PL 2.724/22
A regulação dos planos de stock options

Por Renan Castro e Murilo Muniz Silva

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº 2.724/2022, que disciplina o regime dos Planos de Outorga de Opção de Compra de Participação Societária – Marco Legal do Stock Options.

O PL busca estabelecer diretrizes sobre os planos de stock options e reduzir a insegurança jurídica sobre eles. São abordados temas sobre a não vinculação dos planos de stock options aos contratos de trabalho dos empregados, reforçando a natureza mercantil e a característica não remuneratória de tais planos, e questões sobre o tratamento tributário dado às stock options, em relação ao momento da tributação do ganho de capital (Imposto de Renda), definido pelo PL como sendo o da venda das ações/quotas da empresa.

Atualmente, não há regulamentação específica sobre os planos de stock options, utilizando-se como base legal a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76), que, no artigo 168, parágrafo 3º, estabelece a possibilidade de outorga de opção de compra de ações aos administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços às companhias ou a sociedade sob seu controle.

Mas afinal, o que é stock options? Trata-se de um mecanismo pelo qual uma empresa outorga ao empregado (direto ou indireto) a possibilidade de aquisição de uma quantidade determinada de ações ou quotas da empresa em data futura por preço determinado na celebração do contrato, mediante o cumprimento de condições estabelecidas no plano (vesting). Esse mecanismo permite que empresas menores, as famosas startups, sejam atrativas para os profissionais mais qualificados do mercado frente às grandes companhias que não utilizam esse mecanismo.

Se aprovado com a redação atual, o PL (artigo 9º) estipulará condições mínimas a serem observadas pelas empresas em seus planos de stock options, que são: (I) a quantidade de opções ou ações que o beneficiário terá direito de adquirir ou subscrever com o exercício das opções; (II) o prazo no qual o beneficiário poderá exercer a sua opção da participação societária; (III) o preço por opção e/ou pelo seu exercício para efetiva aquisição da participação societária; (IV) a previsão de eventual período de indisponibilidade para venda de ação ou quota, a partir do exercício de uma opção outorgada (lock up); e (V) a possibilidade de a empresa recomprar dos beneficiários as opções ou ações adquiridas pelo empregado.

Embora os requisitos estabelecidos no PL não sejam novidade para as empresas que utilizam o mecanismo de stock options, pois são previsões encontradas na maioria dos planos, é de suma importância que a legislação veicule tais condições, a fim de garantir maior segurança jurídica às empresas na elaboração e oferta do plano de ações aos seus colaboradores.

E no que se refere a tributação, o PL trará significativo impacto, pois, além de (I) estabelecer que os planos de stock options têm natureza mercantil, desde que, evidentemente, observados os requisitos legais; (II) ainda esclarece que o Imposto de Renda incidente sobre o potencial ganho de capital na venda das ações (diferença positiva entre o preço de alienação das ações e o custo de aquisição) deve ser pago por ocasião da alienação das participações societárias.

As definições trazidas no PL são relevantes, pois, atualmente, ainda há forte discussão também no âmbito do Poder Judiciário sobre a natureza jurídica dos contratos de stock options, se mercantil ou remuneratória. Tanto que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu alguns recursos especiais como representativos de controvérsia para julgamento em sede de recursos repetitivos, onde será definida justamente a natureza jurídica dos contratos de opção de compra de ações outorgados aos empregados/administradores.

Vale comentar, inclusive, que, recentemente, no acórdão nº 2402-010.654, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recurso Fiscais (Carf) alterou seu posicionamento reconhecendo a natureza mercantil do plano de stock options analisado, cancelando a exigência fiscal. Em suas razões de decidir, o relator sustentou a presença de três requisitos: voluntariedade na adesão; onerosidade na outorga das ações; e risco quanto à variação de preço das ações, típicos de um contrato mercantil.

Isso tudo reforça a urgência de o Poder Legislativo definir a regulamentação sobre os planos de stock options, de modo a afastar definitivamente as delongadas discussões acerca da natureza jurídica dos planos em questão, e, além disso, garantir maior segurança jurídica às empresas por ocasião da elaboração e oferta dos planos de stock options aos seus colaboradores.

