DESCONFORTO PSICOLÓGICO
TRT-GO anula sentença que aplicou confissão ficta a empresária que faltou à audiência por crise de pânico

O parágrafo 1º do artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) diz que, na ocorrência de ‘‘fato relevante’’, o juiz poderá suspender o julgamento, designando nova audiência. E o tal ‘‘motivo relevante’’ pode ser aferível de diversas formas pelo julgador – e não exclusivamente por meio de atestado médico.

Com isso, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18, Goiás) reconheceu que houve cerceamento de defesa e anulou sentença da 12ª Vara do Trabalho de Goiânia que havia aplicado a confissão ficta a uma empresária em razão de ter faltado à audiência em que deveria depor.

O caso será remetido à origem para designação de uma nova audiência de instrução, após a comprovação de que a sócia-proprietária da empresa não pôde comparecer à audiência devido a uma crise de pânico no caminho para o Tribunal.

Crises de choro, ansiedade e medo

Consta nos autos que, no dia seguinte à audiência, a defesa da parte reclamada apresentou atestado emitido por uma psicóloga no qual declara que a empresária apresentava sintomas de ‘‘síndrome do pânico e medo e crise de choro, bem como ansiedade’’.

No entanto, o juiz Helvan Domingos Prego aplicou a Súmula 122 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que exige a apresentação de atestado médico que declare expressamente a impossibilidade de locomoção do empregador. Dessa forma, ao considerar que a ausência não foi devidamente justificada, aplicou a confissão ficta – quando uma parte não comparece a uma audiência, não apresenta defesa nem impugna os fatos narrados pela parte reclamante.

Desa. Kathia Albuquerque foi a relatora
Foto: Comunicação/TRT-18

Princípio da Primazia da Realidade

Após analisar os recursos ordinários, a relatora, desembargadora Kathia Albuquerque, ponderou que, apesar de questionável se o atestado psicológico teria a mesma validade legal que o atestado médico para justificar a ausência da sócia-proprietária da empresa à audiência, os documentos apresentados pela defesa, incluindo laudos médicos e outros diagnósticos de profissionais de saúde, confirmam a justificativa apresentada.

Além disso, a desembargadora observou que, no momento da crise, não havia tempo hábil para que outro sócio da empresa pudesse substituir a sócia-proprietária na audiência.

Kathia Albuquerque esclareceu que, no processo do trabalho, vigora o Princípio da Primazia da Realidade, pelo qual as situações fáticas prevalecem sobre as formalidades documentais, como a exigência de atestado médico.

‘‘Saliento ainda que não há necessidade de possuir formação na área médica ou de Psicologia para entender que uma pessoa com ‘síndrome de pânico e medo e crise de choro, bem como ansiedade’, com agravamento do quadro no transcurso para a unidade judiciária, não tem condições de participar de uma audiência’’, ressaltou a desembargadora.

Os demais desembargadores da 2ª Turma acompanharam o entendimento da relatora. Redação Painel de Riscos com informações da Coordenadoria de Comunicação Social do TRT-18.

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ATOrd 0011606-60.2023.5.18.0012 (Goiânia)

NATUREZA SALARIAL
Gorjetas não entram no conceito de receita bruta de bares, restaurantes e deliveries

Reprodução Dicas da Grécia

Elas podem aparecer discretas na conta do restaurante – às vezes com outros nomes, como ‘‘taxa de serviço’’ –, ou podem ser incluídas só após a autorização do cliente; também podem variar nos valores (10%, 15% ou até mais) e na forma de pagamento (cobrança conjunta ou separada do montante principal). Certo é que elas, as gorjetas, surgem frequentemente na hora de fechar a conta, seja de restaurante ou outro serviço, e costumam gerar uma série de dúvidas para os agentes envolvidos.

Para o cliente, a legislação brasileira – especialmente a Lei 13.419/2017 – confere às gorjetas o caráter voluntário; ou seja, são pagas de acordo com a vontade de quem utiliza o serviço. Para o trabalhador, a legislação prevê que os valores auferidos a título de taxa de serviço fazem parte de sua remuneração, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). E, para o patrão, a lei prevê que as gorjetas não constituem receita própria, devendo ser destinadas aos trabalhadores, de acordo com o artigo 457, parágrafo 3º, da CLT.

