ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL
Cooperativas médicas podem se beneficiar do regime de recuperação judicial, reafirma STF

Ministro Barroso desempatou o julgamento
Foto: Banco de Imagens do STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, decidiu que a alteração da Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005), que incluiu as cooperativas médicas operadoras de planos de saúde no regime de recuperação judicial, é constitucional. Para a maioria do colegiado, não houve irregularidades no processo legislativo que deu origem à lei.

A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7442, em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) alegava quebra no processo legislativo que resultou na edição da Lei 14.112/2020, que incluiu na Lei de Falências a parte final do parágrafo 13 do artigo 6º.

Emenda aditiva

Segundo a PGR, o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados excluía do regime de recuperação judicial todas as cooperativas. O texto, contudo, foi alterado no Senado Federal, que incluiu o alcance da norma para as cooperativas médicas operadoras de planos de saúde.

Para a PGR, a exceção não estava no projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados. Por isso, a alteração deveria ter tramitado como emenda aditiva (que altera significativamente o texto do projeto de lei), para, se aprovada pelo Senado, retornar à Câmara. Mas isso não ocorreu.

Ajuste de redação

O julgamento estava empatado com cinco votos pela validade da lei e outros cinco pela inconstitucionalidade. Na sessão de quinta-feira (24/10), o ministro Luís Roberto Barroso deu o voto de desempate pela constitucionalidade da lei.

A seu ver, está claro que o texto não inovou, mas foi incluído como forma de explicitar um comando que já constava da lei. Para o ministro, a inclusão de palavras ou expressões em projeto de lei, desde que corrija imprecisões técnicas e torne o sentido do texto mais claro, não configura emenda aditiva.

Ele frisou ainda que o fato de a Câmara dos Deputados nunca ter questionado a suposta não observância do seu papel como Casa iniciadora do projeto confirma esse entendimento.

Inovação

Ficaram vencidos os ministros Flávio Dino, André Mendonça e Gilmar Mendes e a ministra Cármen Lúcia, que votaram pela inconstitucionalidade da lei. Para essa corrente, houve alteração substancial do conteúdo da lei e, por isso, o projeto deveria ter sido submetido novamente à Câmara dos Deputados.

O ministro Luiz Fux também votou pela inconstitucionalidade, mas com outra fundamentação. A seu ver, a lei tratou as cooperativas como empresas. Com informações de Suélen Pires, da Assessoria de Imprensa do STF.

ADI 7442

JURISPRUDÊNCIA
Títulos do agronegócio trazem diferentes impactos sobre o processo de recuperação judicial da empresa rural

Por Beatriz Naranjo e João Eduardo Diamantino

Foto: Imprensa/Mapa

O mercado vem assistindo ao longo de 2024 ao aumento acentuado no número de recuperações judiciais (RJs) de empresas do agronegócio. De acordo com a Serasa, foram 82 pedidos no primeiro trimestre deste ano, igualando recorde estabelecido em 2023. E a preocupação dos credores cresce na mesma proporção.

No mercado financeiro, a apreensão de investidores se soma à dúvida. Isso porque há diferentes mecanismos de investimento atrelados ao setor. São conhecidos títulos como Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Cédula de Produtor Rural (CPR), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) ou Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA).

Pois bem. Considerando o cenário atual do agronegócio, todos se questionam sobre a inclusão (ou não) desses créditos nos planos de recuperação judicial. Afinal, nenhum investidor quer ver seu valor aportado no meio de um processo judicial tão moroso quanto ao de uma RJ, que, em último caso, pode se transformar em uma falência.

Cada um desses tipos de créditos possui seus requisitos e particularidades. Enquanto o mercado estava pujante, não havia problemas. Agora que a maré virou, começam as preocupações.

O CDA é um título que representa a posse de produtos agropecuários armazenados, permitindo sua comercialização ou uso como garantia. Já o CDCA é um título de crédito vinculado a dívidas do setor, usado pelas empresas para captar recursos com base nos créditos a receber de seus devedores. Em comum, ambos se submetem a um eventual plano de recuperação judicial.

