CUSTÓDIA DE VALORES
Dinheiro de investidor não pertence à corretora falida e pode ser restituído, decide STJ

Ministro Villas Bôas Cueva foi o relator
Foto: Reprodução CJF

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que é possível a restituição, em dinheiro, de valores de titularidade dos investidores que estavam depositados na conta de corretora falida. Para o colegiado, tais valores não chegaram a ingressar no patrimônio da corretora e, por isso, podem ser objeto de pedido de restituição.

Um investidor ajuizou ação judicial para tentar receber o dinheiro que havia depositado para a compra de títulos e valores mobiliários. Segundo o autor, quando a liquidação judicial da corretora foi decretada, ela estava de posse do seu dinheiro.

O juízo de primeira instância negou o pedido, entendendo que o autor assumiu os riscos ao deixar o dinheiro na conta da corretora como se fosse uma conta-corrente, mas o tribunal local determinou a restituição dos valores custodiados pela falida, aplicando o artigo 91, parágrafo único, da Lei 11.101/2005.

No STJ, a massa falida sustentou que os casos de restituição de valores na falência são taxativos, razão pela qual não deveria ser obrigada a restituir os valores em questão. Além disso, afirmou que, quando o investidor fez o depósito, o dinheiro foi efetivamente transferido para a sua conta e ela passou a ter disponibilidade sobre tais recursos, de modo que o investidor deveria ser incluído na falência como credor quirografário.

Corretora apenas executa ordens do investidor

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, disse que, embora as corretoras também sejam consideradas instituições financeiras, elas atuam no mercado de capitais principalmente executando ordens de compra e venda de ativos para seus clientes.

O ministro comentou que, apesar de as corretoras administrarem fundos de investimentos, não agem em nome próprio e não estão autorizadas a realizar financiamentos ou empréstimos.

De acordo com as explicações do relator, ‘‘os investidores não podem operar com valores mobiliários diretamente, sendo necessária a intermediação de uma instituição habilitada, que pode ser uma corretora ou uma distribuidora de títulos, que executará a ordem de compra e venda’’.

Valor na conta da corretora não compõe seu patrimônio

Villas Bôas Cueva ressaltou que a intermediação feita pelas corretoras de valores no mercado de capitais é diferente da realizada pelos bancos comerciais no mercado financeiro em sentido estrito. Conforme destacou, enquanto os valores depositados integram o patrimônio dos bancos, o dinheiro custodiado pelas corretoras não faz parte de seu patrimônio.

Segundo o relator, a jurisprudência do STJ considera que, em caso de falência de instituição financeira, os valores depositados em conta integram seu patrimônio e não podem ser restituídos, pois são uma espécie de empréstimo do correntista ao banco. ‘‘Ocorre a transferência da propriedade dos valores para a instituição financeira, que age em nome próprio’’ ao dispor dos valores depositados – completou.

Por outro lado, o ministro observou que a Súmula 417 do Supremo Tribunal Federal (STF) admite a restituição de recursos financeiros que estejam em poder do falido, embora tenham sido recebidos em nome de terceiros, ou dos quais ele não possa dispor em razão de lei ou contrato.

Desse modo, para Cueva, ‘‘as quantias mantidas em conta de registro podem ser objeto de pedido de restituição na falência, conforme o artigo 85 da Lei 11.101/2005, em razão da ausência de disponibilidade dos valores pela corretora’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2110188

TOLERÂNCIA ZERO
TRT-MG mantém justa causa de caminhoneiro que dirigiu com velocidade superior a 50% do limite

Divulgação JSL

É ato de indisciplina e desídia no desempenho das funções, passível de demissão por justa causa, contrariar norma da empresa que zela pela segurança no trânsito, especialmente se o empregador está inserido no setor de logística, que não pode se expor a riscos desnecessários.

Por isso, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) prestigiou sentença da Vara do Trabalho de Teófilo Otoni (MG) que confirmou a justa causa aplicada a um motorista que conduziu o caminhão da empresa de logística JSL com velocidade superior a 50% do limite estabelecido para a via.