Portanto, é extremamente benéfica a aprovação desse PL, pois os planos de stock options são uma excelente ferramenta à disposição das empresas, independentemente do porte e segmento econômico em que atuam, como forma de atrair os melhores profissionais do mercado, além de reter os talentos, visto que permite maior engajamento desses profissionais ante a expectativa de retorno financeiro com a valorização das ações/quotas da empresa.

Renan Castro e Murilo Muniz Silva são, respectivamente, coordenador da área tributária e sócio da área societária no escritório Diamantino Advogados Associados.

TRIBUTO INEXIGÍVEL
É inconstitucional cobrar adicional de ICMS para Fundos de Combate à Pobreza

Por Renan Castro e Patrícia Campos

A incidência do adicional de ICMS destinado aos Fundos Estaduais de Combate à Pobreza (FECP) sobre bens e serviços essenciais tem gerado debates.

A Emenda Constitucional 31/2000 inseriu os artigos 82 e 83 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), outorgando aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios a competência para instituição de adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do ICMS para financiamento do Fundo Estadual de Combate à Pobreza.

Nos termos do artigo 83, o referido adicional deveria incidir sobre as operações realizadas com produtos e serviços a serem definidos em lei federal como supérfluos.

Vale destacar que, não obstante a ausência de legislação federal estabelecendo os produtos e serviços considerados supérfluos, diversos estados exerceram a competência que lhes foi outorgada, instituindo o adicional de ICMS para financiamento do FECP, incidente nas operações acima comentadas.

Posteriormente, foi editada a Emenda Constitucional 42/2003, que, além de alterar a redação do parágrafo 1º do artigo 82 do ADCT, convalidou os adicionais instituídos pelos estados que estivessem em desacordo com a norma constitucional (ausência de legislação federal estabelecendo os produtos e serviços considerados supérfluos).

Nesse sentido, após a EC 42/2003, é preciso ressaltar que: (1) o adicional de ICMS incide apenas sobre produtos supérfluos; e (2) devem ser observadas as condições previstas em lei complementar para exigência do mencionado adicional.

Com base nisso, fácil é de se concluir que os bens ou serviços considerados essenciais não podem estar sujeitos ao adicional do ICMS, justamente em virtude de que não se enquadram na hipótese prevista no artigo 82, parágrafo 1º, do ADCT.

Ocorre que, até recentemente, de igual sorte, não havia legislação estabelecendo os bens e serviços que seriam essenciais, e, portanto, indispensáveis.

No entanto, em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, em sede de repercussão geral (RE 714.139 -Tema 745), a inconstitucionalidade da alíquota de 25% incidente sobre energia elétrica. Ficou consolidado o entendimento de que a seletividade do ICMS pelo legislador estadual deve observar a essencialidade de determinados bens e serviços, não podendo estes terem alíquota maior do que aquelas incidentes em operações em geral (alíquota modal).

Em seguida, em 2022, foi publicada a Lei Complementar 194, que incluiu os artigos 18-A e 32-A no Código Tributário Nacional (CTN) e na Lei Kandir, respectivamente, para expressamente descrever os bens e serviços tidos como essenciais e que, por esta razão, também não se sujeitariam à alíquota superior à modal.

Desta forma, fica evidente que a norma estadual que determina a incidência do adicional de ICMS destinado aos FECPs sobre as operações envolvendo combustíveis, gás natural, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo, fere dispositivos constitucionais e legais. É, portanto, inconstitucional.