A primeira confusão se dá entre o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA). Instituídas pela Lei 11.076/2004, os dois títulos são isentos de Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas.

A principal diferença entre CRA e LCA é o emissor. No CRA, quem emite são as securitizadoras. Já a LCA são os bancos e instituições financeiras. Portanto, em tese, há muito mais riscos no CRA; afinal, o Banco do Brasil, principal financiador do setor, é mais sólido e seguro do que uma empresa de securitização. Outra diferença desses créditos está em seus objetivos. Enquanto o objetivo de um CRA é antecipar recebíveis vinculados a créditos do agronegócio, a LCA financia o setor agrícola por meio de empréstimos bancários.

No que diz respeito ao CRA e a LCA, estes poderão ser incluídos no plano de recuperação judicial e serão pagos ao mesmo tempo que os demais créditos incluídos no plano.

Aqui vale uma ressalva: caso o CRA e LCA tenham qualquer tipo de garantia fiduciária, eles não se submeterão ao plano de recuperação. Isso ocorre não por uma particularidade dos títulos, mas, sim, pelo disposto na Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005), que, em seu artigo 49, § 3º, garante que se o credor possuir garantia fiduciária de bem móvel ou imóvel, o crédito não está sujeito a recuperação judicial.

Como crédito extraconcursal que não poderá ser incluído na RJ temos também os atos cooperativos, que nada mais são que as obrigações assumidas entre cooperativas agrícolas e seus cooperados, incluindo, por exemplo, contratos de abertura de crédito rotativo e renegociações de dívidas.

Já a CPR Física permite que o produtor rural antecipe a venda de sua produção antes mesmo da colheita. Nesta modalidade, pode ocorrer a antecipação parcial ou integral do pagamento pelo credor, ou o fornecimento de insumos para viabilizar a atividade em permuta do produto agrícola (barter).

Desde 2020, o artigo 11 da Lei 8.929/1994 passou a prever que a CPR Física não está sujeita aos efeitos da recuperação judicial, sendo, portanto, considerada como um crédito extraconcursal que não terá seu recebimento afetado. Ou seja, as obrigações assumidas pelos produtores rurais através da CPR Física possuem uma espécie de imunidade em relação ao processo de recuperação judicial.

Mas há algumas condições. Para que a CPR Física possa ser efetivamente excluída do processo de RJ, é necessário estarem presentes as seguintes condições: deve ter ocorrido a antecipação parcial ou integral do pagamento pelo credor ou o credor deve ter fornecido insumos para viabilizar a atividade em permuta do produto agrícola; o produtor rural ainda deve ter condições de produzir e entregar o produto rural, ‘‘salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto’’.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou seu entendimento (REsp 1.102.198/MT) em conformidade com o que dispõe a legislação. Ou seja, que o crédito lastreado em CPR Física não deve ser incluído em processo de RJ por possuir uma natureza extraconcursal. Da mesma forma, em decisão proferida em março deste ano, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (AI 5816996-66.2023.8.09.0019) determinou a exclusão do crédito decorrente de uma CPR Física em um caso de recuperação judicial de um produtor rural.

É importante observar que as decisões se deram em grau de recurso. Ou seja, o crédito da CPR Física havia sido incluído no processo de recuperação pelos juízos de primeiro grau, em desacordo com o que dispõe a legislação.

Se até mesmo o Judiciário se confunde, é razoável supor que os investidores e os produtores rurais também o façam. Em meio ao aumento das recuperações judiciais, torna-se essencial uma análise do tipo de crédito que se toma – ou do título que se adquire. Afinal, se os credores perderem a confiança na principal fonte de investimento rural do país, o agronegócio poderá enfrentar uma crise ainda mais grave.

Beatriz Palhas Naranjo e João Eduardo Diamantino são sócios do escritório Diamantino Advogados Associados

ESTIGMATIZAÇÃO DO AGRO
Terras de autores de incêndios criminosos devem ser confiscadas? NÃO

Por Eduardo Diamantino e João Eduardo Diamantino

Na ausência de uma proposta realmente eficaz para combater as queimadas que assolam o país, o Governo Federal apelou ao populismo: confiscar as terras dos autores dos incêndios. A ideia foi lançada pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima). Embora não tenha dado detalhes, ela afirmou que o objetivo é adotar com os incêndios o mesmo paradigma das terras onde há plantações de drogas ou trabalho escravo.

