GARANTIA DE CRÉDITO
Arrendatário com direito à indenização por benfeitorias não pode reter o imóvel após o despejo

Ministra Nancy Andrighi, Foto: Agência CNJ

O arrendatário rural que tem direito à indenização por benfeitorias úteis e necessárias não pode exercer o direito de retenção após ter sido despejado do imóvel por decisão judicial. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O entendimento foi firmado no julgamento de um caso em que, após o fim do contrato de arrendamento rural, os proprietários da terra notificaram a empresa ocupante sobre a retomada do imóvel. Sem acordo sobre a indenização pelas benfeitorias realizadas, foi ajuizada ação de despejo, e a empresa arrendatária, em resposta, propôs ação declaratória para garantir a posse até o pagamento das melhorias.

Liminar concedida aos proprietários em primeira instância determinou a desocupação do imóvel, medida que foi devidamente cumprida. Anos depois, o juízo reconheceu o direito da empresa à indenização pelas benfeitorias, mas negou o direito de retenção, sob o argumento de que a posse já havia sido perdida bastante tempo antes e que eventual reintegração causaria tumulto no uso regular da propriedade. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) confirmou a decisão, sustentando que a restituição do imóvel era irreversível e que existiriam meios menos gravosos para assegurar o crédito da empresa.

Retenção é uma garantia do pagamento da indenização

Ao recorrer ao STJ, a empresa alegou violação do artigo 95, inciso VIII, do Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964), e do artigo 1.219 do Código Civil (CC), defendendo que o reconhecimento do direito à indenização implica, necessariamente, a possibilidade de exercício do direito de retenção.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, destacou que o artigo 1.219 do CC assegura ao possuidor de boa-fé o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, além de permitir o levantamento das voluptuárias que não lhe forem pagas, desde que possa fazê-lo sem causar danos. Tratam-se de benfeitorias que visam o embelezamento, conforto ou recreio, sem aumentar a utilidade do imóvel arrendado.

A ministra ressaltou que o dispositivo também confere ao possuidor o direito de retenção pelo valor das benfeitorias, o que funciona como uma forma de garantia do cumprimento da obrigação.

Sem a posse, falta o requisito essencial que fundamenta a garantia da retenção

Contudo, a relatora enfatizou que o direito de retenção pressupõe a posse atual do imóvel, sendo prerrogativa exclusiva do possuidor de boa-fé. Ao citar os artigos 1.196 e 1.223 do CC, Nancy Andrighi esclareceu que, mesmo quando a perda da posse ocorre por decisão judicial, há a cessação dos poderes inerentes à propriedade, o que afasta a possibilidade de exercer o direito de retenção. Segundo ela, sem a posse, falta o requisito essencial que fundamenta essa garantia.

Por fim, a ministra esclareceu que nem o Código Civil nem o Estatuto da Terra autorizam que o antigo arrendatário, já desalojado do imóvel, retome a posse para assegurar o pagamento das benfeitorias. Segundo afirmou, a legislação condiciona o direito de retenção à continuidade da posse, não prevendo qualquer hipótese de reintegração como meio de garantir o crédito indenizatório.

‘‘Portanto, o direito de retenção somente pode ser exercido por quem é possuidor de boa-fé. Aquele que perde a posse, mesmo que contra a sua vontade, deixa de fazer jus a esta garantia legal. Isso, contudo, não obsta o direito do antigo possuidor de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis’’, conclui ao negar provimento ao recurso especial. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2156451

VÍCIO OCULTO
Samsung é condenada a substituir smartwatch que apresentou defeito após a garantia legal

Divulgação Samsung

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz que o fornecedor responde pelos vícios de qualidade do produto, podendo o consumidor exigir a troca de suas partes defeituosas – no prazo máximo de 30 dias – ou a sua substituição por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso.

Em consequência do clássico fundamento, o 5º Juizado Especial Cível (JEC) do Foro Central da Comarca de Porto Alegre condenou a Samsung Eletrônica da Amazônia a substituir um relógio Galaxy Smartwatch 5 por outro idêntico, no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 100. E, ainda, a reembolsar o advogado Marcelo de Aguiar das despesas com o orçamento.

