SEGURO D&O
Prática de atos dolosos na gestão de empresa exime seguradora de pagar indenização

Reprodução Reed Smith

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma empresa que tentava obter para seus dirigentes a indenização de seguro D&O (Directors and Officers Liability Insurance). O colegiado considerou o contrato de seguro nulo devido à prática de atos ilícitos dolosos e à prestação de informações falsas à seguradora.

O seguro conhecido como D&O protege administradores de sociedades na hipótese de serem processados em ações de responsabilidade civil por atos de gestão causadores de prejuízos a terceiros. No caso analisado pela Terceira Turma, a empresa recorrente, que contratou o seguro para seus diretores, alegava que a condenação criminal de um deles não poderia prejudicar o direito dos demais à indenização securitária.

Ao julgar a ação de cobrança da indenização, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou o pedido da empresa por considerar que ela agiu de má-fé ao omitir, no questionário enviado à seguradora antes da assinatura do contrato, o fato de estar sob investigação da Securities and Exchange Commission (SEC) nos Estados Unidos – órgão similar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil.

A corte estadual também levou em conta um acordo celebrado entre a empresa e a SEC, no qual foi reconhecida a ocorrência de ato que gerou lucro indevido para a companhia, além de condutas marcadas por desonestidade e infrações criminais; e a condenação ainda não definitiva de um ex-administrador por corrupção ativa em transação comercial internacional.

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/TSE

Seguro não pode ter como objeto atividade ilícita

A ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, afirmou que o seguro D&O tem como objetivo proteger contra erros de gestão, e não acobertar condutas criminosas. Ela mencionou que, pelo artigo 762 do Código Civil, o contrato é nulo quando o sinistro decorre de ato doloso do segurado ou do beneficiário.

‘‘O seguro não pode ter como objeto atividade ilícita, assim como o seguro de objeto lícito não pode converter-se em sinistro em decorrência de conduta deliberada do segurado, beneficiário ou representante destes’’, declarou.

De acordo com a ministra, a jurisprudência da Terceira Turma considera que o seguro D&O somente possui cobertura para atos culposos de diretores, administradores e conselheiros praticados no exercício de suas funções. ‘‘Atos fraudulentos e desonestos de favorecimento pessoal e práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado de capitais não estão abrangidos na garantia securitária’’, pontuou.

Além disso, a relatora observou que, como foi a empresa que contratou o seguro e como ficou provado o cometimento doloso de atos fraudulentos que não podem ser abrangidos pela cobertura, ‘‘o contrato de seguro é nulo, não podendo ser aproveitado em favor de quaisquer dos segurados’’.

Informações inexatas dispensam seguradora de pagar indenização

Quanto à omissão de informações à seguradora, Nancy Andrighi destacou que o risco é calculado a partir do questionário respondido pela contratante do seguro, o qual deve conter respostas claras e verdadeiras. ‘‘A partir dessa lógica, o artigo 766 do Código Civil determina que, se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia’’, concluiu.

No julgamento, a Terceira Turma entendeu também que uma decisão judicial estrangeira pode ser utilizada como prova mesmo sem ter sido homologada pelo STJ, pois servirá apenas para o convencimento do juiz, e não como título executivo ou coisa julgada. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 202402041707

DISCRIMINAÇÃO
Súper é condenado a pagar R$ 37 mil após desistir de contratar trabalhadora transgênero

Reprodução TRT-SC

Uma mulher transgênero vai receber R$ 37 mil de indenização de uma rede de supermercados que desistiu de empregá-la, mesmo após ela ter sido aprovada em todas as fases do processo seletivo e assinado o contrato de trabalho.

A decisão foi tomada pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina), que considerou que a negativa de admissão estava relacionada à identidade de gênero da trabalhadora, caracterizando discriminação.

O caso aconteceu em Tubarão, sul do Estado. De acordo com o que foi relatado no processo, a mulher entregou seu currículo para a vaga de repositora e, na sequência, foi aprovada na entrevista, submetendo-se ao exame admissional.

Enquanto isso, a ré abriu uma conta bancária no nome da trabalhadora, com a intenção de realizar o depósito do salário. No entanto, ao se dirigir à empresa para tirar a foto do crachá, a mulher foi informada por um representante da rede de que não havia mais vaga disponível.