Nessas duas únicas hipóteses, a Constituição prevê, em seu artigo 243, a expropriação da área, sem qualquer indenização pelo Estado, em favor de programas de reforma agrária ou de moradia popular. Ou seja, a medida atinge as terras que abrigam tais crimes e, de forma conexa, a punição tem como alvo quem deles se beneficiou.

A proposição, portanto, mal disfarça uma estigmatização dos agricultores, principais vítimas dos incêndios. Afinal, se a penalidade é a eliminação do direito à propriedade, significa que apenas o proprietário da terra pode ser o destinatário dessa sanção. Enquadrar o incêndio no mesmo paradigma é pressupor, de maneira absurda, que o dono da terra é o autor da ação que destruiu sua lavoura, rebanho e maquinário.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu ainda péssima contribuição ao dizer que ‘‘cheira oportunismo também de alguns setores tentando criar confusão neste país’’’. Quais setores são esses? A gravidade do problema não comporta insinuações ou teorias conspiratórias.

No mundo real, os produtores rurais contam os prejuízos causados pelo fogo e lutam com seus próprios recursos para combater os incêndios. De todos os presos suspeitos de causarem as queimadas, não consta que nenhum deles seja proprietário de terras.

Acrescentar uma terceira hipótese para a expropriação implica mexer no texto constitucional por meio de uma PEC (proposta de emenda à Constituição). Trata-se de uma tramitação lenta e complexa, que depende da aprovação de três quintos dos parlamentares do Congresso Nacional e vai na contramão da urgência que o problema atual demanda.

Caso queira evitar o desgaste político, restaria ao Governo Federal uma alternativa igualmente disparatada: aplicar, por analogia, a sanção do artigo 243 às queimadas. Um atalho que violaria o texto constitucional para equiparar, de forma demagógica, as queimadas ao trabalho escravo e ao tráfico de drogas.

A ofensa à lógica aumenta a confusão. O nexo entre crime e sua responsabilização está claro no texto constitucional. No caso da ideia ora em debate, não. De quais terras fala a ministra Marina Silva senão daquelas que padecem sob o fogo? E se, como tem sido observado, o autor da queimada não tem qualquer propriedade? Se incêndio já é crime, não basta aplicar o Código Penal? A falta de respostas revela o excesso de preconceito.

É importante lembrar que o uso controlado do fogo é permitido pela legislação em práticas agrícolas. Lançada com jeito de ameaça, a proposta causa espanto justamente por tratar os proprietários rurais como primeiros suspeitos. A se manter esse ânimo, ninguém se surpreenderia com fiscalizações abusivas e um incêndio perfeitamente legal ser classificado como criminoso.

Apelando mais uma vez à realidade, os incêndios podem ter origem em causas naturais ou na ação de criminosos que, vale lembrar, não têm qualquer compromisso com a produtividade do campo. Até aqui, o governo demonstrou não estar preparado para enfrentar o problema. Faria melhor abster-se de fomentar animosidades com quem produz e focar sua energia em propostas viáveis de prevenção e contingência.

Eduardo Diamantino e João Eduardo Diamantino são sócios do escritório Diamantino Advogados Associados

GESTÃO EMPRESARIAL
Contratos de Vesting clássico e reverso: aplicações no Direito Societário

Por Maria Luísa Carvalho Teixeira

Advogada Maria Luísa Carvalho Teixeira
Foto: Divulgação CPDM

Em diversas áreas do Direito, nota-se a existência de algumas adaptações americanas em contratos, jurisprudências e demais moldes empresariais. No Direito Societário, especificamente, há contratos que, inclusive, mantiveram o nome original, como é o caso do contrato de vesting.

