofrer de censura por parte do Poder Judiciário. Assim, por essa ótica, a proibição do autosserviço não representa indevido cerceamento à liberdade de iniciativa da parte autora, mas condicionamento legalmente imposto à atividade de venda de combustível, mediante regulação legal.

‘‘Por isso, não identifico razões para declarar a inconstitucionalidade ou a revogação do art. 1º da Lei n º 9.965/2000’’, definiu o juiz sentenciante.

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5013346-43.2022.4.04.7200 (Florianópolis)

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