Decisão de primeiro grau

Na primeira instância, o juízo responsável pelo caso na 1ª Vara do Trabalho de Tubarão não reconheceu a discriminação de gênero e negou o pedido de indenização.

Ele considerou que não havia provas suficientes que ligassem a negativa de emprego na última fase do processo à condição de transgênero da reclamante. Isso porque, em sua análise, a empresa sabia da identidade de gênero da requerente durante todo o processo admissional.
Vitória no segundo grau

Inconformada com o desfecho, a autora da ação recorreu ao Tribunal, reiterando seus argumentos. Na 1ª Turma, a relatora do caso, desembargadora Maria de Lourdes Leiria, optou por modificar a decisão anterior.

‘‘Acontece que o procedimento de admissão é complexo, requerendo várias etapas, cuja realização de cada uma até a decisão final de contratação não significa que estão sob a competência da mesma pessoa’’, explicou a magistrada.

A relatora complementou que a comprovação das etapas concluídas pela autora e a subsequente negativa, associada à sua identidade de gênero, configuravam discriminação, de acordo com o artigo 1º da Lei 9.029/95.

O acórdão ainda ressaltou que a empresa reclamada não compareceu ao processo para se defender. Isso resultou na aplicação de ‘‘revelia e confissão ficta’’, de acordo com o artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), presumindo-se verdadeiros os fatos alegados na petição inicial.

Indenização

Como resultado da conduta da parte ré, ficou estabelecido que a trabalhadora deveria ser indenizada por danos morais na quantia de R$ 30 mil.

Lourdes Leiria ressaltou que a dispensa não apenas frustrou o ‘‘direito social ao trabalho’’, mas também afetou a dignidade da autora enquanto pessoa, aspectos garantidos pela Constituição Federal.

Além disso, a ré deverá pagar R$ 7 mil a título de danos materiais, correspondentes ao lucro cessante decorrente da promessa não cumprida. Isso porque, ao abrir a conta bancária e dar sequência ao processo de admissão, a rede de supermercados efetivamente criou uma expectativa legítima de vínculo empregatício. A frustração dessa expectativa resultou em perdas financeiras que, conforme a legislação, são passíveis de compensação.

Não cabe mais recurso da decisão do TRT-SC. Com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12.

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ATSum 0000955-52.2023.5.12.0006 (Tubarão-SC)

COMÉRCIO ELETRÔNICO
Mercado Livre vai pagar R$ 20 mil de danos morais por desviar clientes da Verisure no segmento de alarmes

Foto: Divulgação/Verisure

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A plataforma de comércio eletrônico Mercado Livre não pode mais utilizar a palavra-chave Verisure em anúncios, publicidade ou propaganda contratados em serviços de busca na internet associados à venda de produtos de marcas concorrentes.

A condenação, imposta pela 1ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem do Foro Central da Comarca de São Paulo, foi confirmada pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que manteve, inclusive, o valor da condenação em danos morais pela prática de aproveitamento parasitário da marca Verisure: R$ 20 mil. O quantum pelos danos materiais será apurado em sede de liquidação de sentença.

Compra da palavra-chave no Google ADS

O juízo de origem constatou que a palavra-chave correspondente à marca das autoras da ação indenizatória – Verisure SARL e Verisure Monitoramento de Alarmes S/A – foi comprada na plataforma Adwords, do Google ADS, e estava sendo utilizada para promover os anúncios do Mercado Livre. Os consumidores foram induzidos a erro na medida em que, ao abrirem o link patrocinado com a palavra Verisure, se deparavam com grande quantidade de produtos que nada tinham a ver com a marca original.

‘‘Dessa forma, está caracterizada a violação ao direito de uso exclusivo da marca das autoras, devido ao uso de marca alheia de forma parasitária’’, anotou na sentença a juíza Larissa Gaspar Tunala.

Segundo a julgadora, não haveria problema algum caso o Mercado Livre comprasse a palavra-chave para enaltecer os produtos da marca das autoras da ação, por ele comercializados, direcionando a busca aos sites em que vendidos estes produtos.