Com base em tais fundamentos, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro julgou procedente o Agravo de Instrumento nº 0039006-09.2023.8.19.0000, afastando a incidência do adicional do ICMS destinado ao FECP, previsto no artigo 2º do Decreto nº 48.664/2023, sobre o fornecimento do serviço de telecomunicação, como se vê abaixo:

‘‘Agravo de Instrumento. Tributário. Fundo de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais – FECP. Adicional incidente na alíquota do ICMS. Lei Estadual n.º 4.056/02. Assento Constitucional. Artigo 82 das disposições transitórias, incluído pelas Emendas Constitucionais nº 31/2000 e 42/2003, cuja incidência se aplica aos serviços de natureza não essenciais, ou seja, supérfluas. Lei Complementar Federal nº 194/2022, em vigor desde a publicação em 23/06/2022, que incluiu o artigo 18-A no Código Tributário Nacional e o artigo 32-A na Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), dispondo que os serviços e operações relativas à comunicação e energia elétrica dentre outros são considerados essenciais e indispensáveis. Alteração que afasta apenas a incidência do adicional do FECP. Liminar deferida para suspender a exigibilidade do crédito tributário referente a cobrança do adicional do FECP na alíquota do ICMS sobre o fornecimento de telecomunicação, com fundamento no artigo 151, IV, do CTN. Provimento do Recurso.”

Desta forma, são relevantes os fundamentos para se afastar a incidência do adicional do ICMS, instituído pelos estados e destinado ao FECP, sobre as operações envolvendo combustíveis, gás natural, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo, especialmente em virtude de que tais bens e serviços, após a publicação da LC 194/2023, foram alçados à categoria de essenciais e indispensáveis.

Renan Castro é coordenador tributário

Patrícia Campos é advogada na área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados.

FUROR ARRECADATÓRIO
Reforma tributária e o Imposto Seletivo: o que esperar dos próximos capítulos

Por Gustavo Vaz Faviero

Diamantino Advogados Associados

De modo geral, o sistema tributário pode ser financiado a partir de quatro fenômenos econômicos: renda, folha de pagamentos, propriedade e consumo. No Brasil, se optou por concentrar a maior parte da arrecadação no consumo, elemento que corresponde a cerca de 41% da carga tributária total.

Pelo desenho federativo do Brasil, os três entes federados (União, estados e municípios) possuem capacidade legislativa para instituir, cobrar e fiscalizar os tributos. Tal cenário gera distorções, principalmente, no que diz respeito à tributação sobre o consumo.

Em linhas gerais, a reforma tributária aprovada buscou ajustar a tributação sobre o consumo, com a unificação do ISSQN, ICMS, IPI, PIS e Cofins em três tributos: CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços — federal), IBS (Imposto sobre Bens e Serviços — estadual/municipal) e o IS (Imposto Seletivo — federal), formando um “IVA à brasileira”.

Dentre os pilares apresentados para a reforma estão a simplicidade, a justiça fiscal (respeito à capacidade contributiva), a manutenção da carga tributária global, a eficiência, a transparência do custo tributário ao consumidor e a proteção ao meio ambiente.

Mas será que as premissas apresentadas se sustentam sob a ótica do Imposto Seletivo (IS)?

Esse imposto tem como objetivo realizar a substituição parcial e/ou complementação do IPI, tributo que foi perdendo relevância na arrecadação geral.

Isso porque apesar de o seu valor monetário ainda ser alto (aproximadamente R$ 59 bilhões em 2022) é apenas o 5º colocado no ranking arrecadatório, ficando atrás, inclusive, do IOF [1].

No campo constitucional, foi alterada a redação do art. 153, dando o contorno constitucional ao IS no seu inciso VIII e § 6º. Pela própria redação do dispositivo constitucional e da exposição de motivos conclui-se que o Imposto Seletivo é uma espécie de “Imposto de Pecado” (“sin tax”).

Diversamente do contorno constitucional do IPI, cuja matriz era a industrialização de mercadorias, no Imposto Seletivo o critério da materialidade visa proteger os direitos difusos da saúde e do meio ambiente.

Dois argumentos são utilizados para legitimar a cobrança do Imposto Seletivo. Primeiro que a carga tributária mais onerosa sobre determinados bens e serviços desestimularia o consumo deles. O segundo é o de que bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente acarretam elevados gastos para as contas públicas. Consequentemente haveria a necessidade destes bens e serviços compensarem os gastos públicos com uma arrecadação maior.