Para todas as partes, é relevante conhecer não apenas a legislação, mas a jurisprudência dos tribunais sobre o assunto. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se pronunciou sobre vários aspectos desse tema.

Com natureza jurídica salarial, gorjeta não é do estabelecimento

Em 2019, a Primeira Turma do STJ decidiu que, de acordo com o artigo 457 da CLT, as gorjetas têm a finalidade de reforçar o salário dos empregados, sendo nítida sua natureza jurídica de verba salarial.

Na origem, foi impetrado mandado de segurança com o objetivo de impedir a incidência de quatro tributos sobre a taxa de serviço cobrada por bares, restaurantes e hotéis: Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

A Fazenda Nacional sustentou ser legal a incidência dos tributos, por entender que a verba ingressa efetivamente no faturamento dos estabelecimentos para, ao final, compor a remuneração dos empregados.

De acordo com o relator do agravo interno no REsp 1.796.890, ministro Gurgel de Faria, o estabelecimento atua como mero arrecadador, não podendo as gorjetas integrar seu faturamento ou lucro para o fim de apuração daqueles tributos federais.

‘‘As gorjetas não constituem receita das empresas, e sim dos empregados, pois tais valores apenas transitam pela contabilidade da sociedade empresária, tendo como destino certo compor a remuneração dos empregados’’, afirmou o ministro Gurgel de Faria.

Taxa de serviço não deve sofrer incidência de tributos de responsabilidade da empresa

Em 2019, ao julgar o agravo interno no REsp 1.780.009, sob a relatoria do ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma reafirmou que os valores arrecadados com as gorjetas não constituem renda, faturamento ou lucro para o estabelecimento, ‘‘estando, portanto, fora da órbita de incidência de IRPJ, Cofins, PIS e CSLL’’.

Em 2022, a Primeira Turma negou provimento ao agravo interno no REsp 1.668.117, interposto pela Fazenda Nacional, ressaltando que a jurisprudência do STJ não admite a tributação dos valores referentes à taxa de serviço.

O relator, ministro Sérgio Kukina, enfatizou que, devido à sua natureza jurídica salarial, as gorjetas, voluntárias ou compulsórias, não podem ser incluídas na base de cálculos dos tributos federais PIS, Cofins, IRPJ e CSLL. ‘‘A referida verba não constitui receita própria dos empregadores, apta a sofrer incidência de tributos de responsabilidade da empresa’’, completou.

Conforme explicou o relator, o raciocínio adotado pelo STJ está em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Ainda nesse sentido, a Segunda Turma julgou o agravo interno no REsp 1.817.513, de relatoria do ministro Francisco Falcão, e confirmou que é indevida a inclusão dos valores referentes à taxa de serviço nos cálculos da contribuição ao PIS, da Cofins e da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB).

Gorjeta não pode ser incluída na base de cálculo do Simples Nacional

No AREsp 2.381.899, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, a Segunda Turma reconheceu que as gorjetas não se incluem na base de cálculo do regime fiscal denominado Simples Nacional.

O ministro ressaltou que, para a jurisprudência do STJ, as gorjetas não integram o preço do serviço para fins de incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS). Em consequência, elas devem ser excluídas da apuração do Simples Nacional, que tem como base de cálculo, para os prestadores de serviço, o preço dos serviços prestados. O relator lembrou que, de acordo com o artigo 18, parágrafo 3º, da Lei Complementar 123/2006, o Simples Nacional incide sobre a receita bruta do estabelecimento.

Para Campbell, pelas mesmas razões que é ilegítimo o recolhimento de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL sobre a gorjeta, não se pode cogitar sua inclusão na base de cálculo do Simples Nacional.

Taxa de serviço integra a remuneração do empregado

Apesar de não compor a base de cálculo dos tributos que atingem a empresa, a taxa de serviço, por fazer parte da remuneração do trabalhador, não fica livre de toda e qualquer exação.

