OPERAÇÃO CHARQUEADAS
Justiça Federal no RS condena empresários do ramo frigorífico por crime de sonegação fiscal

Banco de Imagens ACS TRF-4

Em ação penal resultante de desdobramentos da chamada ‘‘Operação Charqueadas’’, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pela Receita Federal (RFB) em 2010, a 2ª Vara Federal de Santa Maria condenou dois empresários do ramo frigorífico a penas de mais de quatro anos de reclusão. O dano ao erário federal foi estipulado em aproximadamente R$ 1,15 milhão, mas, no caso desta condenação, o processo refere-se a apenas uma das empresas investigadas no âmbito da ‘‘Operação Charqueadas’’.

A sentença, proferida em 18 de dezembro, pelo juiz federal substituto Daniel Antoniazzi Freitag, também contemplou a absolvição de outras três pessoas da mesma família.

A denúncia do MPF-RS

O Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF-RS) denunciou inicialmente cinco pessoas que, supostamente envolvidas no esquema de sonegação fiscal, teriam suprimido o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com base no lucro real, bem como por meio da prestação de declarações falsas.

O MPF-RS narrou ter sido apurado pela RFB a conduta, e a constituição definitiva do crédito tributário ocorreu em setembro de 2021, após o devido processo administrativo fiscal. O grupo criminoso seria formado basicamente pela família dos réus.

Conforme a denúncia, o esquema consistia em suceder diversas pessoas jurídicas (empresas fraudulentamente constituídas com o intuito de burlar a fiscalização tributária) sobre a mesma planta industrial, no caso, um frigorífico, sem que fossem executados os créditos tributários. Ou seja, a mesma família utilizaria ‘‘laranjas’’ para abrir uma empresa atrás da outra, cada vez que a anterior estivesse ‘‘devendo para o leão’’ da Receita Federal.

Em sua defesa, um dos réus postulou a sua absolvição, com fundamento na ausência de demonstração de conduta dolosa, bem como pela existência de dúvida. Outros três réus alegaram insuficiência ou inexistência de provas. O quinto réu requereu a absolvição ‘‘por não constituir o fato infração penal’’, repetindo a alegação de ausência de evidências.

Sentença de parcial procedência

Ao analisar as provas trazidas aos autos, o juiz Daniel Freitag apontou que as condutas imputadas aos réus nesta ação penal dizem respeito a um curto período na linha de tempo que abrange a toda a atividade ilícita envolvendo a planta frigorífica. Os fatos, consistentes em suprimir ou reduzir tributo mediante declaração falsa e omissão de informações, ficaram comprovados na Representação Fiscal para Fins Penais lavrada pela Delegacia da Receita Federal (DRF) de Santa Maria, no inquérito policial e pela exigibilidade do crédito tributário, confirmada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

O magistrado concluiu que dois dos réus, que já vinham atuando como gestores das empresas, se sucederam no uso da planta frigorífica desde 2006, tendo por base documentos como contratos sociais, inscrições de CNPJ no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), e-mails, interceptações telefônicas e o próprio relatório da Representação Fiscal para Fins Penais elaborada pela RFB.

Com relação a um dos réus, Freitag observou que desempenhou um duplo papel, como ‘‘laranja’’ e como funcionário subordinado aos administradores, ‘‘sendo sua atuação condição sem a qual não se teria realizado o ilícito de sonegação fiscal, estando plenamente demonstrado o dolo ao emprestar seu nome para a realização da fraude, bem como ao atuar perante a fiscalização conforme orientações que lhe eram passadas’’, explicou.

Já no que diz respeito ao outro réu, o juiz considerou estar comprovado nos autos que aquele concorreu para a manutenção do controle da planta frigorífica, e os e-mails trocados mostravam decisões conjuntas com seu pai, ilustrando que o filho também desempenhava função gerencial na empresa investigada. Freitag considerou ‘‘comprovada a responsabilidade pela prática delituosa, porquanto a atuação do acusado foi decisiva para viabilizar a sonegação fiscal, e também porque foi, em toda a sua complexidade, direcionada a esse fim, no que resta também demonstrado o dolo direto’’.

Três acusados foram absolvidos

Com relação aos três acusados que viriam a ser absolvidos, ao longo do processo, o próprio MPF-RS requereu a absolvição de dois deles, por ausência ou insuficiência de provas. O magistrado concluiu não haver elementos aptos a confirmar a tese acusatória de que se tratava de sócios de fato do frigorífico.