Ocorre que este desenho atual traz diversas inconsistências no sistema.

Primeiro, a definição de qual produto é classificado como prejudicial à saúde ou ao meio ambiente gerará discussões.

Isto porque, apesar de alguns produtos serem mais óbvios, como cigarro e bebidas alcoólicas, a tributação de alimentos/bebidas açucarados/ultraprocessados, veículos automotores, petróleo e seus derivados ou mesmo defensivos agrícolas é um tema mais delicado.

Mesmo a tributação do primeiro grupo é tema de debate. Tomemos bebidas alcoólicas, por exemplo. A tributação deve ser feita indiscriminadamente para toda bebida, ou devemos graduar o imposto conforme o nível de álcool?

Ainda, bebidas que estrategicamente façam parte do comércio local (por exemplo, vinhos e espumantes na região Sul, destilados como a cachaça na região Sudeste) devem receber tratamento especial ante as demais bebidas? Devemos graduar o imposto conforme a procedência, se produzido no Brasil ou se importado?

Essas perguntas são inerentes ao Imposto Seletivo e trazem um ponto adicional. Sempre que se cria um imposto que tem como objetivo a justiça fiscal, se abre mão da simplicidade e da eficiência, elementos centrais que a reforma busca promover.

Outra questão importante é a inerente regressividade dos “sin taxes” (“impostos do pecado”).

Historicamente, a taxação de um bem específico era conveniente ao governo, seja pela facilidade do controle e cobrança, seja pela garantia de arrecadação, uma vez que os bens por ele tributados eram normalmente demanda inelástica, ou seja, a procura não é impactada significativamente pelo preço.

Contudo, com o passar do tempo, a regressividade deste tributo passou a ser levada em consideração. Isso porque os bens e serviços normalmente tributados pelos sin taxes (por exemplo, cigarros, álcool, bebidas açucaradas) são adquiridos indiscriminadamente por toda a população. Assim, o efeito financeiro é mais percebido na população mais carente, que tem menos opções de produtos.

Ainda, apesar de ser um objetivo nobre a tributação de alimentos ou bebidas que não sejam benéficas para a saúde, provavelmente, a camada da população com menos recursos será a mais onerada pelo tributo.

O terceiro problema reside na possibilidade de que o Imposto Seletivo possa acarretar o aumento do contencioso tributário. Pois bem, tributos que tenham como justificativa de existência uma política extrafiscal têm intrinsecamente um grau de rejeição e de planejamento tributário em decorrência da sua complexidade.

O texto constitucional, ao dispor como bens e serviços tributáveis pelo Imposto Seletivo aqueles que geram impacto à saúde e ao meio ambiente, trouxe uma base extremamente abrangente.

Tome-se como exemplo os veículos elétricos. Não se questiona se estes causam impacto ambiental substancialmente menor do que os veículos que usam combustíveis fosseis. Contudo, caso a legislação considere que os pneus sejam prejudiciais ao meio ambiente devido à sua longa degradação natural, faria sentido impor uma tributação adicional com base em sua utilização?

Em outras palavras, a nocividade do produto ou do serviço deve ser avaliada a partir da natureza intrínseca do bem ou de sua aplicação na cadeia produtiva?

Tais indagações permanecem sem resposta no presente momento, mas indicam que o acompanhamento dos contribuintes implicará significativo custo administrativo, para fiscalizar e analisar os litígios decorrentes.

Ainda, se adotarmos novamente a atual classificação do IPI, por meio do código NCM, nos deparamos, novamente, com debates a respeito da correta categorização fiscal do produto (por exemplo, se determinado item se qualifica como bombom ou wafer, ou se determinada bebida constitui suco integral ou refresco). Discussões antigas que continuarão.

O quarto problema é que não há previsão de que o princípio da seletividade deve ser utilizado na dosimetria das alíquotas do Imposto Seletivo.

