DIREITO DE REGRESSO
É válida a cláusula que renuncia à jurisdição estatal no contrato de seguro de transporte marítimo

A Vara Especializada em Direito Marítimo da Comarca de Santos (SP) extinguiu, sem resolução de mérito, processo ajuizado pela Sompo Seguros S.A., que pedia o pagamento de indenização a um segurado em sub-rogação. De acordo com os autos da ação de regresso, durante transporte marítimo internacional, houve avaria na carga.

O segurado foi indenizado pela seguradora que, então, ajuizou a ação de ressarcimento em sub-rogação contra um transportador de Singapura – Pacific International Lines (PIL).

Na sentença, o juiz Frederico dos Santos Messias apontou que, ao firmarem contrato, as partes optaram pela arbitragem na solução de possível litígios, excluindo, por consequência, a jurisdição estatal

‘‘Ora, se as partes contratantes, em juízo pleno de cognição quanto aos riscos e efeitos da cláusula de arbitragem, ausente qualquer situação de vulnerabilidade na relação entre elas, optaram pela sua inclusão [da arbitragem] no contrato, descabe a intervenção do Poder Judiciário quanto à sua modificação’’, escreveu na sentença.

O julgador destacou que tal intervenção significaria desequilibrar a balança da Justiça, ‘‘afetando até mesmo as condições que precificaram o custo do serviço’’.

O magistrado salientou, ainda, que os atos do segurado, desde que não impliquem diminuição ou extinção de direitos, não estão dispostos em uma ‘‘prateleira de supermercado’’ para que a seguradora coloque em seu ‘‘carrinho’’ aqueles dos quais se aproveitará, segundo uma lógica própria de sua conveniência.

‘‘No contrato de seguro, a seguradora se responsabiliza por riscos predeterminados, vale dizer, os riscos que lhe eram conhecidos quando da contratação do seguro ou que, ao menos, lhe eram possíveis de serem conhecidos. É dever inafastável da seguradora analisar previamente a relação jurídica a ser segurada, inclusive, porque a precificação do seguro está diretamente ligada com o risco assumido pela seguradora quando da contratação’’, concluiu.

Da sentença, cabe recurso de apelação ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Com informações da Comunicação Social do TJSP.

1033714-57.2024.8.26.0562 (Santos-SP)

DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Quatro trabalhadores que recebiam salário com atraso conseguem rescisão indireta em MG

Juíza do trabalho Tânia Hayes, da VT de Araguari (MG)/ Reprodução LinkedIn

Quatro trabalhadores de uma empresa de Araguari, no Triângulo Mineiro, conseguiram a rescisão indireta do contrato de trabalho, com o pagamento das verbas rescisórias devidas, na modalidade dispensa sem justa causa. Ao reivindicar judicialmente a medida, em ações individuais, os ex-empregados alegaram atrasos salariais e outros descumprimentos contratuais por parte do empregador.

Os casos foram decididos pela juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de Araguari, Tânia Mara Guimarães Pena Hayes.

Os reclamantes foram contratados para exercer a função de auxiliar de serviços gerais em unidades de saúde de Araguari, como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Nas ações, denunciaram diversas irregularidades trabalhistas cometidas pela empresa, informando que o último dia de trabalho deles foi em 11/10/2024.

A empresa negou os alegados atrasos e defendeu a inexistência de motivos que justifiquem a rescisão indireta pretendida. Mas extratos bancários juntados ao processo confirmaram os atrasos salariais durante o contrato de trabalho dos autores das ações.

Além disso, foi verificada, nos quatro casos, a ausência de comprovação do regular recolhimento do FGTS, das contribuições previdenciárias, do pagamento do adicional de insalubridade e dos vale-transporte, além de faltar a entrega das cestas básicas no valor estipulado no instrumento normativo.

Apesar de a empresa negar os fatos alegados, a juíza ressaltou que ela não apresentou documento que confirmasse o pagamento, dentro do prazo, das parcelas solicitadas.

Diante dos fatos, a magistrada reconheceu, então, o direito à rescisão indireta do contrato, com base no previsto na convenção coletiva de trabalho, que dispõe que ‘‘o descumprimento pelo empregador de qualquer cláusula prevista nesta Convenção autoriza ao empregado considerar rescindido o contrato e pleitear a rescisão e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até o final dessa decisão’’.