Direcionamento extensivo a produtos sem a marca registrada

‘‘O problema está em que, ao fazer isso, não há direcionamento exclusivo aos produtos da autora, e sim a outros, gerando a concorrência desleal, pois associado o nome da autora a produtos a ela não pertencentes. E uma vez reconhecida a violação dos direitos de propriedade industrial, são procedentes os pedidos da autora’’, concluiu.

Em agregação aos fundamentos da sentença, o relator da apelação no TJSP, J. B. Paula Lima, disse que a indexação da marca se deu dentro do próprio site da Verisure, ‘‘de forma clara e consciente’’, com o objetivo de potencializar o alcance dos produtos anunciados pelo Mercado Livre.

‘‘Tal conduta configura o crime de concorrência desleal, na medida em que apelante [Mercado Livre] emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem, bem como usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos (artigo 195, incisos III e IV, da Lei nº 9.279/96)’’, fulminou o relator no acórdão.

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1046865-55.2023.8.26.0100 (São Paulo)

 

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LIMINAR
Rumo tem de fornecer água, comida e banheiros a caminhoneiros parados em Rondonópolis (MT)

Reprodução TRT-23

Uma decisão liminar da Justiça do Trabalho de Mato Grosso obriga a empresa Rumo Malha Norte, a maior operadora de ferrovias do Brasil, a fornecer água, alimentação e banheiros químicos aos caminhoneiros que aguardam há mais de cinco horas na fila de descarregamento ao longo da BR-163, em Rondonópolis (MT).

A determinação partiu da juíza Michelle Saliba, da 1ª Vara do Trabalho de Rondonópolis, atendendo a um pedido do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas do Transporte Terrestre de Rondonópolis e Região (STTRR). Em caso de descumprimento, a empresa pagará multa diária de R$ 200 mil.

O Sindicato acionou a Justiça, denunciando que caminhoneiros aguardam até quatro dias para o descarregamento sem infraestrutura básica. Durante esse período, eles permanecem sem acesso à água potável, alimentação ou banheiros, estacionados em longas filas à margem da rodovia.

A entidade argumentou que a negligência da empresa compromete não apenas a saúde e a segurança dos motoristas, mas também impacta toda a cadeia de transporte rodoviário, com filas que chegaram a 10 quilômetros de extensão, formando um engarrafamento ao longo da BR-163.

Condições degradantes

Ao analisar o pedido, a juíza apontou que a situação vivida pelos caminhoneiros no carregamento e descarregamento no terminal da empresa é de conhecimento público, sendo que na última semana o problema se intensificou. A magistrada ressaltou que, independentemente de os motoristas serem contratados diretamente pela Rumo, a empresa não pode se eximir da responsabilidade de garantir um ambiente de trabalho seguro e adequado.

Ela também frisou que a fila de caminhões transformou-se em uma extensão do pátio da empresa, deixando centenas de motoristas à mercê de condições degradantes.

‘‘É dever da requerida manter um ambiente de trabalho saudável e seguro a todos trabalhadores que atuam no terminal ou que aguardam nas filas para carregar e descarregar os seus veículos, seja os trabalhadores empregados que (empregados diretos e terceirizados), seja prestam serviços para a empresa’’, afirmou no despacho liminar.

Condições subumanas

Além do perigo que a situação causa na rodoviária, a juíza apontou que os motoristas estão em condições subumanas, sem acesso a locais adequados para realizar necessidades básicas, comprar água ou se alimentar.

‘‘Ainda que alguns caminhões sejam equipados com utensílios para preparo de alimentos, é certo que a água potável e os mantimentos transportados pelos caminhoneiros não são suficientes para um período de espera tão prolongado, que ultrapassa o limite legal de cinco horas’’, afirmou.

Por fim, a juíza concedeu a tutela de urgência antecipativa, determinando que a empresa forneça, no prazo de uma hora após a notificação, água potável a todos os caminhoneiros que aguardam por mais de cinco horas na fila. O fornecimento de alimentação (café da manhã, almoço e jantar) e a disponibilização de banheiros químicos em até seis horas após a notificação.

A decisão se aplica a toda a extensão da fila, independentemente de os motoristas estarem dentro dos pátios da empresa ou ao longo da BR-163. Com informações de Aline Cubas, da Secretaria de Comunicação Social do TRT-23. 