Diversamente do que ocorre no IPI, não há previsão expressa da aplicabilidade do princípio da essencialidade no cálculo das alíquotas do IS. Assim, o legislador infraconstitucional possui, a princípio, ampla liberdade para o cálculo da carga tributária do imposto.

O quinto problema diz respeito à destinação das receitas. Um dos fundamentos adotados para a instituição do Imposto Seletivo é o de que os bens e serviços por ele onerados trazem malefícios à sociedade que devem ser suportados pelos cofres públicos. Logo, sobre estes produtos e serviços deve haver uma tributação mais alta para compensar as contas públicas.

O problema deste argumento é que a instituição do tributo por meio de imposto ignora totalmente este aspecto, pois os custos com a saúde ou o meio ambiente não são suportados diretamente com a receita deste tipo de imposto.

Isso porque, diferentemente de contribuições, as receitas de impostos não possuem uma destinação específica. Na prática, o dinheiro acaba sendo utilizado no caixa único do governo.

A grande questão que o Imposto Seletivo deixa em aberto é como fazer a adequada tributação dos bens e serviços que seriam (ou não) prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Para essas cenas, teremos que aguardar os próximos capítulos da novela.

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 [1]Em 2022, os principais tributos que mais arrecadaram sobre o consumo foram: 1º – ICMS – R$ 692.000.000.000,00; 2º – COFINS – R$ 271.000.000.000,00; 3º ISSQN – R$ 107.000.000.000,00 bilhões; 4º IOF 58.989.000.000,00; 5º – IPI – R$ 58.944.000.000,00.

Gustavo Vaz Faviero é advogado e coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados (DAA)

GOODWILL
Ágio e empresas-veículo: lacuna legal permanece mesmo com nova decisão do STJ

Por Patrícia Campos Soares

Advogada Patrícia Campos Soares
Reprodução: Linkedin

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão inédita e favorável aos contribuintes nos autos do REsp 2.026.473/SC, permitindo o aproveitamento fiscal do ágio por rentabilidade futura (goodwill) em operações com ágio interno e empresas-veículo; isto é, sociedades usualmente constituídas por um curto período para receber um aporte financeiro e adquirir um investimento, muitas vezes sendo utilizada como sociedade intermediária da operação.

Inobstante o novo precedente, a lacuna legal referente ao uso de empresas-veículo permanece mesmo com o advento da Lei nº 12.973/2014, que trouxe diversas alterações relevantes na legislação tributária, inclusive no que diz respeito aos dispositivos aplicáveis à amortização fiscal do goodwill [1], razão pela qual as discussões sobre a matéria parecem estar longe de se encerrar.

Isso porque as normas anteriores que tratavam do tema não traziam qualquer impeditivo ao aproveitamento fiscal do goodwill nesses casos e, não obstante a Lei nº 12.973/2014 tenha vedado expressamente a dedutibilidade do ágio interno, esta permaneceu silente quanto ao aproveitamento do ágio em operações com interposição de empresas-veículo.

Diante dessa lacuna legal, o Fisco lavrava — e continuará lavrando — inúmeros autos de infração sob o argumento de que as empresas-veículo são constituídas com o único objetivo de reduzir tributos mediante o aproveitamento fiscal do ágio; ou seja, não haveria fundamento econômico que desse respaldo à operação para validar a amortização do goodwill.

Quando essas discussões chegavam ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, as decisões proferidas pelo órgão variavam dependendo do caso concreto, sendo mantidas as autuações nas hipóteses de o Carf entender que não havia ‘‘propósito negocial’’ na operação; isto é, qualquer objetivo na constituição da empresa-veículo além da dedutibilidade do ágio.

Nos últimos cinco anos, diversos precedentes relevantes sobre o assunto foram publicados pelo Carf.  Veja-se alguns exemplos.

Em 19/10/2023, foi proferido o Acórdão nº 1201-006.216 [2], que, por maioria dos votos, julgou procedente o recurso voluntário do contribuinte sob o entendimento de que a legislação então vigente permitiria a aquisição de participações societárias por interposição de empresas-veículo, desde que observados outros requisitos, como a confusão patrimonial, o efetivo desembolso de valores, entre outros — o que teria ocorrido no caso analisado.