Desta forma, o juízo absolveu estes três últimos e condenou os dois primeiros, pelo crime de sonegação fiscal, às penas de, respectivamente, quatro anos e um mês e quatro anos e oito meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, mais multa. Eles também deverão ressarcir à União o valor do dano ao erário, estipulado inicialmente em R$ 1,15 milhão, aproximadamente.

Os acusados poderão apelar em liberdade ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Com informações da Assessoria de Imprensa da Justiça Federal do RS.

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5012677-90.2022.4.04.7102 (Santa Maria-RS)

ASSÉDIO ELEITORAL
Empresa de consultoria é condenada a pagar R$ 100 mil por coagir auxiliar a votar em Bolsonaro

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

No assédio eleitoral, os empregadores, abusando de seu poder econômico, adotam práticas que revelam a pressão e a coação sobre seus empregados e prestadores de serviços, ameaçando, de forma velada ou explícita, àqueles que não votarem no candidato apoiado pelo empregador.

A explicação didática é do desembargador Claudio Armando Couce de Menezes, integrante da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (TRT-17, Espírito Santo), ao condenar em danos morais a Federação Brasileira de Coaching Integral Sistêmico (Febracis), Unidade Vitória, por coagir uma auxiliar de serviços gerais a votar em Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022.

Como a empregada resistia em declarar publicamente o seu voto no candidato da empresa, acabou demitida cinco dias antes do segundo turno das eleições. Pela gravidade da conduta patronal, o desembargador-relator do recurso ordinário arbitrou o valor da reparação em R$ 100 mil – quantum acolhido à unanimidade no colegiado.

Pressão por posicionamento público

Na petição inicial da ação reclamatória, a reclamante – que trabalhou de março a outubro de 2022 – narrou a pressão para se posicionar publicamente em favor do candidato Jair Bolsonaro, juntamente com três outras funcionárias, na semana que antecedeu o segundo turno das eleições presidenciais. Afinal, se o candidato Lula vencesse, a empresa ‘‘poderia deixar de existir’’.

Segundo o relato, a gestora Karla Frazão, responsável por ministrar aulas de coach, fez os funcionários ficarem de pé durante uma aula ministrada aos alunos, ao discorrer sobre ideologias religiosas e políticas, com o intuito de forçar posicionamento político, de forma constrangedora. Neste cenário, a trabalhadora afirmou que a pressão psicológica e o assédio sofrido lhe causaram dano moral.

VT não viu ilicitude na conduta patronal

Ao analisar o caso, o juízo da 3ª Vara do Trabalho de Vitória não vislumbrou a existência de qualquer ilicitude na conduta da empresa, julgando improcedente a ação reclamatória nesse aspecto – havia outros pedidos embutidos na peça inicial. Ou seja, a auxiliar de serviços gerais não se desincumbiu de provar os fatos alegados.

Na fundamentação, o juiz do trabalho Wellington do Nascimento Andrade disse que as testemunhas da ré negaram a existência de pressão ou perseguição por questões políticas na empresa. Os vídeos da gestora Karla não comprovam o cunho ideológico relatado na inicial ou a pressão psicológica, nem os prints das mensagens trocadas por meio do aplicativo WhatsApp.

‘‘Embora fique claro a posição religiosa e política da palestrante, não se percebe, pelos vídeos, qualquer pressão para que o empregado se posicionasse, publicamente, sobre suas opções políticas, nem foi imposto qualquer constrangimento explícito aos que participaram da reunião, por eventual posicionamento político’’, justificou na sentença.

Virada de entendimento no TRT-ES

Des. Cláudio Menezes foi o relator
Reprodução Youtube/TRT-17

Inconformada com a sentença de improcedência, no aspecto, a reclamante interpôs recurso ordinário trabalhista (ROT) no TRT-17, repisando as alegações postas na inicial. De relevante, sustentou que a parte reclamada já havia sido condenada em processo análogo, no qual o juízo reconheceu a existência de assédio.

O relator do recurso na Primeira Turma, desembargador Claudio Armando Couce de Menezes, reformou a sentença, por entender diametralmente o oposto. Para ele, as imagens e áudios mostram, ‘‘sem sombra de dúvidas’’, a intenção da empresa e sua dirigente de coagir e pressionar os funcionários a seguirem determinado posicionamento político.