Smartwatch, ou relógio inteligente, é um dispositivo portátil usado no pulso que vai muito além de apenas mostrar a hora. Ele oferece uma variedade de funcionalidades, desde o monitoramento da saúde – frequência e ritmo cardíaco – e atividades físicas até a gestão de notificações e comunicação.

Negativa da Samsung 

O advogado porto-alegrense, autor da ação consumerista, adquiriu o aparelho em 27 de maio de 2023, ao custo de R$ 1,2 mil, mas deixou de utilizá-lo após 14 meses de uso, quando parou de carregar. Por estar fora do prazo legal de garantia, a assistência técnica da Samsung exigiu R$ 849 para realizar o conserto – troca do display, placa principal e tampa.

Como advogado não concordou em fazer o pagamento, resolveu buscar os seus direitos na Justiça. E o fez, invocando a questão da expectativa de duração do produto de marca reconhecida, bem como o vício oculto – o que ficou claro no processo.

Vício oculto

‘‘Verifica-se que se trata de relação de consumo, uma vez que a Ré é fornecedora de produtos em massa (Art. 3º, do CDC) e a parte Autora é consumidora de tais produtos como destinatária final (Art. 2º, do CDC), existindo alegação de falha na prestação do serviço pela Ré, em virtude do não oportuno atendimento do pedido de solução do vício apresentado no produto adquirido. Destarte, aplicam-se ao caso vertente as normas do CDC’’, pontuou, na proposta de sentença, a juíza leiga Nathalie Vanessa Castaneda Furquim Trombin.

Citando o artigo 26 do CDC, inciso II, a julgadora esclareceu que o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em 90 dias, tratando-se de produtos duráveis. Entretanto, o parágrafo 3º do mesmo dispositivo diz que, tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial tem início quando evidenciado o defeito. No caso dos autos, a assistência técnica constatou o defeito em setembro de 2024 – o que deu motivo para a ação judicial.

‘‘Em casos semelhantes, a jurisprudência vem adotando o entendimento de que em se tratando de vício oculto de produto não sanado dentro do prazo legal são abertas as opções legais ao consumidor para substituição do produto/reembolso/abatimento’’, concluiu a julgadora. A proposta de sentença acabou homologada pela juíza de direito concursada Ângela Roberta Paps Dumerque.

Da sentença, cabe recurso inominado (espécie de apelação) que, se interposto, será julgado por três juízes do próprio JEC.

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5236939-08.2024.8.21.0001 (Porto Alegre)

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FRAUDE NO REGISTRO
Filha não consegue provar vínculo de emprego com a empresa do pai no interior de São Paulo

Foto: Funtrab/Divulgação

A 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15, Campinas-SP) negou provimento ao recurso de uma mulher que alegou a existência de vínculo empregatício com uma empresa do ramo de varejo de roupas e acessórios, onde teria trabalhado por seis anos, de 2017 a 2023. Além do vínculo, ela também pediu o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho.

A reclamante não se conformou com a negação da empresa, que é de propriedade de seu pai, uma vez que, segundo ela, conseguiu demonstrar os requisitos legais do ‘‘vínculo’’. Além disso, a reclamada ‘‘sequer negou a prestação de serviços’’, afirmou na petição inicial. Em sua defesa, a empresa alegou que a reclamante fraudou o registro do vínculo empregatício em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

As testemunhas foram ouvidas. A da autora disse não saber quem assinou fisicamente a carteira, mas garantiu que quem a pediu e entregou assinada foi o próprio pai da reclamante, dono da empresa. Já os outros depoentes, pela empresa, negaram o vínculo. Disseram que a mulher apenas frequentava esporadicamente o local, quando ‘‘aguardava a saída de sua esposa’’ que ali trabalhava, ou quando atendia ao pedido do pai para ajudar com alguma dúvida de ‘‘informática’’.

Segundo uma dessas testemunhas, a postulante chegou a receber para o desenvolvimento de um site da empresa, tarefa que ela levou quase dois anos para concluir. Entretanto, antes de terminar o serviço, ela mandou e-mail dizendo que ia interromper o trabalho, por ter sido ‘‘vítima de homofobia’’ e apagou todo o material que estava em desenvolvimento”.

Outra testemunha negou que a autora da ação tenha trabalhado na empresa em 2017, como foi alegado. Um terceiro depoente, que atuou como contador na reclamada do final de 2016 até meados de 2023, também negou ter feito o registro do contrato de trabalho na CTPS.

Para o relator do acórdão, desembargador José Carlos Ábile, de acordo com a prova fornecida, nela incluídas as conversas de WhatsApp, houve de fato, a partir de 21/9/2018, a prestação de serviços à empresa, inclusive o de gerenciamento do site e das redes sociais da reclamada. Porém, no período compreendido até 20/9/2018, a prova fornecida não demonstra realmente a prestação de serviços, afirmou.

Sobre a fraude alegada pela empresa, o colegiado ressaltou que a perícia grafotécnica designada concluiu que as assinaturas que constam na CTPS da autora não correspondem àquelas utilizadas como padrões de confronto dos sócios da reclamada. Além disso, as informações do Boletim de Ocorrência contrariam o relato da petição inicial e a informação que consta na CTPS, segundo o qual a trabalhadora relata que ‘‘trabalhava na loja de seu genitor há seis anos, ou seja, desde 2017 (e não em 2014, conforme consta na CTPS)’’.

O acórdão concluiu, assim, que ‘‘não havia mesmo como acolher a relação de emprego no período anterior a 21/9/2018’’. Em relação ao período posterior a essa data, ‘‘a simples prestação de serviços não é suficiente para o reconhecimento do vínculo empregatício’’, até porque ‘‘existem outras modalidades de trabalho, distintas do vínculo de emprego’’, afirmou.

No caso julgado, o colegiado ressaltou que ‘‘no período em questão não havia controle de jornada, estipulação de metas ou mesmo o exercício de poder disciplinar por parte da reclamada’’, concluindo que ficou ‘‘evidente que, no período em questão, a reclamante prestou serviços de forma autônoma’’. Com informações da Coordenadoria de Comunicação Social do TRT-15.

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ATOrd 0010842-49.2024.5.15.0133 (S. J. do Rio Preto-SP)

PRESUNÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO
Professora despedida no dia útil seguinte ao retorno da licença médica ganhará dano moral

Rede Romano de Educação

A dispensa de uma professora diagnosticada com cardiopatia, no início do semestre letivo e no dia útil seguinte ao retorno de licença por atestado médico, demonstra suficientemente o caráter discriminatório da despedida.

Foi o que decidiu a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) ao reconhecer a despedida discriminatória de uma professora do Colégio Romano São José (Associação Dom Edmundo Luís Kunz) no dia útil seguinte ao retorno de uma licença médica por três dias. Por maioria de votos, os desembargadores reformaram a sentença da 4ª Vara do Trabalho de Canoas e fixaram a indenização por danos morais em R$ 10 mil.

Entre fevereiro de 2019 e agosto de 2022, a docente deu aulas na educação infantil da escola. De março a julho, ela ficou afastada do trabalho, em benefício previdenciário, para se recuperar de uma cirurgia cardíaca. No mês seguinte, a professora apresentou um novo atestado médico, desta vez para afastamento do trabalho de 10 a 12 de agosto.

O termo de rescisão indicou que a dispensa imotivada aconteceu no dia 15 daquele mês, primeiro dia útil posterior ao final do atestado. Outros documentos anexados ao processo, no entanto, indicaram que houve um primeiro aviso prévio datado do dia 11, no período do atestado.

Em sua defesa, a instituição de ensino  afirmou que não havia no processo laudo médico ou atestado com Código Internacional de Doenças (CID) que declarasse a existência de enfermidade grave, mas documentos juntados pela própria escola confirmaram a ciência da cardiopatia.

A partir das provas, o desembargador Raul Zoratto Sanvicente considerou que o caso se enquadra nas hipóteses da Lei 9.029/95, que veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de deficiência, reabilitação profissional, idade ou outros.

Para o magistrado, ainda que a doença da reclamante não cause, por si só, discriminação e estigma, em princípio não se tratando do caso previsto na Súmula 443 do TST, com presunção discriminatória e inversão do ônus da prova, a despedida no dia seguinte ao retorno de atestado médico e menos de um mês do retorno de afastamento previdenciário presume-se discriminatória.

‘‘Tenho entendido, além disso, que a despedida de empregado pouco tempo depois de retorno de afastamento previdenciário ou de licença por atestado médico, ainda que não se trate de doença estigmatizante, gera a presunção de despedida discriminatória, a ser desfeita por prova em contrário, inexistente no caso dos autos’’, salientou o magistrado.

O voto prevalecente ainda destacou outra situação peculiar à profissão: a despedida no início de semestre. O desembargador Sanvicente destacou, neste aspecto, diversos julgamentos consolidados do TST.

‘‘Entende-se que a dispensa do professor no início do semestre letivo, sem justa causa, consiste em abuso do poder diretivo e configura ato ilícito do empregador, porquanto efetivada em momento em que já estabelecido o corpo docente das instituições de ensino’’, afirmou o magistrado.

A desembargadora Rosane Serafini Casa Nova acompanhou o voto do desembargador Raul. Também participou do julgamento o juiz convocado Ary Faria Marimon Filho.

A escola recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) por meio de recurso de revista (RR). Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-4. 

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ATOrd 0021187-32.2022.5.04.0204 (Canoas-RS)

PENHORA
Hipoteca posterior prevalece sobre promessa de compra e venda de imóvel comercial sem registro

Ministro Antonio Carlos Ferreira foi o relator
Foto: Imprensa/STJ

​Diante da ausência de registro público da promessa de compra e venda de um imóvel comercial, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a penhora determinada em cumprimento de sentença movido por uma imobiliária – terceira de boa-fé que recebeu a propriedade como garantia real.

De acordo com o processo, a compradora do imóvel opôs embargos contra a imobiliária, alegando que, juntamente com o ex-cônjuge, adquiriu o imóvel comercial em 2007. A transação foi formalizada por contrato particular de promessa de compra e venda.

Contudo, em 2018, ao consultar o registro de imóveis, ela verificou que havia uma hipoteca na propriedade em favor da imobiliária, feita em 2009, pois fora dada em garantia pela antiga proprietária.

O juízo de primeiro grau acolheu os embargos, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que a hipoteca posterior deveria prevalecer sobre o contrato de promessa de compra e venda não registrado.

Hipoteca sobre imóvel comercial e residencial

Segundo o relator do recurso na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, não se aplica ao caso a Súmula 308 do STJ, pois o enunciado se refere aos contratos submetidos ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), em que a hipoteca recai sobre imóvel residencial.

O ministro lembrou que ambas as turmas de direito privado do tribunal entendem que, mesmo nos imóveis comerciais, ‘‘a hipoteca outorgada pela construtora ao agente financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e venda não tem eficácia em relação ao promissário comprador’’.

Entretanto, ele ressaltou que, nos julgamentos em que foi adotado esse entendimento, não se examinou a falta de registro público da promessa de compra e venda realizada antes da hipoteca, como no presente caso.

Direito real do promitente comprador só se aperfeiçoa perante terceiros com o registro

Na avaliação do ministro, a ausência de registro é o ponto central da controvérsia, uma vez que, para o STJ, a propriedade do imóvel só se transfere com esse procedimento.

‘‘Antes desse registro, existe apenas um direito pessoal ou obrigacional entre as partes que celebraram o negócio jurídico de promessa de compra e venda. Somente com o registro é que se cria um direito oponível a terceiros (efeito erga omnes) em relação à transferência do domínio do imóvel’’, disse.

De acordo com Antonio Carlos Ferreira, o direito real do promitente comprador apenas se aperfeiçoa perante terceiros de boa-fé com o regular registro do contrato público ou particular no tabelionato de imóveis.

Para o relator, a boa-fé da imobiliária é fato incontroverso, pois ela não tinha como saber que o imóvel não pertencia mais à devedora. A promessa de compra e venda, explicou, vincula as partes contratantes, mas a falta de registro torna o contrato ineficaz perante terceiros de boa-fé. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 2141417