POTENCIAL POLUIDOR
Cemitério sem licença ambiental não pode realizar sepultamentos, decide TJRS

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O artigo 1º da Resolução 335, de 2003, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), diz que os cemitérios – horizontais ou verticais – têm de se submeter ao processo de licenciamento ambiental. E, até dezembro de 2010, os municípios deveriam estabelecer os seus critérios de adequação, segundo o artigo 11.

Por demorar uma década para cumprir a norma do Conama, o Município de Nova Santa Rita (região metropolitana) acabou condenado pela 2ª Vara Cível da Comarca de Canoas (RS) a concluir o licenciamento ambiental dos cemitérios de Morretes, Caju e Berto Círio no prazo máximo de 12 meses a contar da sentença. Isso além de ter de cumprir outras obrigações correlatas, sob pena de interdição para futuros sepultamentos. A condenação foi confirmada integralmente pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

Ação civil pública

A ação civil pública (ACP) foi manejada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), cansado de esperar as providências da municipalidade para evitar os impactos ambientais e danos à saúde pública pela operação inadequada destes empreendimentos.

Desde 2012, quando instaurou o inquérito cível, o MP gaúcho constatou a ausência de procedimentos adequados de impermeabilização e monitoramento do solo e dos mananciais, passíveis de contaminação por resíduos de decomposição dos cadáveres e infiltração de água dentro dos caixões.

O perigo ambiental do necrochorume

No primeiro grau, a juíza Patrícia Dorigoni Hartmann considerou inadmissível a morosidade administrativa da municipalidade, frente ao risco real de contaminação do lençol freático por necrochorume – isso além da perpetuação de outros danos ambientais já causados no entorno dos cemitérios. O necrochorume é um tipo de chorume produzido durante a decomposição dos cadáveres, composto sobretudo pela cadaverina, uma amina de odor fétido, subproduto da putrefação.

Des. Alexandre Mussoi Moreira
Foto: Imprensa/TJRS

‘‘De fato, não se afigura razoável a demora – até a presente data [17/8/2022], impondo-se fazer ver que os pedidos de licença de operação encontram-se ainda em fase inicial de apresentação de documentos – de 10 anos para a obtenção de licenciamento ambiental de atividade essencial à coletividade, pelo que inafastável o acolhimento do pedido –, inclusive porque frustrados os diversos incentivos extrajudiciais, na medida em que ultimadas apenas medidas paliativas que não atendem aos comandos veiculados na legislação e nos atos administrativos de regência.

Cemitérios têm obrigações com a lei ambiental

No segundo grau, fase de apelação, o desembargador Alexandre Mussoi Moreira, do TJRS, não teve dúvidas em responsabilizar o município pela falta do licenciamento ambiental. Ele lembrou que duas outras resoluções – Conama 368/2006 e Anexo 1 do Consema 372/2018 – também consideram os cemitérios como atividades potencialmente poluidoras. E isso, por consequência, gera a obrigatoriedade do licenciamento ambiental.

‘‘No caso, há o dever legal de que o Município proceda conforme ao postulado pelo Ministério Público, pois houve nítida omissão em relação ao meio ambiente. Trata-se de verdadeiro dever-poder de caráter legal da Administração Pública, com suporte no princípio da indisponibilidade do interesse público, de modo que fica autorizado ao Poder Judiciário corrigir qualquer distorção para retomar a ordem jurídica transgredida, sem importar em desatendimento do princípio da separação de poderes’’, anotou Moreira no acórdão que manteve íntegra a sentença.

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5008486-05.2020.8.21.0008 (Canoas-RS)

 

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MANDATÁRIA DO SEGURADO
Associação de proteção veicular pode ser responsabilizada em ação que busca pagamento de seguro

A associação de proteção veicular que atua na condição de estipulante de seguro automotivo coletivo tem legitimidade passiva e pode ser responsabilizada, solidariamente com a seguradora, em ação que busca o pagamento de indenização securitária. A decisão, unânime, é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

‘‘É possível, excepcionalmente, atribuir ao estipulante a responsabilidade pelo pagamento da indenização securitária, em solidariedade com o ente segurador, como nas hipóteses de mau cumprimento de suas obrigações contratuais ou de criação, nos segurados, de legítima expectativa de ser ele o responsável por esse pagamento’’, afirmou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator.