Liberdades e direitos violados em série

Esta prática, segundo o relator, deve ser duramente combatida, pois fere a garantia constitucional da liberdade de crença e de consciência e a proibição da privação de direitos por motivo de convicção política, conforme o artigo 5º, incisos IV, VI e VIII, da Constituição. Também viola a função social do contrato, como alude o artigo 5º, inciso XXIII; o artigo 170, inciso III, da Constituição; e o artigo 421, do Código Civil). E mais: configura crime eleitoral, como prevê os artigos 297, 299 e 301, do Código Eleitoral.

Para o relator, os empregados foram forçados a participar de uma reunião, cujo objetivo era pressioná-los a seguir a posição política da empresa. Portanto, ‘‘foram desrespeitadas as garantias constitucionais conferidas ao trabalhador, o direito à intimidade, vida privada, liberdade de expressão, opinião e voto, havendo abuso do poder diretivo da empresa’’, expressou no acórdão.

O acórdão do TRT ainda desafia recurso de revista (RR) ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), se passar pela fase de admissibilidade.

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ATOrd 0001147-87.2022.5.17.0003 (Vitória)

 

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DISCRIMINAÇÃO
Mãe demitida após licença médica para cuidar do filho será indenizada em R$ 12 mil

Reprodução Blog Korrig Anne

Causa presunção de constrangimento, dor e humilhação demitir trabalhadora que falta ao serviço apenas para atender o filho de colo numa situação de emergência médica. Por se tratar de mãe, a conduta patronal configura dispensa discriminatória, proibida pela jurisprudência trabalhista.

Por isso, a juíza do Trabalho Natália Luiza Alves Martins, em exercício na 3ª Vara do Trabalho de Brasília, condenou uma locadora de veículos a pagar R$ 12 mil, a título de danos morais, a uma trabalhadora demitida sem justa causa no dia em que retornou ao trabalho depois da licença médica de nove dias para cuidar da saúde do filho.

Para a magistrada, as provas dos autos levam a concluir que o empregador demitiu a trabalhadora em razão dos afastamentos que se fizeram necessários por ser mãe e mulher, confirmando a tese de discriminação de gênero.

Filho de colo, doente e sem plano de saúde

Contratada como analista administrativa em 2022, a reclamante narra que o contrato contava com plano de saúde, e que decidiu incluir o filho, pagando a cota-parte correspondente, com desconto no contracheque. Ela conta que quando precisou de atendimento médico de urgência para o filho, em um hospital, o atendimento foi negado ao argumento de que o plano estava inativo por falta de pagamento.

Em face da negativa de atendimento, a trabalhadora acabou tendo que recorrer à rede pública de saúde, por falta de condições de arcar com o valor da consulta. No curso da crise, o filho teve uma piora e precisou ser internado na UTI. Novamente, o plano negou o atendimento.

Apresentação de atestado médico e demissão

Após conseguir liminar na Justiça Comum para garantir o atendimento, a trabalhadora apresentou à empresa um atestado para se ausentar por nove dias. No mesmo dia em que retornou ao trabalho, ela diz que foi demitida sem justa causa.

Segundo ela, colegas teriam dito que o empregador afirmou que não contrataria mais mulheres, apenas homens, já que estes não faltam por causa de problemas com filhos. Afirmando que a dispensa teria se dado de forma discriminatória, acionou a Justiça trabalhista, pedindo para ser indenizada por danos morais e materiais.

Exercício do poder diretivo, contesta empregador

Em defesa, a empresa disse que a demissão imotivada faz parte do poder diretivo do empregador e que não houve qualquer discriminação.

Ao analisar os autos, a juíza Natália Martins revelou, inicialmente, que documento juntado aos autos mostra que houve atraso no pagamento do plano da trabalhadora, mesmo que o valor tenha sido descontado em folha, o que demonstra o motivo pelo qual o atendimento médico foi negado.

Estigmas e preconceitos

Quanto à alegação da empresa de que não existiu qualquer discriminação, a magistrada explicou que a dispensa discriminatória é o desligamento do empregado baseado em aspectos que não se relacionam com o seu desempenho profissional, e sim em estigmas e preconceitos.