O modelo de vesting surgiu nos Estados Unidos como um mecanismo para a gestão de participações societárias e a retenção de talentos fundamentais para o funcionamento da empresa como um todo. Inicialmente, o contrato de vesting era utilizado em startups, visto que, muitas vezes, essas empresas em estágio inicial não possuem condições de pagar um funcionário ou reter um talento essencial para a empresa, e utilizam este mecanismo que oferece ao colaborador a possibilidade de se tornar sócio.

Fora do ambiente de startups, o contrato de vesting está cada vez mais popularizado com o objetivo de, novamente, reter talentos essenciais, considerando a concorrência dos mercados atuais. Esses contratos desempenham um papel crucial no alinhamento de interesses entre fundadores, investidores e colaboradores, garantindo uma estrutura segura para a aquisição de ações ou participação societária ao longo do tempo.

Assim, o vesting se configura como um instrumento ou cláusula que oferece a futura oportunidade de aquisição de participação societária de uma empresa em troca do cumprimento de determinadas metas ou do decurso de um tempo pré-estabelecido. Geralmente, essa possibilidade de aquisição é progressiva e fracionada, de acordo com a execução do que for estabelecido no contrato.

Existem dois tipos de vesting possíveis de serem aplicados. Vejamos:

Vesting clássico

Conforme mencionado anteriormente, o vesting clássico é um mecanismo que visa alinhar os interesses dos fundadores e colaboradores com o sucesso de longo prazo da empresa. Neste modelo, a empresa concede a um colaborador ou fundador uma quantidade específica de ações ou opções de ações, que serão adquiridas ao longo de um período determinado, conhecido como período de vesting. Essa aquisição pode ser condicionada a um período de permanência na empresa, ao cumprimento de metas específicas, ou a ambos.

Principais características:

  • Período de vesting: É o tempo necessário para que o colaborador ou fundador adquira plenamente os direitos sobre as ações ou opções concedidas. Geralmente, este período varia de dois a quatro anos e pode incluir um cliff inicial de seis meses a um ano, durante o qual nenhuma ação é adquirida.
  • Cliff: Caso o período de cliff esteja incluso, ele conta a partir da data de início do colaborador na empresa e serve como um período prévio ao período de vesting propriamente dito. Após o cliff, as ações são adquiridas de forma gradual, conforme estipulado em contrato.
  • Aquisição gradual: Após o cliff, as ações ou opções são adquiridas mensalmente, trimestralmente ou anualmente, de acordo com o que foi acordado no contrato, até o término do período de vesting.

Em relação ao efetivo ingresso do colaborador no quadro societário, este pode ocorrer a cada porcentagem de participação adquirida, ou, mais comumente, após a aquisição total da porcentagem acordada, mediante a assinatura do ato societário ou livro societário que inclui o novo sócio no quando social. Isso dependerá do que for acordado entre as partes.

Vesting reverso

vesting reverso é um modelo menos comum, mas que tem se mostrado útil em contextos específicos, especialmente quando se busca uma contratação estratégica para cargos-chave. Neste modelo, ao invés de os colaboradores adquirirem ações ao longo do tempo, a empresa retém as ações e as concede com base na continuidade e no desempenho do colaborador.

Principais características:

  • Entrada imediata: Ao invés de adquirir ações progressivamente, o colaborador já entra na empresa com uma porcentagem inicial de ações, podendo essa participação aumentar ou diminuir conforme os termos do contrato.
  • Proteção contra saídas: Esse modelo é particularmente útil para proteger a empresa contra o risco de colaboradores- chave que podem sair antes de ter realmente contribuído com o crescimento da empresa.
  • Cláusulas de recompra:  O vesting reverso pode incluir cláusulas que permitem à empresa recuperar ações ou opções caso o colaborador saia da empresa antes de completar o período acordado ou não atinja metas específicas.

Assim, o colaborador começa a atuar na empresa com uma posição diferenciada, o que pode ser um atrativo para aceitar o cargo, enquanto a empresa se protege contra o não cumprimento das metas e compromissos contratuais. Em caso de não cumprimento, as quotas/ações podem ser compradas pela empresa, normalmente pelo mesmo valor pago pelo parceiro. Esse tipo de contrato é frequentemente utilizado por empresas em fases iniciais para evitar a irresponsabilidade do colaborador com a sociedade, ou por empresas consolidadas que desejam expandir ou inovar em setores estratégicos.