Ainda no mesmo julgamento, o ministro Mauro Campbell Marques comentou que a gorjeta compõe a remuneração do empregado e, sendo assim, deve entrar na base de cálculo dos impostos e contribuições incidentes sobre o salário.

‘‘A gorjeta, compulsória ou inserida na nota de serviço, tem natureza salarial, compondo a remuneração do empregado, não constituindo renda, lucro ou receita bruta/faturamento da empresa. Logo, as gorjetas representam apenas ingresso de caixa ou trânsito contábil a ser repassado ao empregado, não implicando incremento no patrimônio da empresa, razão pela qual deve sofrer a aplicação apenas de tributos que incidem sobre o salário’’, expressou Campbell Marques no voto.

Entendimento do STJ perdura por mais de três décadas

Em seu voto-vogal no AREsp 2.381.899, a ministra Assusete Magalhães (aposentada) comentou que a jurisprudência do tribunal há muito tempo refuta a tese de que as gorjetas deveriam ser contabilizadas na base de cálculo do PIS, da Cofins, do IRPJ e da CSLL, pois não se trata de faturamento da empresa, mas remuneração devida aos trabalhadores.

Segundo ela, os primeiros precedentes nessa linha, excluindo a gorjeta do cálculo dos tributos incidentes sobre receita bruta ou faturamento, tratavam do ISS – a exemplo o REsp 6.627, julgado em 1992. Ao longo de mais de 30 anos, a jurisprudência da corte se consolidou no sentido de que as gorjetas só devem ser consideradas na base de cálculo dos tributos que incidem sobre o salário.

Assim, em relação ao caso julgado, a ministra concluiu que ‘‘não se trata de excluir as gorjetas da base de cálculo do Simples Nacional, mas ter presente que elas nem sequer estão no seu campo de incidência’’.

No recente julgamento do agravo interno no AREsp 1.846.725 pela Primeira Turma, o relator, ministro Gurgel de Faria, disse que ‘‘não se vislumbra nenhuma possibilidade’’ de considerar a gorjeta abarcada no conceito de receita bruta, que é a base de cálculo do Simples Nacional, conforme descrito pelo artigo 3º, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1796890

REsp 1780009

REsp 1668117

REsp 1817513

AREsp 2381899

REsp 6627

AREsp 1846725

DISTINGUISHING
Construtora não pode contratar pedreiro como microempreendedor individual (MEI), decide TRT-RS

Se a relação tem os requisitos de vínculo empregatício, aos moldes do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como habitualidade e subordinação, a empresa não pode tomar os serviços do trabalhador vulnerável como microempreendedor individual (MEI).

Pelo norte deste fundamento, após idas e vindas, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) determinou que a Construtora Jobim Ltda., sediada em Santa Maria (RS), deixe de contratar pedreiros como microempreendedores individuais (MEIs) quando a relação tiver tais requisitos. Em função da fraude à legislação trabalhista, a empresa também foi condenada a pagar indenização no valor de R$ 500 mil por dano moral coletivo.

Ação civil pública

A decisão foi tomada no bojo ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS).

Conforme o MPT, auditores-fiscais do Trabalho constataram 47 contratos de MEIs na construtora, para serviços como aplicação de reboco, impermeabilização, execução de contrapiso e aplicação de revestimentos.

Para os procuradores, a prática evidencia uso de ‘‘pessoas jurídicas’’ para a sonegação de direitos trabalhistas. A alegação é de que os MEIs foram contratados com o intuito de burlar a relação de emprego existente entre os supostos empresários e a construtora.

No primeiro grau, o juízo 2ª Vara do Trabalho de Santa Maria entendeu que não houve fraude na contratação de MEIs pela construtora. Entretanto, após recurso do MPT, a 2ª Turma do TRT-RS reformou a sentença. Por unanimidade dos votos, os desembargadores reconheceram que a empresa não pode contratar sob a forma de MEIs.

Des. Alexandre Corrêa da Cruz
Foto: Secom/TRT-4

Reclamação no STF

A construtora, então, ingressou com Reclamação constitucional junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Alegou que o acórdão do TRT-RS ignorou o entendimento do STF firmado na tese do Tema 725, de repercussão geral. Segundo essa tese, ‘‘é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante’’.