De acordo com a referida decisão, ‘‘a opção pela realização de investimentos societários mediante a interposição de empresa veículo necessária ou útil à estratégia de negócios do contribuinte não representa, por si só, infração à lei, com ou sem os reflexos tributários decorrentes da amortização do ágio’’ [g.n.].

Os conselheiros entenderam, ainda, que ‘‘buscar o ágio não é ilícito, salvo nos casos de demonstração de simulação ou outro tipo de patologia intencional que justifique a desconstituição do ato em si’’. [3] [4].

Vale dizer que, na situação analisada, todas as exigências legais para a amortização fiscal do ágio foram observadas pelo contribuinte, razão pela qual a mera utilização de empresa-veículo não teria o condão de afastar a dedutibilidade do goodwill, conforme entendimento do Carf.

Outro exemplo de decisão do Carf sobre a matéria — porém, neste caso, desfavorável ao contribuinte — foi a proferida no Processo nº 11065.722801/2016-67 [5].

Nesta hipótese, as reais adquirentes do investimento se situavam no exterior e adquiriram a participação societária almejada por meio de empresa-veículo que, de acordo com a fiscalização, não possuía quaisquer operações ou mesmo um CNPJ preexistentes, tendo a empresa servido de intermediária tão somente para receber o aporte de recursos advindos de investidores no exterior e adquirir uma eletrônica no Brasil.

O Fisco entendeu se tratar de uma operação simulada em que a empresa-veículo foi constituída com o único objetivo de aproveitar o ágio da operação, sendo que as efetivas adquirentes eram sociedades estrangeiras. O Carf, por sua vez, manteve a autuação do Fisco por entender que não havia propósito negocial na operação [6].

Em que pese haver, de fato, um risco nessa espécie de reorganização societária, parece ser mais apropriado o entendimento de que a utilização de empresa-veículo em uma operação legítima e com fundamento econômico não pode, por si só, ser um impedimento à amortização fiscal do ágio, seja porque não havia — e continua não havendo — quaisquer impedimentos legais nesse sentido, seja porque o ágio integra o custo de aquisição do investimento e o contribuinte deve ter o direito de deduzi-lo, sob pena de violação ao princípio da renda líquida, segundo o qual as regras de tributação do IRPJ e da CSLL devem observar o efetivo acréscimo patrimonial dos contribuintes após as eventuais deduções aplicáveis [7] [8].

Nesse diapasão, são acertadas as decisões no sentido de descaracterizar a autuação do Fisco nos casos em que os requisitos para o aproveitamento fiscal do ágio estão presentes, tais como o efetivo desembolso de valores, o fundamento econômico e a confusão patrimonial, independentemente do emprego de empresa-veículo.

Mesmo porque, do contrário do que costuma alegar o Fisco, existem sim razões comerciais para sua utilização que vão muito além da mera economia tributária — o que, como já explicado, sequer é um ato ilícito, não sendo o planejamento tributário vedado na legislação pátria, mas, sim, as operações que acarretem simulação, fraude ou outra espécie de prejuízo ao erário [9].

Um exemplo de uso de empresa-veículo que possui ‘‘propósito negocial’’ e pode ser benéfico às partes envolvidas na operação é o caso de cisão parcial com posterior aquisição da empresa cindida pelo investidor [10]. Veja-se.

Um investidor pretende adquirir um percentual de participação societária de uma determinada sociedade, mas não possui interesse em ter outros sócios em seu negócio. Os sócios da empresa-alvo, de outro lado, têm a intenção de vender uma parte de sua sociedade e não pretendem compartilhar seu negócio com um terceiro.

Os sócios alienantes, então, realizam uma cisão parcial de sua sociedade, enquanto o investidor cria uma empresa-veículo para adquirir integralmente a empresa cindida, passando a ser o único titular desta na proporção que pretendia em relação à sociedade originária. Após a compra, o adquirente poderá efetuar uma incorporação reversa, extinguindo a empresa-veículo e mantendo a sociedade operacional ativa.