Segundo a magistrada, as violações citadas configuram a justa causa patronal (artigo 483, letra ‘‘d’’, da CLT), razão pela qual ela acolheu o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho em 11/10/2024, com o pagamento das parcelas devidas. A juíza determinou ainda que os dois sócios da empresa respondam subsidiariamente pelas parcelas deferidas nas ações.

Não houve recurso em relação aos pedido deferidos. Os processos estão em fase de execução. Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais).

0010614-81.2024.5.03.0174

0010616-51.2024.5.03.0174

0010621-73.2024.5.03.0174

0010633-87.2024.5.03.0174 

DANO MORAL
Súper é condenado a indenizar empregado haitiano por discriminação racial em Caxias do Sul

Empregado que sofre discriminação racial no ambiente de trabalho tem a sua honra e imagem atingidas. Logo, deve ser reparado em danos morais, como indicam os incisos V e X do artigo 5º da Constituição da República.

Foi o que ocorreu com um haitiano que trabalhou para o Comercial Zaffari em Caxias do Sul, na Serra gaúcha, que irá receber R$ 5 mil a título de danos morais. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), modificando, no aspecto, a sentença da 3ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul.

No bojo da mesma ação, o reclamante teve reconhecidos outros direitos, como horas extras, adicional por acúmulo de função e indenização por descontos indevidos no salário. O valor provisório da condenação chegou a R$ 39 mil.

Com base na testemunha ouvida no processo, os desembargadores consideraram que o trabalhador recebia atividades piores e mais pesadas do que os empregados que não eram haitianos.

Trabalho mais pesado

A testemunha, que também é haitiana, relatou que os trabalhadores originários do Haiti eram constantemente tratados de maneira diferenciada pelos supervisores, recebendo atividades mais árduas devido à sua origem e cor. Ela afirmou, inclusive, que deixou o emprego devido ao tratamento discriminatório, que descreveu como ‘‘muito complicado’’.

Na primeira instância, o pedido de indenização moral foi negado, mas o trabalhador recorreu ao TRT-RS. O relator do caso, desembargador Clóvis Fernando Schuch Santos, destacou que as provas demonstraram a existência de discriminação e, portanto, a necessidade de reparação do dano moral.

‘‘A testemunha confirmou que o trabalho dos haitianos era mais pesado e que havia discriminação racial, explicando que o tratamento era muito complicado e o trabalho era pior”, afirmou o desembargador.

O desembargador destacou que reparação do dano moral atende a um duplo aspecto, compensar o lesado pelo prejuízo sofrido e sancionar o lesante (caráter pedagógico). Nesse panorama, levando em conta a condição das partes e a gravidade do dano sofrido pelo trabalhador, a Turma entendeu razoável a fixação do valor devido a título de indenização por dano moral em R$ 5 mil.

Também participaram do julgamento os desembargadores Francisco Rossal de Araújo e Marcos Fagundes Salomão.

Do acórdão do TRT, ainda cabe recurso de revista (RR) para o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações de Bárbara Frank (Secom/TRT-4).

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ATOrd 0021073-78.2022.5.04.0403 (Caxias do Sul-RS)

DANO INEXISTENTE
Empresa não consegue condenar ex-empregado que pedia propina para aprovar produtos

Reprodução Trendsce.Com.Br

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou o recurso de uma empresa do ramo de informática que pretendia obter a condenação de um ex-empregado ao pagamento de indenização por dano moral que pedia propina de fornecedores no exterior para facilitar a aprovação de seus produtos.

O colegiado explicou que, no caso de pessoa jurídica, é preciso haver comprovação de que a conduta do ex-empregado tenha causado danos à imagem, à reputação e à atividade econômica da empresa, o que não ocorreu. O processo tramita em segredo de justiça.

Denúncia de pedido de propina veio da China

O trabalhador foi admitido em 2016 como supervisor de engenharia de produtos e, em 2021, pediu demissão. Após seu desligamento, a empresa recebeu denúncia de um fornecedor na China de que ele teria exigido propina para favorecê-lo nas negociações, indicando a conta de sua esposa ou de uma offshore para receber os valores.

A partir daí, uma auditoria externa apurou que essa prática era recorrente para garantir a aprovação e o fechamento de contratos de fornecimento, mesmo que os produtos não atendessem aos critérios exigidos pela empresa. Como supervisor, ele tinha a palavra final antes da aquisição de qualquer produto ou tecnologia do exterior.

A conclusão se baseou em perícias detalhadas dos equipamentos utilizados pelo supervisor, que revelaram ‘‘incontáveis mensagens’’ em que ele pedia cifras variadas em troca de informações sigilosas sobre processos de compra, além da promessa de facilitação. A pretensão era de que ele fosse condenado a pagar indenização equivalente a 50 salários.

O ex-supervisor, em sua defesa, confirmou ter recebido valores dos fornecedores, mas disse que eram provenientes de contratos de consultoria. Também alegou que não houve comprovação do dano à imagem e à reputação da empresa.

Dano à pessoa jurídica deve afetar atividade econômica

O juízo de primeiro grau concluiu que, de fato, o trabalhador solicitou vantagens financeiras aos fornecedores. Contudo, destacou que, ao contrário do que ocorre com a pessoa física, o dano moral de pessoa jurídica não pode ser presumido: é preciso haver prova.

‘‘É que a pessoa jurídica não tem honra subjetiva (não sente dor, não sofre, não se sente humilhada, não sofre abalos na esfera íntima, psíquica, familiar, social etc.)’’, explicou o juiz. ‘‘O dano que uma empresa sofre é em sua reputação, que acaba por atingir sua atividade econômica’’. No caso, a conclusão foi de que esse dano não ficou provado. Ao contrário, a sentença registrou que a empresa vem crescendo no mercado.

A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho.

Prejuízos não foram comprovados

O relator do recurso de revista da empresa, ministro Dezena da Silva, observou que, embora seja incontroversa a conduta ilícita e reprovável do ex-empregado, não há como enquadrar os fatos como ofensivos à honra objetiva (boa fama) da empresa. Ele ressaltou que, de acordo com as instâncias anteriores, não ficou comprovado sequer que o público geral teve conhecimento do fato ou mesmo que os fornecedores tenham deixado de firmar contratos em razão disso.

Também não foram comprovados reais prejuízos à atividade econômica da empresa, e as matérias divulgadas na internet são no sentido de que ela tem tido cada vez mais sucesso em seu ramo de atuação. Diante dessas premissas, para chegar à conclusão diversa da do TRT seria necessário reexaminar o conjunto de fatos e provas do processo, procedimento inviável no TST (Súmula 126).

A decisão foi unânime. Com informações de Carmem Feijó, da Secretaria de Comunicação (Secom) do TST.

Processo sob segredo de justiça

PATRÃO DIGITAL
TRT-SP reconhece vínculo empregatício entre entregador motorizado e IFood

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O parágrafo único do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é claro: os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Assim, a Justiça do Trabalho no Estado de São Paulo, nas suas duas instâncias, reconheceu o vínculo empregatício entre um entregador de comida pronta e a IFood.Com Agência de Restaurantes Online S. A. e a IFood Benefícios e Serviços Ltda., em face do preenchimento dos requisitos do artigo 3º da CLT: subordinação jurídica, pessoalidade, onerosidade e não eventualidade – ou seja, trabalho contínuo. O reclamante fez entregas de motocicleta no período de maio de 2021 a maio de 2024.

Para o juiz Maurício Pereira Simões, titular da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, a empresa reclamada – via plataforma digital – praticava a ‘‘subordinação algorítmica’’. Afinal, a IFood: decide quem pode trabalhar na sua plataforma; impõe as regras; controla em tempo integral as atividades dos motoristas; conhece tudo, e de forma ampla e irrestrita, o que é feito pelo entregador (como e quando é feito, individualmente em relação a cada entregador); tem amplo poder fiscalizatório da atividade dos entregadores; e tem o poder de punir os entregadores – de forma média, com restrição de chamadas, bloqueios unilaterais temporários, e de forma máxima, extrema, mediante bloqueio definitivo.

Comando impessoal e tecnológico

Na visão do julgador, a tecnologia exerce as funções que o antigo chefe (líder, supervisor, gerente) fazia de forma direta e pessoalizada no passado. A plataforma exerce este comando por meio de um aplicativo, em que as regras que nele constam são definidas pela empresa, com a diferença que, ao invés de o trato ser direto e pessoal, é indireto e tecnológico – mas continua a ser nos mesmos moldes de antes, pois há determinações do empregador.

‘‘Há uma dupla disruptividade, portanto, a da Ré com os clientes, o que a mantém enquadrada em atividade típica de intermediária entre estabelecimentos e clientes; e a da Ré com os entregadores, que a mantém na condição de parte subordinante da relação contratual. Em decorrência da presença simultânea de todos os elementos fáticos e jurídicos da relação de emprego, é imperioso o seu reconhecimento’’, anotou na sentença, acolhendo a pretensão trabalhador neste aspecto.

No segundo grau, o entendimento foi seguido pela maioria dos integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo). ‘‘De fato, se as plataformas digitais se limitassem à venda de aplicativos para os trabalhadores e consumidores, sem participação posterior pelo uso ou organização dos serviços e atividades, poderíamos afirmar que seriam apenas empresas de tecnologia; no entanto, não é o que ocorre na realidade’’, escreveu no acórdão a relatora que negou provimento ao recurso ordinário da empresa, desembargadora Eliane Pedroso.

Entregador não tem autonomia nem independência

Para a relatora, a evolução do conceito de subordinação torna falha a tese da defesa de que o trabalhador é totalmente autônomo e independente, que pode escolher quando e de que modo trabalhar. A realidade mostra o contrário: ele se submete a longas e extenuantes jornadas de trabalho, ganhando por entrega, dentro das regras impostas pela plataforma. Daí, se presume que o baixo valor da remuneração pelas entregas conduz à permanência do trabalhador por longas horas conectado à plataforma.

‘‘E esse é um indício forte da subordinação jurídica, posto que o obreiro se sujeita a trabalhar com o que lhe é oferecido, entregue aos padrões estabelecidos pela empresa, cuja fiscalização ocorre por meio da avaliação (feedback) dos clientes, os quais avaliam o serviço prestado pelo entregador, por meio de notas e comentários lançados no aplicativo, e por meio do uso de dispositivo disciplinar, tendo em vista que, ocorrendo avaliação negativa dos clientes, o aplicativo pode promover o bloqueio do trabalhador’’, complementou.

Em fecho, a relatora frisou que a única liberdade de que dispõe o trabalhador é acessar o aplicativo e aceitar ou não as propostas e, ainda nestes casos, sujeito ao horário de disponibilidade do sistema e ciente de que, a partir do aceite da proposta, deverá seguir todos os parâmetros definidos pela empresa previamente estabelecidos. E mais: o entregador não possui qualquer ingerência sobre o valor do próprio trabalho. É o aplicativo que precifica o valor do frete, restando ao trabalhador sujeitar-se à proposta que aparece em sua tela de celular.

Voto divergente

Neste julgamento, ficou vencida a posição da juíza do trabalho convocada na 1ª Turma do TRT-2, Elza Eiko Mizuno, que apresentou voto divergente. Ela disse que a justiça não pode ficar alheia às novas tecnologias e formas modernas de prestação de serviço, que se dão de forma distinta da relação de emprego clássica.

A seu ver, o entregador do IFood pode definir os dias e os horários nos quais se ativa na plataforma digital, inclusive se manter desconectado em determinados períodos, sem necessidade de prévia anuência por parte da reclamada, ou mesmo de comunicação nesse sentido. Ou seja, não há quantidade mínima de entregas a serem realizadas, nem carga horária mínima de prestação de serviços.

‘‘De igual modo, a possibilidade de descredenciamento do entregador que não atenda às referidas diretrizes e recomendações não comprova a existência de subordinação, por si só, pois, para qualquer modalidade de prestação de serviços, é comum e esperada a exigência de padrões mínimos, ainda que utilizados meios telemáticos de comando, controle e supervisão, na forma sustentada pelo recorrente’’, encerrou no voto vencido, citando precedentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

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ATOrd 1001799-33.2024.5.02.0004 (São Paulo)

 

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