Para a juíza, mesmo que não haja prova contundente da dispensa discriminatória, a demissão consumada no exato dia do retorno ao trabalho fala por si só. A ausência de motivação para a dispensa se apresenta como forte indício de que houve, no caso, discriminação.

A juíza ainda lembrou que, enquanto a demissão sem justa causa faz parte do poder diretivo do empregador, a relação de emprego tem proteção constitucional contra a despedida arbitrária.

Perspectiva de gênero

Ao tomar por base o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, instrumento elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o objetivo de implementar, no Judiciário, políticas nacionais para enfrentamento à violência contra mulheres, a juíza Natália Martins frisou que, no caso concreto, é possível enxergar o gênero da trabalhadora como fator determinante para a demissão.

‘‘Apesar de não haver provas específicas da suposta fala discriminatória alegada na inicial, a dispensa no dia do retorno é prova mais do que suficiente de que o empregador a demitiu em razão dos afastamentos que se fizeram necessários por ser mãe e mulher, corroborando a tese de discriminação de gênero, o que demonstra abuso de poder potestativo.’’

Convenções internacionais

A magistrada observa que, além da previsão constitucional de igualdade de gêneros, o Brasil é signatário de convenções internacionais que proíbem a discriminação de gênero, entre elas a Convenção 111, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Convenção de Belém.

A empresa também deverá indenizar a trabalhadora por danos materiais, em R$ 194,37, valor referente a parcela do plano de saúde descontado em seu contracheque.

Da sentença, cabe recurso ordinário trabalhista ao Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Redação Painel de Riscos com informações de Mauro Burlamaqui, da Assessoria de Imprensa do TRT-10.

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0000296-09.2023.5.10.0003 (Brasília)

TÉCNICA PUBLICITÁRIA
Anunciar ar-condicionado ‘‘silencioso’’ não causa dano moral, decide STJ

Reprodução Arthec.Com.Br

Afirmar, em campanha publicitária, que determinado aparelho de ar-condicionado é silencioso não gera danos morais coletivos. Com essa conclusão, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou improcedente ação civil pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra um fabricante.

O MPF sustentou que a campanha violou direitos difusos do consumidor, o qual teria sido induzido em erro ao acreditar que o aparelho de ar-condicionado não faria nenhum barulho – o que não seria verdade.

O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) concluíram que os consumidores teriam sido iludidos ao ser atribuída uma característica inexistente ao aparelho anunciado.

No recurso especial (REsp) apresentado ao STJ, o fabricante argumentou que a campanha publicitária foi divulgada antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor (CDC), razão pela qual não poderia haver a aplicação retroativa de suas regras nem de seus conceitos jurídicos, como o de propaganda enganosa.

O fabricante destacou, ainda, que os aparelhos funcionavam regularmente, sem qualquer comprovação de que grande número de consumidores tenha se frustrado com a compra.

Puffing: técnica publicitária de mero exagero comparativo é admitida

Ministro Raul Araújo foi o relator
Foto: Sérgio Amaral/STJ

O ministro Raul Araújo considerou ‘‘bastante questionável’’ o entendimento das instâncias de origem, responsáveis por analisar as provas periciais, ao classificarem a propaganda como enganosa, pois os fatos ocorreram antes do CDC.

Segundo o ministro, mesmo após a vigência do CDC, que regula o assunto de forma expressa, a doutrina classifica esse tipo de propaganda como puffing – técnica publicitária que utiliza o exagero para enaltecer certa característica do produto.

‘‘Dizer ser o aparelho silencioso, nas condições tecnológicas da época, em que os condicionadores de ar de gerações anteriores produziam mais ruído, era mero exagero publicitário comparativo’’, observou Raul Araújo.

Danos morais coletivos restringem-se a casos de grave ofensa à moralidade

O ministro-relator comentou que a condenação em danos morais coletivos só é justificável em casos graves e intoleráveis, que representem lesão a valores fundamentais da sociedade.

O ministro explicou, com amparo na doutrina e na jurisprudência do STJ, que a propaganda de condicionadores de ar tem razoável conteúdo comparativo e se dirige a um público consumidor capaz de compreender o exagero na apresentação de alguma característica.

‘‘Em tal contexto, não se pode entrever a ocorrência de danos morais coletivos, que ficam adstritos às hipóteses em que configurada grave ofensa à moralidade pública, sob pena de sua banalização, tornando-se, somente, mais um custo para as sociedades empresárias, a ser repassado aos consumidores’’, concluiu Raul Araújo ao dar provimento ao recurso especial. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1370677

REINTEGRAÇÃO DE POSSE
TRF-4 autoriza União a retomar sede do Amigos da Terra, mas nega indenização pelo esbulho possessório

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Divulgação NAT Brasil

Findo o prazo estabelecido no contrato de cessão de uso gratuito do imóvel, o Poder Público pode, a qualquer tempo, exigir a sua retomada. Assim, após expressa notificação do ocupante, para desocupação da área, resta caracterizado o esbulho possessório.

O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que, por unanimidade, manteve íntegra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido da União para retomar o imóvel-sede do Núcleo Amigos da Terra (NAT Brasil) em Porto Alegre, uma entidade sem fins lucrativos que ‘‘luta’’ pelo desenvolvimento ambiental.

Para o relator da apelação, juiz federal convocado Marcelo Cardozo da Silva, não procedem as alegações de que a ausência de processo administrativo prévio por parte da União, com oportunização do exercício de ampla defesa e contraditório, implicou abuso de poder.

Despejo sem direito a nada, diz a Lei

‘‘Os bens públicos federais contam com regime jurídico especial próprio, tratado no Decreto-Lei 9.760/1946, que estabelece no art. 71 que, inexistindo autorização expressa do Poder Público Federal para a ocupação de área pública, o ocupante poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo’’, cravou no acórdão.

O juiz-relator lembrou, por outro lado, que a União instaurou procedimento administrativo – com expressa notificação do demandado – para a desocupação do imóvel. Logo, não se poderia falar de irregularidade formal ou cerceamento de qualquer direito do ocupante.

Pedido de retomada do imóvel

A instituição ambientalista ocupava o imóvel – localizado à Rua Olavo Bilac, 192, bairro Azenha, na Capital gaúcha – desde 2005, mediante contrato de cessão gratuita por oito anos – portanto, já estava sob posse precária desde 2013.

A União diz que só ajuizou a ação de reintegração/manutenção de posse após negativa de desocupação amigável do imóvel no prazo de 90 dias – a notificação foi emitida em 20 de novembro de 2019. Além disso, pediu a condenação do réu à indenização por esbulho possessório, nos termos do artigo 10, parágrafo único, da Lei 9.636/98.

Os termos do parágrafo único: ‘‘Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis’’.

Indenização por esbulho é locupletamento ilícito

Notificado pela 10ª Vara Federal de Porto Alegre, o Núcleo apresentou contestação. De relevante, disse que foi pego de surpresa com a notificação para desocupação do imóvel em 90 dias, já que desenvolve as suas atividades – de alta relevância social – nos termos que motivaram a cessão de uso gratuito.

Destacou que o imóvel foi totalmente restaurado, o que deixou para trás um cenário de ruínas, onde havia acumulação de lixo, proliferação de ratos e ainda servia de palco para a violência. Por fim, classificou de absurda a cobrança de indenização pela posse, requerida pela União, pois beira o ‘‘locupletamento ilícito’’.

Devolução fora do prazo é esbulho

Ao analisar o mérito da ação, a juíza federal Ana Paula De Bortoli entendeu que a ausência de devolução do imóvel no prazo caracterizou esbulho possessório. Com isso, a parte ré deixa de possuir justo título, e sua posse não mais se configura justa nem de boa-fé, nos termos do contrato de cessão. Logo, justifica-se a medida judicial de reintegração de posse pleiteada pela União.

Por outro lado, a julgadora considerou sem cabimento o pedido de condenação por esbulho possessório, considerando que o imóvel – que pertencia a duas irmãs, que não tinham herdeiros – estava em péssimo estado de conservação, com risco de desabamento, até ser restaurado pelo Núcleo. Ela levou em conta, também, o rol de ações em prol de uma sociedade ecologicamente sustentável e socialmente mais justa.

‘‘Assim, embora reconheça o direito da União em retomar a posse do imóvel, considero que o pedido de indenização pelo esbulho seria injusta punição ao Núcleo réu, que investiu na conservação do imóvel, na valorização da vizinhança com suas relevantes atividades, ainda mais considerando o descaso com que a União sempre tratou o imóvel’’, escreveu na sentença de parcial procedência.

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5033874-78.2020.4.04.7100 (Porto Alegre)

 

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