No caso, uma mulher ajuizou ação contra a associação Auto Truck e a Nobre Seguradora, buscando obter indenização securitária advinda de contrato de seguro automotivo coletivo, bem como compensação por danos morais, tendo em vista a ocorrência de acidente que ocasionou a perda total do veículo segurado.

Por entenderem que a apólice contratada já estava em vigor quando o acidente ocorreu, as instâncias ordinárias condenaram as demandadas, solidariamente, ao pagamento da indenização securitária, além do valor de R$ 6 mil a título de danos morais.

No recurso ao STJ, a Auto Truck alegou que agiu como mera intermediária na formalização da apólice coletiva, de modo que não poderia figurar no polo passivo da ação proposta pela segurada. Sustentou, também, que o estipulante não pode ser condenado solidariamente, visto que a responsabilidade de pagar os prejuízos do sinistro é exclusiva da seguradora.

Entidade não cumpriu adequadamente suas obrigações

Ministro Villas Bôas Cueva foi o relator
Foto: Gustavo Lima/Imprensa STJ

Segundo o relator, o STJ tem o entendimento de que o estipulante, em regra, não é o responsável pelo pagamento da indenização securitária, pois atua apenas como interveniente, na condição de mandatário do segurado, agilizando o procedimento de contratação do seguro (artigos 21, parágrafo 2º, do Decreto-Lei 73/1966, e 801, parágrafo 1º, do Código Civil).

Contudo, o ministro destacou que, excepcionalmente, o estipulante pode ser responsabilizado pelo pagamento do seguro, em solidariedade com a seguradora. Segundo o relator, no caso analisado, ficou demonstrado que a entidade estipulante não cumpriu adequadamente suas obrigações, pois era a responsável por intermediar a contratação da apólice entre seus associados, mas não diligenciou acerca do correto momento em que entraria em vigência o seguro da autora da ação.

Associação criou expectativa de que se responsabilizaria pelo pagamento dos prejuízos

Além disso, o ministro ressaltou que a associação também criou na segurada a legítima expectativa de que se responsabilizaria pelos danos decorrentes do sinistro, já que foi instituída justamente para promover proteção veicular, tendo – conforme seu próprio regulamento – o único objetivo de conferir segurança aos associados, mediante o rateio, entre eles, de eventuais prejuízos ocorridos com os automóveis.

Villas Bôas Cueva afirmou que a responsabilidade de indenizar os associados, no caso de danos sofridos pelos veículos, está evidenciada no regulamento da associação e até mesmo na proposta de filiação oferecida aos associados.

‘‘A responsabilidade da entidade associativa de socorro mútuo em garantir sinistros de seus associados não é afastada por ela também atuar como estipulante em contrato de seguro em grupo, de modo que deve observar seu regulamento e o objetivo que fundamenta sua criação – no caso, a proteção veicular’’, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso especial. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.080.290

ABUSO DE MANDATO
Reter indevidamente valores de cliente idoso e doente causa dano moral, decide TJRS

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Advogado que, por abuso de confiança no curso do mandato, retém indevidamente valores expressivos de cliente idoso e doente atenta contra direitos de personalidade assegurados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem. Logo, tem de indenizá-lo na esfera moral.

A conclusão é da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao condenar a advogada Raquel Miriam de Vargas Bocchese, da Comarca de Vacaria, a pagar R$ 10 mil a seu ex-cliente, a título de danos morais. Ela já havia sido condenada no primeiro grau em danos materiais, tendo de devolver R$ 59 mil ao idoso, valor retido de maneira injustificada – sentença confirmada neste aspecto.

Para o juízo de origem, transtornos do autor não passaram de ‘‘mero dissabor’’

Na origem, o juiz Mauro Freitas da Silva, titular da 1ª Vara Cível da Comarca, negou o pedido de danos morais, entendendo que as angústias e o abalo psicológico vivenciados pelo autor da ação indenizatória não passam de ‘‘dificuldades comuns das relações negociais’’. Noutras palavras, tudo se resumiria a ‘‘dissabores’’.

‘‘O que ocorreu foi mero transtorno do cotidiano, não podendo ser acolhido como ofensa a direito subjetivo legalmente tutelado. A indenização por dano moral deve revestir-se de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo lesado, sem que caracterize enriquecimento e adstrito ao princípio da razoabilidade. No caso em tela, não se consumou qualquer fato constrangedor capaz de impor à ré o dever de indenizar’’, escreveu na sentença.

‘‘Idoso doente privado do valor retido’’, constatou a desembargadora

Desa. Carmem Farias foi a relatora
Foto: Imprensa/TJRS

A relatora da apelação no TJRS, desembargadora Carmem Maria Azambuja Farias, percebeu os fatos de forma diferente. Ela disse que o caso envolve abuso de confiança em mandato firmado entre as partes, uma vez que a advogada retirou alvará no valor de R$ 162 mil e deixou de repassar ao cliente R$ 59 mil – retenção indevida reconhecida nas duas instâncias da Justiça.

‘‘O autor é pessoa idosa, tendo sofrido com enfermidades nos anos de 2016/2017, época em que foi privado do valor retido pela ré, conforme demonstrou pelos documentos anexados, o que configura, a meu ver, dano moral, haja vista que a condição do apelante, aliada à expressividade do valor que deixou de receber, extrapola a esfera do mero dissabor’’, justificou no acórdão, dando provimento à apelação do autor – que faleceu no curso do processo.

Inconformada com a derrota na 15ª Câmara Cível, a advogada interpôs recurso especial (REsp) na 3ª Vice-Presidência do TJRS, para tentar virar o jogo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os principais pontos alegados na petição: inexistência de retenção indevida de honorários, incorreto dimensionamento dos valores retidos e não configuração da prática de ato ilícito – ou seja, inocorrência de danos morais. A terceira vice-presidente, desembargadora Lizete Andreis Sebben, admitiu o REsp, enviando os autos para apreciação do STJ.

Clique aqui para ler a decisão que admitiu o REsp

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038/1.17.0003360-5 (Vacaria-RS)

 

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PATROA DEMITIDA
Empregador que não paga hora extra está sujeito à pena de rescisão indireta, decide TRT-MG

”Escrava”, Debret

O não pagamento de horas extras trabalhadas é motivo para o empregado pedir rescisão indireta do contrato de trabalho, com fundamento no artigo 483, letra ‘‘d’’, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); ou seja, incorre em falta grave o empregador que não cumpre com suas obrigações contratuais com o empregado.

Assim, os julgadores da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), por unanimidade, acolheram o pedido de uma empregada doméstica de Belo Horizonte, reconhecendo a rescisão indireta do seu contrato de trabalho, em razão da falta de pagamento das horas extras.

A rescisão indireta é como se fosse uma demissão por ‘‘justa causa’’, mas partindo do empregado contra o empregador – no caso dos autos, a patroa da reclamante.

Relação empregatícia inviabilizada

Des. Émerson Alves Lage foi o relator
Imagem: Youtube

De acordo com o desembargador Emerson José Alves Lage, que atuou como relator do recurso da trabalhadora, a empregadora inviabilizou a relação empregatícia. Em decorrência do entendimento, no aspecto, condenou a empregadora a pagar aviso-prévio, férias proporcionais +1/3, 13º salário proporcional, acréscimo de 40% sobre o FGTS, além da multa do artigo 477 da CLT.

Segundo o desembargador, a conduta do empregador apta a ensejar a ruptura indireta do contrato de trabalho deve ser suficientemente grave para inviabilizar a continuidade da relação de emprego. ‘‘A justa causa impingida ao empregador há de se pautar em fatos graves, devidamente provados, exigindo motivação jurídica bastante para o reconhecimento da impossibilidade de se manter o vínculo de emprego’’, reforçou.

No caso dos autos, ficou provado que a doméstica trabalhava em excesso à jornada de oito horas diárias e 44 horas semanais, mas não recebia pela sobrejornada. O juízo de primeiro grau condenou a empregadora a lhe pagar as horas extras devidas, mas entendeu que a ausência do pagamento da sobrejornada, na época própria, não seria suficiente para autorizar a rescisão indireta.