Ao proferir voto condutor no julgamento de segundo grau, o desembargador-relator Paulo Chaves Correa Filho reconheceu que houve mesmo a quebra da confiança necessária para a manutenção da relação de emprego. A justa causa aplicada está prevista no artigo 482, letras ‘e’ e ‘h’ da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Norma de segurança contrariada

No processo, a empregadora alegou que o motorista foi dispensado por justa causa em 5 de maio de 2023, por contrariar norma de segurança expressa no Programa Tolerância Zero, ao conduzir o veículo em velocidade superior a 50% do limite estabelecido para o trecho.

Uma documentação técnica anexada ao processo comprovou o reiterado excesso de velocidade praticado pelo motorista na condução do veículo. Há nos autos, ainda, documento demonstrando que o motorista participou de treinamento sobre limites de velocidade.

Uma testemunha confirmou que já participou de treinamento da empresa sobre a necessidade de respeitar a velocidade indicada nas placas de trânsito. A testemunha informou também que tinha ciência de que a empresa monitorava a velocidade dos caminhões.

Quebra de confiança

Para o magistrado, ao ultrapassar o limite de velocidade, o autor da ação reclamatória permitiu que fosse quebrada a confiança imprescindível ao contrato de trabalho, principalmente considerada a função contratada.

‘‘Assim, é notória a desídia do reclamante ao conduzir o caminhão, sendo certo que a imprudência nas estradas constitui causa de acidentes. Olvidou [esqueceu] o reclamante as orientações da empresa e as normas gerais de segurança, as quais visam principalmente à preservação da integridade física do trabalhador e de terceiros nas rodovias’’, ressaltou o julgador no acórdão.

No entendimento do magistrado, o critério pedagógico de gradação de penalidades não é absoluto, tampouco universal, ‘‘não se aplicando a todo tipo de falta cometida pelo trabalhador’’. Segundo o relator, é possível a ocorrência de faltas que, pela intensa e enfática gravidade, não venham a ensejar gradação na punição, propiciando a aplicação imediata da pena máxima: a dispensa por justa causa.

‘‘Ademais, está presente no caso a imediatidade entre o ato ilícito e a dispensa, sendo razoável o tempo entre a apuração do fato e a dispensa do autor’’, concluiu o desembargador, mantendo a justa causa. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATOrd 0011484-63.2023.5.03.0077 (Teófilo Otoni-MG)

RECONHECIMENTO DE VÍNCULO
TRT-SP fulmina condenação moral de R$ 1 bilhão aplicada à Uber por VT de São Paulo

Uber/Reprodução/TRT-2

O reconhecimento do vínculo de emprego está amparado em direito eminentemente individual heterogêneo, cuja comprovação depende da situação fática de cada trabalhador diante das condições em que o trabalho é prestado, o que não pode ser veiculado via ação civil pública (ACP), pois foge do escopo legal deste instrumento processual.

Assim, considerando a inadequação da via eleita e a ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP), a 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) reformou sentença para extinguir, sem resolver o mérito, uma ACP que pedia o reconhecimento de vínculo empregatício de motoristas cadastrados com a Uber. Para a Turma, o vínculo empregatício deve ser provado por ações próprias de cada trabalhador.

No primeiro grau, a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo havia acolhido os argumentos do MPT-SP e condenado a empresa de tecnologia em danos morais coletivos, no valor histórico de R$ 1 bilhão.

No julgamento, a relatora do caso, juíza do trabalho convocada Patrícia Therezinha de Toledo, explicou que considerar o liame empregatício como único modelo de contratação de motoristas implicaria considerar fraudulentas outras formas de trabalho, como os vínculos por meio de parceria ou via pessoa jurídica – os quais já foram validados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Para a magistrada, o caso analisado trata de direitos individuais heterogêneos, e não homogêneos, como considerou o MPT na petição inicial. Por isso, não seria cabível solução comum a todos os motoristas indistintamente.