O ministro Edson Fachin julgou procedente a Reclamação da construtora. O ministro cassou o acórdão proferido pela 2ª Turma e determinou o retorno do processo ao TRT-RS, para que fosse proferida nova decisão, observados os precedentes do STF.

Ao reapreciar a matéria, a 2ª Turma do TRT-RS entendeu, por unanimidade, que o caso da construtora, em razão das premissas fáticas, não se amolda à tese estabelecida pelo STF no Tema 725, considerando os próprios critérios de distinção (distinguishing) definidos pela Corte Superior. O acórdão foi relatado pelo desembargador Alexandre Corrêa da Cruz.

Trabalhadores vulneráveis

Para os desembargadores, a adequação do caso ao posicionamento do STF deve levar em conta se há vulnerabilidade dos trabalhadores e se existe intermediação de mão de obra, com existência de subordinação jurídica.

O entendimento da Turma foi de que, no caso analisado, os trabalhadores da construção civil são vulneráveis sob o aspecto jurídico. Ao contrário de categorias como médicos ou advogados, possuem, em função da condição socioeconômica, menor conhecimento quanto às consequências jurídicas de sua escolha.

Além disso, aponta o acórdão, a execução do contrato ocorria como se os MEIs fossem empregados admitidos via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inclusive com controle dos horários trabalhados e aplicação de penalidades disciplinares. Não havia qualquer indício de autonomia, mas clara subordinação jurídica, segundo os magistrados.

Assim, o colegiado concluiu pela condenação da construtora ao cumprimento da obrigação de ‘‘abster-se de admitir ou manter empregado sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente, providenciando, quando da admissão de trabalhadores para a prestação de serviços de forma habitual, subordinada e mediante remuneração, os devidos registros funcionais, bem como proceder às anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do trabalhador, no prazo legal’’. Foi, ainda, fixada indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 500 mil, a ser revertida para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou destinada a projetos ou campanhas em benefício coletivo de trabalhadores.

Também participaram do julgamento os desembargadores Tânia Regina Silva Reckziegel e Marçal Henri dos Santos Figueiredo.

Cabe recurso da decisão. Redação Painel de Riscos com informações de Rafael Scherer/Secom/TRT-4.

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ACPCiv 0020989-58.2019.5.04.0702 (Santa Maria-RS)

PARASITISMO
TJSP condena funkeiros por uso indevido de sinais distintivos do Santander em letras e videoclipes

Captura internet

Utilizar marca em videoclipes, sem autorização do dono do registro marcário, fere a Lei de Propriedade Industrial (LPI) e dá margem a pedidos de reparação moral e material, já que se trata de conduta de ‘‘parasitismo comercial’’.

A decisão é da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao condenar civilmente os músicos de funk Felipe Henrique Freitas Rocha (MC Kapela) e John Kenedy Alves Silva (MC Keké) por utilizarem, sem autorização, sinais distintivos do Banco Santander Brasil em suas letras e videoclipes.

A ação indenizatória tramita na 1ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem de São Paulo.

O colegiado do TJSP determinou a remoção de três canções apenas das plataformas digitais que exibem os respectivos videoclipes, e manteve a reparação, fixada em R$ 20 mil, a título de danos morais; e danos materiais a serem apurados em fase de liquidação

Também manteve a determinação para remoção das demais músicas das plataformas de streaming e vídeos. Os réus também devem se abster de usar sinais distintivos do Santander.

O relator do recurso de apelação, desembargador Alexandre Lazzarini, reiterou que os músicos extrapolaram os limites da liberdade artística e da liberdade de expressão ao utilizarem o nome, termos relacionados e símbolos ligados à marca da instituição de forma depreciativa e reiterada, o que configura violação da Lei de Propriedade Intelectual.

‘‘A utilização ostensiva da marca dos apelados [Banco Santander Brasil S.A. e Santander Investment Bank Ltda]., seja através de menção direta nas letras de quase todas as canções dos apelantes ou mesmo através dos videoclipes, demonstra a sua utilização parasitária e não autorizada’’, registrou o magistrado no acórdão.