Reorganizações societárias como a do exemplo citado já foram analisadas pelo Carf [11] e, da análise das decisões do órgão, é possível verificar que o risco de manutenção da autuação não está atrelado ao uso de empresas-veículo em si, mas, sim, da ausência de um objetivo em tal estrutura além da redução da carga tributária, apesar de não haver qualquer impedimento legal ao contribuinte de economizar tributos, conforme mencionado.

Como explicado, a oscilação da jurisprudência do Carf tem se repetido há tempos e, embora não tenha havido decisões relacionadas a fatos geradores posteriores ao advento da Lei nº 12.973/2014, considerando que esta não trouxe inovações quanto ao uso da empresa-veículo para fins de amortização fiscal do ágio, a tendência é a de que a jurisprudência administrativa seja mantida; isto é, permitindo o uso de empresas-veículo quando observado algum propósito negocial na operação.

Há, porém, um agravante ao contribuinte que poderá influenciar nas futuras decisões do órgão sobre o tema, qual seja, a retomada do voto de qualidade decorrente da Lei nº 14.689/2023, passando o voto de desempate ser a favor do Governo nas votações do Carf.

No entanto, em que pese a possibilidade de uma mudança de entendimento no Carf sobre a matéria, com a volta do voto de qualidade, há uma luz no fim do túnel que se acende na seara judicial com a recente decisão proferida pelo STJ nos autos do REsp nº 2026473/SC, em 05/09/2023.

Isso porque o STJ validou o entendimento de muitas decisões proferidas pelo Carf e defendido pelos contribuintes de que a mera utilização de empresas-veículo, por si só e diante da ausência de dispositivo legal em contrário, não significa um impedimento ao aproveitamento fiscal do ágio.

De acordo com o Tribunal Superior, ‘‘embora seja justificável a preocupação quanto às organizações societárias exclusivamente artificiais, não é dado à Fazenda, alegando buscar extrair o ‘propósito negocial’ das operações, impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre ‘partes dependentes’ (ágio interno), ou quando o negócio jurídico é materializado via ‘empresa-veículo’; ou seja, não é cabível presumir, de maneira absoluta, que esses tipos de organizações são desprovidos de fundamento material/econômico’’ [g.n.].

Vale destacar que é a primeira vez que um tribunal superior se posiciona sobre o tema, sendo, portanto, um precedente inédito e bastante favorável aos contribuintes.

Ademais, embora a decisão também trate de fatos geradores ocorridos antes da Lei nº 12.973/2014, como explicado, a nova norma não trouxe quaisquer impedimentos à amortização fiscal do ágio em operações com a interposição de empresas-veículo, de maneira que a decisão poderá servir de precedente para fatos geradores ocorridos após a publicação da referida lei.

De fato, a nova decisão do STJ brilha nos olhos dos contribuintes, mas, quando se lida com o Fisco, é preciso sempre se lembrar que nem tudo que reluz é ouro…

Por fim, independente da jurisprudência judicial ou administrativa sobre a matéria, prevalece a lacuna legal que dá ensejo a essa espécie de discussão. Considerando o teor da maioria das decisões proferidas pelo Carf e, agora, pelo STJ, o contribuinte que optar por utilizar empresas-veículos em suas estruturas societárias deve continuar buscando fundamento econômico e razões comerciais que deem à operação algum respaldo para aproveitar fiscalmente o goodwill sem riscos de questionamento pelo Fisco.