Nos direitos individuais heterogêneos – explicou no acórdão que reformou a sentença – um grupo de pessoas possui direitos significativamente distintos lesados, devendo se utilizar de ações individuais. Nos direitos individuais homogêneos, as pessoas possuem direitos extremamente semelhantes lesados, podendo caber ação civil pública.

Da decisão, cabe recurso de revista ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ACPCiv 1001379-33.2021.5.02.0004 (São Paulo)

Assista a sessão de julgamento pelo Youtube: www.youtube.com/watch

ESFORÇOS PARA INCLUSÃO
Empresa que tentou contratar PcDs e não conseguiu preencher a cota afasta condenação

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou pedido do Ministério Público Trabalho da Paraíba (MPT-PB) para condenação da AeC Centro de Contatos S.A. por danos morais coletivos pelo descumprimento, em Campina Grande (PB), da reserva do mínimo de vagas destinadas a pessoas com deficiência (PcDs) ou reabilitadas pela Previdência Social.

Para o colegiado, é indevida a condenação quando ficam comprovados os reiterados esforços, ainda que sem êxito, para preencher as vagas. Conforme as provas do processo, esse foi o caso da AeC.

Contudo, a Turma determinou que a empresa mantenha a reserva do mínimo de vagas destinado a empregados com deficiência ou reabilitados pela Previdência Social. Ela deve promover e comprovar atos de divulgação e convocação para o preenchimento das vagas ainda não ocupadas e a adoção de tecnologias assistivas que permitam a adaptação razoável do ambiente de trabalho às pessoas com deficiência, independentemente do efetivo preenchimento, sob pena de multa mensal de R$ 5 mil.

Número de pessoas com deficiência estava muito abaixo do exigido

Na ação civil pública (ACP), o MPT constatou a irregularidade em 2014. O quadro seguiu. Em 2018, considerando o total de 3.901 empregados em Campina Grande, a AeC deveria contratar 195 pessoas com deficiência ou reabilitadas para atingir a cota legal, mas tinha apenas 14 nessa condição especial.

Segundo a Lei 8.213/1991, a empresa com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência.

Empresa adotou diversas ações para preencher cota

Após decisão do juízo de primeiro grau de negar a indenização, mas determinar o cumprimento da meta, o Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (TRT-13) tirou da condenação a ordem para manter os esforços para preencher as vagas. Segundo o TRT, ficaram comprovadas as medidas tomadas pela AeC nesse sentido, como a publicação de vários anúncios em jornais e a divulgação das vagas pela internet, durante anos seguidos.

A empresa também promoveu campanhas de admissão de PcDs e firmou convênio, em 2018, com uma entidade de inclusão social, para que indicasse pessoas para contratação.

Além disso, testemunhas confirmaram que a empresa promovia políticas afirmativas e adaptação razoável. Segundo depoimentos, na área de atendimento de telemarketing havia módulos específicos de PcDs, e as filiais recebiam links de mais de 200 cursos online para treinamento dessas pessoas e dos demais funcionários.

Esforços afastam dano moral coletivo

O ministro Augusto César, relator do recurso de revista (RR) do MPT, disse que, de acordo com o entendimento do TST, não cabe a condenação ao pagamento de dano moral coletivo quando forem comprovados os reiterados esforços da empresa, ainda que sem sucesso para preencher as vagas destinadas às pessoas com deficiência, porque não há conduta ilícita. Segundo o ministro, não é possível reanalisar as provas firmadas pelo TRT para se chegar a conclusão diferente.

Apesar disso, a decisão determina que os esforços devem ser mantidos, a fim de prevenir eventual descuido da empresa no preenchimento das vagas. Nesse sentido, poderá ser aplicada multa ou outra medida em caso de descumprimento.