‘‘Aos apelantes não é vedado a produção de novas obras musicais e videoclipes, nem tampouco de emitirem críticas ou opiniões de qualquer sorte. O que não se admite, todavia, é o uso irrestrito e indevido de marca registrada por terceiro’’, acrescentou.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Azuma Nishi e Fortes Barbosa.

A decisão foi por unanimidade de votos. Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TJSP.

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1111981-42.2022.8.26.0100 (São Paulo)

EXPROPRIAÇÃO DE COTAS
Validade da adjudicação de bem penhorado está condicionada à lavratura do respectivo auto

Foto: Imprensa STJ

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a adjudicação de bem penhorado só é válida com a lavratura e a assinatura de seu respectivo auto. Com isso, o colegiado estabeleceu que a transferência da titularidade de ações após o deferimento desse procedimento de expropriação, quando feita antes da expedição e da assinatura do auto de adjudicação, configura atropelo procedimental que cerceia o direito do devedor e de outros habilitados de remir a execução.

O caso analisado envolve a disputa pelo controle de uma empresa, na qual uma das sociedades acionistas buscava o cumprimento de sentença arbitral contra outra, em execução de dívida. A Justiça penhorou ações da executada e autorizou a adjudicação dos bens para manutenção em tesouraria, a pedido da executante, considerando que os demais acionistas não exerceram o direito de preferência para aquisição das ações.

Alegando que foi pega de surpresa com a decisão, a executada afirmou em juízo que seu direito de pagar a dívida foi cerceado. Para ela, a transferência das ações não poderia ocorrer antes de lavrado e assinado o auto de adjudicação, o que marcaria o fim do prazo para a remição da dívida. O juízo de primeiro grau, entretanto, não reconheceu nulidade, por não ter havido recurso no momento certo contra a decisão que autorizou a adjudicação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que a transferência das ações foi regular. Para a corte, a falta do auto de adjudicação seria vício de menor importância, incapaz de anular o processo.

Ministro Moura Ribeiro foi o relator
Foto: Imprensa/STJ

CPC traz procedimento especial para penhora de ações ou cotas societárias

Relator do caso no STJ, o ministro Moura Ribeiro observou que a penhora de ações ou cotas societárias é um tema delicado devido à inconveniência de se viabilizar, por força de um processo executivo, a quebra do vínculo de confiança entre os sócios (affectio societatis). Ainda assim, prosseguiu, o Código de Processo Civil (CPC) não apenas prevê esse instituto, como disciplina procedimento especial para a expropriação de ações ou cotas (artigo 861), compatibilizando o sistema jurídico de modo a respeitar as características das sociedades.

Segundo o ministro, em caso de penhora de ações de sociedade anônima de capital fechado, o procedimento do artigo 861 do CPC admite a adjudicação desses títulos pela própria companhia que os emitiu, sem redução de capital, para manutenção em tesouraria, evitando-se, assim, a liquidação da empresa.

Direito de remir a execução permanece sem a lavratura do auto de adjudicação

No entanto, Moura Ribeiro lembrou que o artigo 826 do mesmo normativo, ao afirmar que a remição pode se dar a qualquer tempo antes da adjudicação ou alienação do bem penhorado, não esclarece em que momento exatamente se consolida a adjudicação ou alienação.

‘‘Tratando-se de adjudicação de bens, como é o caso dos autos, vem o artigo 877, parágrafo 1º, do CPC, em auxílio do artigo 826, esclarecer que essa forma de expropriação se considera perfeita e acabada com a lavratura e a assinatura do respectivo auto de adjudicação pelo juiz, pelo adjudicatário e pelo escrivão ou chefe de secretaria’’, completou o ministro.

Dessa forma, o relator entendeu que, até a lavratura e assinatura do auto, a adjudicação não está completa, ficando aberta a possibilidade de remição da execução.

‘‘No caso, se não houve lavratura do auto de adjudicação, infelizmente não há como dá-la por perfeita e acabada, subsistindo, por conseguinte, o direito de remir a execução’’, concluiu Moura Ribeiro ao dar provimento ao recurso especial (REsp) da sociedade executada e determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau para análise do pedido de remição. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2141421/SP