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TutAntAnt 0000082-30.2025.5.23.0021 (Rondonópolis-MT)

RECUPERAÇÃO JUDICIAL
O stay period os efeitos da suspensão das execuções contra a empresa, segundo o STJ

Banco de Imagens STJ

​Para viabilizar a recuperação da empresa que passa por dificuldades financeiras ou estruturais, a Lei de Recuperação e Falência (LRF) – que completa 20 anos neste domingo (9/2) – adotou o mecanismo de suspensão temporária das execuções, conhecido como blindagem ou stay period. Como consequência dessa suspensão, ficam impedidos quaisquer atos de constrição sobre o patrimônio da sociedade em recuperação, possibilitando algum fôlego para que ela se reorganize e supere o período de crise.

De acordo com o artigo 6º da Lei 11.101/2005, o prazo do stay period é de 180 dias, prorrogável por igual período em caráter excepcional, por uma única vez. Essa possibilidade de prorrogação, que não estava prevista no texto original da LRF, foi incluída pela Lei 14.112/2020 com base em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como o CC 112.799.

Controvérsias sobre a extensão e as consequências do stay period são comuns nos julgamentos do STJ. Entre os pontos já analisados pelo tribunal, estão a possibilidade de penhora de bens no período de blindagem e o alcance da competência do juízo da recuperação.

Stay period possibilita negociação entre o devedor e seus credores

Segundo o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o benefício do stay period é um dos pontos mais importantes do processo de recuperação judicial. ‘‘Essa pausa na perseguição individual dos créditos é fundamental para que se abra um espaço de negociação entre o devedor e seus credores, evitando que, diante da notícia do pedido de recuperação, se estabeleça uma verdadeira corrida entre os credores, cada qual tentando receber o máximo possível de seu crédito, com o consequente perecimento dos ativos operacionais da empresa’’, disse, ao julgar o CC 168.000.

A medida acautelatória, afirmou, busca assegurar a elaboração e a aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores ou, ainda, a paridade nas hipóteses de rejeição do plano e decretação da falência.

Competência do juízo da falência para suspender os atos expropriatórios

Nesse cenário, o juízo da recuperação é o competente para avaliar a suspensão dos atos expropriatórios de bens da empresa em recuperação, inclusive nas execuções fiscais, bem como para avaliar se estão presentes os requisitos para a concessão de tutela de urgência com o objetivo de antecipar o início do stay period – conforme decidiu a Segunda Seção no julgamento do CC 168.000.

O conflito foi suscitado por uma empresa em recuperação judicial em razão do conflito entre decisões do juízo da recuperação e do juízo federal no qual tramitavam execuções fiscais. Esse último juízo havia designado a realização de leilões de três imóveis, mas eles foram suspensos por determinação do primeiro juízo.

De acordo com o ministro Cueva, ainda que as execuções fiscais não se suspendam com o processamento da recuperação judicial (artigo 6º, parágrafo 7º, da Lei 11.101/2005), a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que os atos expropriatórios devem ser submetidos ao juízo da recuperação, em respeito ao princípio da preservação da empresa.

No caso em julgamento, o colegiado entendeu que o juízo da recuperação não extrapolou os limites de sua competência ao suspender os atos de constrição determinados nas execuções fiscais em análise.

Prazo do stay period é contado em dias corridos

As turmas de direito privado do tribunal concluíram que o prazo de 180 dias do stay period deve ser contado em dias corridos, mesmo após a vigência do Código de Processo Civil (CPC) de 2015. Com esse entendimento, a Terceira Turma deu provimento ao REsp 1.698.283, interposto por um banco credor, para determinar que o prazo usufruído por uma empresa em recuperação fosse de 180 dias corridos, reservada ao juízo competente a possibilidade de prorrogação, se necessária.

Na origem, o juízo de direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Aparecida de Goiânia (GO) deferiu o pedido de recuperação de uma empresa de fertilizantes e ordenou a suspensão de todas as execuções contra ela por 180 dias úteis. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) manteve essa decisão, ao compreender que o CPC/2015 modificou o cômputo dos prazos processuais para dias úteis.

Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso do banco no STJ, a forma de contagem em dias úteis, estabelecida pelo CPC/2015, só se aplica a prazos da Lei 11.101/2005 que tenham natureza processual e desde que a norma se compatibilize com a lógica temporal adotada pelo legislador na LRF.

‘‘O stay period reveste-se de natureza material, nada se referindo à prática de atos processuais ou à atividade jurisdicional em si, devendo sua contagem dar-se, pois, em dias corridos”, afirmou o relator.

Bellizze destacou que os prazos diretamente relacionados ao stay period devem se conformar com o modo de contagem contínuo, a fim de se alinhar à lógica temporal do processo de recuperação imposta pelo legislador.

Limites da competência do juízo da recuperação

Para a Segunda Seção, após o fim do período de blindagem, a execução de crédito trabalhista extraconcursal deve prosseguir normalmente perante o juízo trabalhista, sendo vedado ao juízo da recuperação controlar os atos constritivos daquele processo, pois a sua competência se limita ao sobrestamento de ato constritivo que incida sobre bem de capital.

A decisão foi tomada na análise do CC 191.533, entre a 1ª Vara Cível de Campo Verde e a Vara do Trabalho de Primavera do Leste, ambas em Mato Grosso.

Um trabalhador requereu a execução de sentença transitada em julgado, mas teve seu pedido indeferido pela magistrada da Vara do Trabalho de Primavera do Leste. A juíza entendeu que, como a empresa executada estava em recuperação, a execução deveria ocorrer no juízo falimentar, pois essa competência persistiria enquanto o processo de recuperação estivesse em andamento, independentemente da natureza concursal ou extraconcursal do crédito.

O trabalhador, então, requereu a habilitação de seu crédito na recuperação da empresa, em curso na 1ª Vara Cível da Comarca de Campo Verde. No entanto, o juiz negou a habilitação, argumentando que o crédito reconhecido na ação trabalhista, posterior ao pedido de recuperação, tinha natureza extraconcursal. Diante disso, o trabalhador suscitou o conflito de competência (CC) no STJ.

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, após a Lei 14.112/2020, não há mais espaço para a interpretação de que o juízo da recuperação tem competência universal para decidir sobre qualquer medida relacionada à execução de créditos que não fazem parte do processo de recuperação (extraconcursais), ao argumento de que isso seria essencial para o desenvolvimento das atividades da empresa, especialmente após o fim do stay period.

Conforme exposto pelo ministro, o juízo da recuperação passou a ter competência específica para suspender atos de constrição em execuções de créditos extraconcursais que recaiam sobre bens de capital essenciais à continuidade das atividades empresariais durante o stay period. Já no caso de execuções fiscais, alertou, a competência desse juízo se limita a substituir a constrição sobre bens de capital essenciais à atividade empresarial, até o encerramento da recuperação.

‘‘Uma vez exaurido o período de blindagem – com a concessão da recuperação judicial, e a novação das obrigações sujeitas ao plano de recuperação –, é absolutamente necessário que o credor extraconcursal tenha seu crédito devidamente equalizado no âmbito da execução individual, não sendo possível que o juízo da recuperação continue, após tal interregno, a obstar a satisfação do crédito, com suporte no princípio da preservação da empresa, o qual não é absoluto’’, manifestou-se o ministro Marco Aurélio Bellizze no CC 191.533.

Término da blindagem não possibilita apreensão de bens essenciais à empresa

A jurisprudência do tribunal também é pacífica no sentido de que o término do stay period, por si só, não abre automaticamente a possibilidade de constrição judicial sobre bens essenciais à manutenção da empresa, sob pena de se subverter o objetivo do procedimento recuperacional.

No julgamento do REsp 2.061.093, a Quarta Turma negou o pedido de credores fiduciários para apreender máquinas industriais de uma empresa em recuperação.

Segundo o relator, ministro Raul Araújo, os colegiados de direito privado do STJ entendem que, embora o credor fiduciário não se submeta aos efeitos da recuperação, o juízo universal é competente para avaliar se o bem é indispensável à atividade produtiva da recuperanda.

Nessas hipóteses, alertou, não se permite a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade (artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005). Reportagem especial da Assessoria de Imprensa do STJ.

CC 168000

REsp 1698283

CC 191533

REsp 1991103

REsp 2061093