A decisão foi unânime. Com informações de Guilherme Santos, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RRAg-319-26.2018.5.13.0009

CONTÁGIO LABORAL
Técnica de enfermagem que contraiu tuberculose e foi despedida após retornar de tratamento será indenizada

Se o hospital não prova que forneceu o equipamento de proteção individual (EPI) para neutralização do risco de exposição a agentes patogênicos, a Justiça deve presumir que o contágio ocorreu no ambiente de trabalho. Como consequência, o empregador fica obrigado a indenizar o empregado que contraiu a doença.

Nesse entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) determinou que a Sociedade Sulina Divina Providência deve indenizar uma técnica de enfermagem que foi despedida após ser afastada do trabalho para tratamento de tuberculose.

Por unanimidade, os magistrados reformaram a sentença da 1ª Vara do Trabalho de Estrela (RS) quanto aos pedidos de indenização por danos morais e materiais (lucros cessantes durante o tratamento) e à dispensa discriminatória. A condenação provisória alcança R$ 80 mil.

A técnica trabalhou entre julho de 2019 e dezembro de 2022 no bloco cirúrgico do hospital. Por três meses, recebeu benefício previdenciário, sem natureza acidentária.

Em contestação, o hospital alegou que apenas sete pacientes foram recebidos com suspeita de tuberculose no período, e que apenas um deles teve o diagnóstico confirmado. Afirmou, também, que todos ficaram em isolamento.

Diante da sentença parcialmente procedente, a trabalhadora recorreu ao TRT-RS.

Desa. Beatriz Renck foi a relatora
Foto: Secom/TRT-4

Nexo causal com o ambiente de trabalho

Embora o laudo pericial não tenha relacionado a doença ao ambiente de trabalho, a relatora do recurso ordinário, desembargadora Beatriz Renck, entendeu que o nexo causal é presumido.

‘‘Ao julgar casos relacionados à Covid, esta relatora firmou entendimento de presunção do nexo causal, sendo enquadrado como profissional o adoecimento do trabalhador que exerce atividades que o expõem ao maior risco de contágio, posicionamento que adoto também no presente caso’’, ressaltou no acórdão.

A magistrada também chamou a atenção para o conteúdo do ‘‘Treinamento Introdutório de Segurança do Trabalho’’, no qual o próprio hospital empregador recomenda o uso de Máscara N95 quando há contato com paciente portador de tuberculose, sarampo, varicela e H1N1. No entanto, o laudo pericial indicou que a trabalhadora recebeu máscara descartável comum como EPI.

‘‘Impõe-se a conclusão de que a reclamante, fazendo uso de máscara descartável comum, não estava suficientemente protegida do bacilo de Koch’’, afirmou a relatora.

O meio ambiente laboral deve ser seguro e saudável

Para a desembargadora, sendo a Constituição centrada na dignidade do ser humano e na valorização social do trabalho, a função social da empresa apenas é efetivamente cumprida, sob os aspectos internos e externos, quando assegurar o meio ambiente de trabalho seguro e hígido, proporcionando o bem-estar dos trabalhadores.

A magistrada ainda destacou o cumprimento das normas de segurança e Medicina do Trabalho (artigo 157 da CLT), como forma de implementar os preceitos e os valores da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho.

Em relação à despedida discriminatória, a desembargadora Beatriz entendeu que, por analogia, aplica-se ao caso a Lei 9.029/95, mesmo que a tuberculose não possua características estigmatizantes ou ensejadoras de preconceito.

‘‘Ainda que a despedida sem justa causa, ausente garantia de emprego específica, seja considerada faculdade do empregador, a ordem jurídica não admite dispensa que seja motivada pelo fato de a trabalhadora ser portadora de doença. Identifico verossimilhança nas alegações de discriminação em razão de que a despedida deu-se três meses após a alta previdenciária’’, concluiu.

Acompanharam o voto da relatora os desembargadores Fernando Luiz de Moura Cassal e Simone Maria Nunes.

Ainda cabe recurso da decisão. Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.

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ATOrd 0020127-05.2023.5.04.0781 (Estrela-RS)