[1] Vide art. 20 do Decreto-lei nº 1.598/77 e Lei nº 9.532/1997.
[2] CARF. Recurso Voluntário. Acórdão nº 1201-006.216. Processo nº 10830.722174/2013-31. Data de Sessão: 19/10/2023.
[3] No mesmo sentido: CARF. Recurso Voluntário. Acórdão nº 1302-006.875. Processo nº 16682.720277/2019-89. Data de Sessão: 15/08/2023.
[4] Vide art. 149, VII, do Código Tributário Nacional.
[5] CARF. Recurso Voluntário. Acórdão nº 1401-003.185. Processo nº 11065.722801/2016-67. Data de Sessão: 19/03/2019.
[6] No mesmo sentido: CARF. Recurso Especial do Procurador. Acórdão nº 9101-003.740. Processo nº 10480.735112/2012-25. Data de Sessão: 12/09/2018.
[7] POLIZELLI, Victor Borges. Direito Tributário – Princípio da Realização no Imposto sobre a Renda. Estudos em Homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). São Paulo, 2019. P. 42.
[8] ÁVILA, Humberto. “Dedutibilidade de Despesas com o Pagamento de Indenização Decorrente de Ilícitos Praticados por Ex-Funcionários” em Tributação do Ilícito. Cord. Pedro Augustin Adamy e Arthur Ferreira Neto. São Paulo. Editora Malheiros. 2018.
[9] O planejamento tributário e a teoria do proposito negocial. In: SCHOUERI, Luis Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p 770.
[10] Considerando a aquisição de controle, nos moldes do CPC nº 15.
[11] CARF. Recurso Especial do Contribuinte. Acórdão nº 9101-006.381. Processo nº 10600.720035/2013-86. Data de Sessão: 06/12/2022.

Patrícia Campos Soares é sócia da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO
STJ deve julgar em dezembro exclusão de ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins

Por João Vitor Prado Bilharinho

Reprodução da Web

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) irá definir se é possível incluir o ICMS-ST na base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins, retido pelo substituto tributário, no regime de substituição. O julgamento dos Recursos Especiais nº 1.896.678/RS e 1.958.265/SP estava previsto para o dia 22 de novembro, sob o rito dos recursos repetitivos. O tema foi retirado de pauta por conta de um pedido de vista feito pela ministra Assusete Magalhães. A nova data prevista é 13 de dezembro de 2023 ou em eventual sessão extraordinária.

O julgamento é de grande relevância para todos os contribuintes que figuram na condição de substituído tributário.

Na prática, o pedido de vista posterga a conclusão de um julgamento que poderá representar um enorme déficit nas contas públicas, já que os valores ali discutidos atingem cifras bilionárias, mas que já se arrastam por anos.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou essa questão, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.258.842, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 1.098/STF). Na ocasião, a Corte reconheceu a ausência de repercussão geral da matéria, delegando a competência ao STJ, por se tratar de controvérsia infraconstitucional.

Posteriormente, em 2023, o STJ começou a analisar o caso. Até o momento, a discussão conta apenas com um voto, do ministro relator Gurgel de Faria, em favor dos contribuintes, que propôs a seguinte tese: ‘‘O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva’’.

Em suas razões de decidir, o ministro entendeu que é indevida a distinção entre o ICMS regular e o ICMS-ST, pois este último constitui mera técnica de recolhimento do tributo, não sendo razoável que o substituído tributário sofra com uma carga tributária majorada.

A expectativa é que os demais ministros acompanhem o voto do relator, permitindo que os contribuintes saiam vencedores em mais uma demanda denominada ‘‘tese filhote’’ do emblemático caso que ficou conhecido no mundo jurídico como ‘‘tese do século’’ (TEMA 69/STF), na qual o STF reconheceu que: ‘‘O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins’’.

A ‘‘tese do século’’ foi fundamentada na ideia de que o valor do ICMS não caracteriza o conceito de faturamento/receita do contribuinte, sendo um montante transitório a ser repassado ao Fisco. No entanto, na época, a questão do ICMS-ST na base de cálculo do PIS e da Cofins não foi abordada.

Agora, com a nova data prevista para 13 de dezembro de 2023 ou em eventual sessão extraordinária, espera-se que o STJ chegue a um consenso sobre o assunto até o final deste ano.

João Vitor Prado Bilharinho é advogado da área tributária no Diamantino Advogados Associados.

Recurso Especial 1.896.678/RS

Recurso Especial 1.958.265/SP