Entretanto, segundo pontuou o relator, a Turma revisora tem entendido que o não pagamento de horas extras trabalhadas é motivo para rescisão indireta do contrato

Empregados domésticos X horas extras X cartão de ponto

No caso, a empregadora não apresentou os cartões de ponto da empregada doméstica, razão pela qual a jornada de trabalho foi auferida pela prova testemunhal, que comprovou a prestação de sobrejornada.

No voto condutor, o relator ressaltou que, com a Emenda Constitucional nº 72, de 2/4/2013, os trabalhadores domésticos passaram a ter direito à jornada de trabalho de até oito horas diárias e 44 horas semanais, sendo-lhes garantido o direito às horas extras trabalhadas além desse limite.

Além disso, conforme pontuado, a partir da vigência da Lei Complementar 150/15, em 2 de junho de 2015, passou a ser obrigatório ‘‘o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo’’, independentemente do número de empregados. Os empregados domésticos ainda passaram a contar com o direito ao intervalo intrajornada de, no mínimo, uma hora.

Como observou o relator, o contrato de trabalho da autora, na função de empregada doméstica, teve início em agosto de 2021; ou seja, quando já vigorava a Lei Complementar mencionada, razão pela qual era obrigação da empregadora manter registros do horário de trabalho. Diante da inexistência desses registros, a jornada da autora foi apurada com base nos relatos das testemunhas, que, como visto, comprovaram a prestação de horas extras sem o devido pagamento.

Após o pagamento da dívida trabalhista, foi declarada extinta a execução, e o processo foi arquivado definitivamente. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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0010067-16.2022.5.03.0108 (Belo Horizonte)

NEGLIGÊNCIA DO PATRÃO
Auxiliar de limpeza vai ganhar R$ 100 mil por ter visto homem nu no vestiário da empresa

Reprodução internet

Uma auxiliar de limpeza terceirizada que se deparou com um funcionário sem roupa no vestiário que seria limpo por ela obteve direito a receber indenização de R$ 100 mil por danos morais. Para o juízo da 36ª Vara do Trabalho de São Paulo, houve ‘‘negligência deliberada’’ das empresas prestadora e tomadora de serviços ao não instituir diretrizes ou treinar a reclamante para adotar precauções antes de entrar nesses locais.

A sentença levou em conta o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

‘‘Chão molhado’’

A trabalhadora conta que entrou no vestiário do centro de distribuição da importadora do ramo têxtil onde prestava serviços, certificou-se de que não havia ninguém ali, colocou uma placa indicando chão molhado e saiu para pegar os produtos de limpeza.

Quando voltou, encontrou o homem nu, que a encarou, riu e posteriormente, segundo o processo, teria feito ameaças, inclusive físicas, contra ela. Ao reportar o fato à companhia, foi removida do posto onde trabalhava e ouviu que a culpa era dela, já que ‘‘vestiário é lugar onde pessoas trocam de roupa’’ e que não havia ‘‘batido na porta ou avisado que estava entrando no local’’.

No processo, o juiz substituto Thomaz Moreira Werneck ressalta que as empresas, além de não adotarem nenhuma cautela para evitar o problema, ainda tentaram culpar a vítima – mulher, negra e trabalhadora. Destaca que as instituições realmente acreditam que a reclamante é quem deveria adotar as precauções para evitar o dano.

Empregador deve zelar pelo saudável ambiente laboral

‘‘Na verdade, são as empresas que devem cumprir e fazer cumprir as regras necessárias para o desenvolvimento de um ambiente de trabalho saudável (art. 157 da CLT), não apenas do ponto de vista físico, mas também mental”, afirma o magistrado n sentença.

Considerando a natureza grave da ofensa, a falta de retratação e o fato incontroverso, admitido direta ou indiretamente pelos envolvidos, o juízo condenou solidariamente empregador e tomadora a arcarem com a indenização pelo dano moral.

Da sentença, cabe recurso ordinário trabalhista (ROT) ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo). Com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATSum 1001096-74.2022.5.02.0036 (São Paulo)