Escolhendo o modelo adequado

A escolha entre vesting clássico e vesting reverso depende de diversos fatores, incluindo a fase da empresa, o perfil dos colaboradores ou fundadores e as metas de longo prazo. Para tomar a melhor decisão, é importante consultar uma equipe especializada no assunto, garantindo que sua empresa seja assessorada adequadamente no planejamento do modelo de negócio.

Maria Luísa Carvalho Teixeira é especialista em Direito Societário do escritório Cesar Peres Dullac Müller (CPDM)

Referências:

GANTOIS, Simone Menezes. O contrato de vesting e sua aplicação em inovação no direito brasileiro. The Vesting Contract and its application in Innovation in Brazilian Law. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2021.

FELIX, Carolina Morena Lage. A estrutura contratual do ciclo de vida das startups: da relação pré-contratual, societária e suas participações sociais. 2019. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2019.

INSEGURANÇA JURÍDICA
Decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre ‘‘tese do século’’ pode prejudicar contribuintes?

Por Douglas Guilherme Filho

Diamantino Advogados Associados

A máxima que diz que no Brasil até o passado é incerto já entrou para sabedoria popular. A frase, atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, tem feito especial sentido para quem atua no campo tributário.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que cabe ação rescisória da União contra decisões favoráveis ao contribuinte que contrariem o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso denominado ‘‘tese do século’’. Tomada em sede de recurso repetitivo (Tema 1.245), a decisão deve ser seguida por todo o Judiciário.

O problema é que o STF levou quatro anos para chegar a um entendimento final. A ‘‘tese do século’’, como ficou conhecida a discussão sobre incluir o ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins (Tema 69), impediu a União de cobrar essas contribuições com a base de cálculo majorada de forma incorreta por conta da cobrança indevida do imposto estadual.

O julgamento em questão ocorreu em 15 de março de 2017 e, a partir daquela data, a União não poderia mais exigir o recolhimento do PIS/Cofins de maneira majorada.

Por se tratar de decisão proferida em sede de Repercussão Geral, o entendimento ali firmado deveria ter efeitos ex-tunc (retroativos), autorizando, ainda, a restituição do valor indevidamente recolhido antes do julgamento.

No entanto, após Embargos de Declaração da União, o STF modulou os efeitos de forma ex-nunc: ou seja, a decisão só teria eficácia a partir do julgamento de mérito, ressalvados os casos em que os contribuintes já tivessem ingressado com ações judiciais.

A solução parecia simples. Os contribuintes que tivessem ajuizado ações antes da data fixada pelo STF poderiam reaver os valores recolhidos nos cinco anos anteriores. Caso contrário, só poderiam pleitear a restituição a partir de 15 de março de 2017. Acontece que os Embargos de Declaração só foram julgados em 13 de maio de 2021. Mais de quatro anos após o julgamento de mérito.

Nesse período, diversos contribuintes ajuizaram ações objetivando afastar a exigência do recolhimento do PIS/Cofins majorado, bem como reaver os valores recolhidos indevidamente.

É justamente daí que vem a insegurança jurídica em relação à decisão do STJ. Isso porque, durante os quatro anos entre os dois julgamentos do STF, diversos contribuintes obtiveram decisões judiciais transitadas em julgado reconhecendo o direito à restituição, inclusive antes de 15 de março de 2017.

Ao permitir que a União ajuíze ações contra decisões transitadas em julgado, a Corte Superior faz regra morta das garantias constitucionais, especialmente as que tratam do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.

Em outras palavras, o STJ deu um cheque em branco para a União questionar todas as ações que tenham transitado em julgado durante o período que o STF levou para julgar os Embargos de Declaração.

Em termos financeiros, a decisão do STF reduz substancialmente o direito de os contribuintes recuperarem tributos indevidamente recolhidos, tornando incerto até mesmo o passado daqueles que confiaram no Poder Judiciário.

Douglas Guilherme Filho é coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados