COMORIÊNCIA
Morte simultânea de segurado e herdeira não afasta direito dos filhos dela à divisão do seguro

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no contrato de seguro de vida que não elenca os beneficiários da indenização, a comoriência (presunção de morte simultânea) do segurado e da pessoa que seria sua herdeira não afasta o direito de representação dos filhos dessa herdeira, nos termos dos artigos 1.851 a 1.854 do Código Civil.

Segundo o colegiado, o direito de representação se destina a proteger o interesse dos filhos que perderam precocemente seus pais. ‘‘A questão ganha ainda mais relevo quando os que pleiteiam o direito de representação são crianças e adolescentes – inseridos na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, conforme reconhecido pelo artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e cuja proteção deve ser garantida com absoluta prioridade pela família, pela sociedade e pelo Estado (artigo 227 da Constituição)’’, afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora.

De acordo com o processo, o titular do seguro de vida da MetLife – que não tinha cônjuge, pais vivos ou filhos – faleceu em um acidente de trânsito junto com a sua irmã, que tinha dois filhos. Como o contrato de seguro não indicava beneficiários, a seguradora pagou a indenização integralmente para a única irmã viva do segurado, sua herdeira colateral.

Como consequência, os filhos menores da irmã falecida ingressaram com ação e alegaram que a indenização deveria ser dividida entre eles e a tia. O pedido foi acolhido em primeiro grau, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), segundo o qual não haveria transmissão de direitos entre parentes que morreram na mesma ocasião.

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Pedro França/Agência Senado

Na representação, herdeiros mais próximos concorrem com os de grau mais distante

A ministra Nancy Andrighi explicou que, embora o capital garantido pelo seguro de vida não seja considerado herança, um dos principais critérios utilizados pela legislação brasileira, em caso de omissão contratual a respeito dos beneficiários, é a ordem de vocação hereditária.

Ela destacou que, nos termos do artigo 1.829 do Código Civil, a sucessão legítima observa a seguinte ordem: 1º) descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se o cônjuge for casado com o falecido em comunhão universal, ou com separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o falecido não deixar bens particulares; 2º) ascendentes, em concorrência com o cônjuge; 3º) cônjuge sobrevivente; e 4º) colaterais.

Entretanto, a relatora lembrou que há uma hipótese excepcional de sucessão por direito de representação, na qual a lei chama determinados parentes do herdeiro falecido para receberem todos os direitos que ele receberia se estivesse vivo.

‘‘Pelo direito de representação, herdeiros de grau mais próximo concorrerão com os de grau mais distante, que receberão a herança na qualidade de representantes daquele que, se vivo fosse, seria herdeiro daquele grau mais próximo”, completou.

Legislação não prevê que comoriência afaste direito de representação

Segundo Nancy Andrighi, embora não seja a hipótese mais comum, é possível que o direito de representação ocorra no caso das mortes simultâneas do representado e do autor da herança. A ministra enfatizou que a legislação brasileira não estabelece que a situação de comoriência afastaria o direito de representação.

‘‘O filho que perdeu prematuramente seu pai antes do seu avô, por exemplo, encontra-se em uma situação em tudo similar à do filho que perdeu o pai e o avô em um mesmo acidente de trânsito’’, disse ela.

No caso dos autos, a ministra comentou que, se a mãe tivesse morrido segundos antes do segurado, não haveria dúvidas quanto ao direito de representação dos filhos, ao passo que, caso a morte do segurado ocorresse antes, a mãe dos menores receberia – em concorrência com a outra irmã – parte do valor da indenização, a qual seria repassada a título de herança para os recorrentes.

‘‘Ao se presumir a morte simultânea (comoriência), não se pode conferir uma interpretação dos artigos 1.851 ao 1.854 do Código Civil apta a gerar a injusta situação em que os recorrentes não teriam direito a nada e que caberia à irmã viva o valor integral do seguro’’, concluiu a ministra ao restabelecer a sentença. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2095584

DESCONFORTO TÉRMICO
Empregador pagará dano moral por não disponibilizar ar-condicionado em MG

A falta de ar-condicionado no local de trabalho levou a Justiça do Trabalho a condenar uma empresa de segurança e serviços de Unaí, no Norte de Minas, a pagar indenização por dano moral no valor de R$ 1.500 a uma trabalhadora. Ficou provado que a empregadora foi negligente quanto ao cumprimento das regras de conforto térmico e acústico fixadas na Norma Regulamentadora 17 (NR-17), da Portaria 3.214/1978.

A decisão é dos julgadores da Décima Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), que confirmaram a sentença proferida pelo juízo da Vara do Trabalho de Unaí.

O pedido da trabalhadora se baseou na alegação de que teria se submetido a altas temperaturas no escritório em que trabalhava, sem que houvesse qualquer tipo de ventilação ou climatização. Foi apontado que a cidade de Unaí registra temperaturas que ultrapassam 40º em determinadas épocas.

Já a empregadora sustentou que sempre cumpriu o ordenamento jurídico legal, proporcionando um meio ambiente de trabalho saudável aos empregados. Afirmou ainda que a autora não trabalhava toda a sua jornada sem ar-condicionado ou era submetida a calor excessivo.

Regras de conforto térmico

Ao examinar o caso, a desembargadora relatora Taísa Maria Macena de Lima entendeu que a trabalhadora tem direito à indenização por dano moral. Ficou demonstrado que a empresa não observou as regras de conforto térmico e acústico fixadas na NR-17, da Portaria nº 3.214/1978, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para o trabalho em ambiente interno. Na decisão, foram citados os seguintes trechos da norma:

‘‘17.8.4 Nos locais de trabalho em ambientes internos onde são executadas atividades que exijam manutenção da solicitação intelectual e atenção constantes, devem ser adotadas medidas de conforto acústico e de conforto térmico, conforme disposto nos subitens seguintes. (…)’’;

‘‘17.8.4.2 A organização deve adotar medidas de controle da temperatura, da velocidade do ar e da umidade com a finalidade de proporcionar conforto térmico nas situações de trabalho, observando-se o parâmetro de faixa de temperatura do ar entre 18 e 25 °C para ambientes climatizados’’.

Em depoimento, a autora relatou que o ar-condicionado do escritório não funcionava. ‘‘Tentaram arrumar o ar-condicionado, mandando várias pessoas, mas arrumava e estragava; que quando funcionava parava logo depois de 20 minutos; que vários técnicos foram lá; que abriram vários chamados’’. A trabalhadora disse que acabou levando seu próprio ventilador e que a empresa alugou um climatizador uma semana antes do término do contrato de trabalho.

Uma colega de trabalho ouvida como testemunha confirmou que o ar-condicionado não funcionava. Segundo o relato, vários chamados foram abertos, reclamações, inclusive via supervisor, sem sucesso. Contou que levava ventilador de casa e não havia climatizador no período em que trabalhou para a empresa. A testemunha afirmou que ‘‘clientes mais idosos já chegaram a passar mal, inclusive virando o ventilador para eles’’.

Por fim, a própria supervisora da empresa reconheceu que ‘‘a cidade de Unaí é muito quente’’ e que ficaram sem ar-condicionado. Segundo a profissional, depois de várias investigações, descobriu-se que o problema era na rede elétrica, tendo a empregadora disponibilizado climatizador no local. A supervisora alegou que nunca houve denúncias de empregados ou clientes passando mal.

Na decisão, a relatora explicou que os ônus do empreendimento são do empregador, não bastando à empresa alegar que tentou e não conseguiu resolver um problema de simples solução, que é a instalação e funcionamento de um mero equipamento condicionador de ar no local de trabalho.

‘‘Trata-se de equipamento que não demanda dificuldades técnicas nem se apresenta como solução quase impossível como tentou sugerir no apelo’’, registrou no voto.

Nos termos da decisão, a regra prevista no artigo 2º da CLT não deixa dúvida de que o empregador deve assumir os riscos da atividade econômica, dando aplicação ao princípio da alteridade que impera no Direito do Trabalho e que não foi devidamente observado pela empresa. Para a relatora, a empresa transferiu para a empregada as consequências da sua desídia, configurando-se o dano de ordem moral.

‘‘O dano moral se caracteriza pela ofensa que incide na esfera extrapatrimonial do indivíduo, sujeitando-o a sensações nocivas, como a angústia, o sofrimento, a dor e a humilhação’’, registrou, apontando que o dano, no caso, é presumido (in re ipsa), dependendo apenas da prova do fato alegado, uma vez que não há como se demonstrar a dor moral.

Nesse contexto, foi mantida a condenação imposta em primeiro grau, referindo-se os fundamentos aos artigos 7º, inciso XXVIII, da Constituição da República e 186 e 927 do Código Civil.

Valor da indenização

A autora pedia que o valor da indenização, fixado em R$ 1.500, fosse aumentado para R$ 10 mil. Para tanto, argumentou que a quantia deferida na sentença não seria proporcional à extensão do dano, considerando-se que perdurou por cerca de seis meses, além de destacar o caráter pedagógico da pena.

Por sua vez, a empresa pretendia que o valor da indenização fosse reduzido, aplicando-se ‘‘a regra da moderação que deve sempre nortear a atividade jurisdicional’’.

Entretanto, a relatora manteve o valor de R$ 1.500, fixado pelo juízo sentenciante, por considerá-lo adequado. ‘‘O julgador deve atentar para o grau de culpa do ofensor, a gravidade do dano sofrido, o caráter pedagógico da medida e o equilíbrio, atento à capacidade econômica do causador do dano, pautando-se pelo princípio da razoabilidade e proporcionalidade em relação às condições financeiras da empresa e da vítima’’, pontuou.

No caso, a magistrada levou em conta o fato de a ré ser uma empresa com bom suporte financeiro, tendo capital social de mais de três milhões de reais e grande número de filiais. Além disso, a julgadora entendeu que a extensão do dano não foi grande, ‘‘não reverberando para outras esferas da vida pessoal da ofendida e não extrapolou o período da própria ofensa’’. Também frisou que o contrato de trabalho perdurou por pouco tempo, cerca de seis meses.

‘‘Nesse caminho, não é cabível a alteração do valor fixado na sentença, que atende à demanda posta nos autos’’, concluiu ao final, negando provimento aos recursos. A decisão foi unânime. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATSum 0010109-33.2024.5.03.0096 (Unaí-MG)

MAIS ARRECADAÇÃO
Nova lei amplia poder estatal para receber créditos públicos

Por Luiz Eduardo Schemy

Reprodução Conteúdos Bloxs

Com o objetivo de aprimorar a eficiência na recuperação de créditos públicos, a Lei Complementar 208/2024 (LC 208/2024) trouxe relevantes alterações na securitização da dívida ativa e na interrupção do prazo prescricional para a cobrança dos créditos tributários. A falta de regulamentação, entretanto, deixa o contribuinte em alerta sobre a efetividade da lei, que não pode se tornar um instrumento de arrecadação a qualquer custo.

Com a nova lei, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios podem ceder, de forma onerosa, direitos creditórios decorrentes de créditos tributários e não tributários em favor de pessoas jurídicas de direito privado e fundos de investimento regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A cessão dos créditos públicos poderá ocorrer por meio da venda direta pelo ente da federação, mediante processo licitatório, ou por intermédio de sociedade de propósito específico (SPE), instituída para essa finalidade. Importante destacar que apenas os créditos já constituídos e reconhecidos pelo devedor ou contribuinte (parcelamento, por exemplo) poderão ser objeto da securitização.

Multiplicidade de credores e previsão legal

Um ponto que merece a atenção dos contribuintes e devedores é o fato da multiplicidade de credores, que certamente não medirão esforços para a cobrança e recebimento dos créditos públicos adquiridos, podendo incorrer em abusos aos direitos dos contribuintes.

Nos termos da LC 208/2024, a cessão será definitiva e preservará a natureza do crédito, mantendo as suas garantias e privilégios, bem como assegurando que a cobrança do crédito continue sendo prerrogativa da Fazenda Pública.

Para coibir o uso político dos recursos recebidos, essas operações devem ser autorizadas por lei específica de cada ente federativo, e efetivadas em até 90 dias antes da data de encerramento do mandato do chefe do Poder Executivo.

Protesto extrajudicial e interrupção da prescrição

Outra novidade trazida pela LC 208/2024 foi a inclusão do protesto extrajudicial como causa de interrupção da prescrição para a cobrança do crédito tributário, alongando o prazo que o Fisco possui para cobrar as dívidas fiscais. Essa medida fortalece as ações administrativas e os mecanismos de cobrança, proporcionando mais tempo e eficácia na recuperação de créditos tributários.

Isso porque, na prática, o protesto extrajudicial causa bastante incômodo ao devedor, que passa a sofrer uma série de restrições financeiras, tais como dificuldades na movimentação de conta corrente, aquisição de crediário, empréstimos ou financiamentos.

Requisição de informações

Por fim, a partir da publicação da LC 208/2024, a administração tributária tem a prerrogativa de requisitar informações cadastrais e patrimoniais de contribuintes a órgãos públicos e privados, aumentando a eficiência na recuperação de créditos.

Tal medida não significa a mera colaboração no compartilhamento de informações, mas a obrigatoriedade, inclusive das entidades privadas, do fornecimento de dados fiscais tidos como sigilosos.

Essa questão merece uma cuidadosa regulamentação, estabelecendo limites claros e mecanismos de controle para evitar abusos e garantir a proteção dos direitos dos contribuintes, de maneira que as informações sejam utilizadas adequadamente e nos estritos termos da lei.

Isso porque, além da inviolabilidade da intimidade, da vida privada e do sigilo de dados, devem ser respeitadas as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), de observância obrigatória pelos entes de direito público e privado.

Conclusão

Neste cenário, não há dúvidas de que as alterações introduzidas pela lei complementar objetivam o incremento de receitas dos entes federativos. No entanto, é imprescindível a regulamentação das questões que ainda deixam dúvidas quanto ao formato e alcance de suas aplicações, a fim de evitar o abuso por parte dos entes federados, diante das relações estabelecidas com os particulares.

O cuidado na regulamentação das questões relativas à cessão de crédito, ao compartilhamento de informações ou à cobrança das dívidas públicas deve ser capaz de evitar novos litígios no futuro.

Luiz Eduardo Schemy é coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

BRASIL EM CHAMAS
Fogo no campo revela novo desafio para cumprimento de contratos

João Eduardo Diamantino

O cenário de incêndios devastadores, que destruíram lavouras, florestas e rebanhos, traz uma nova controvérsia para a qual a legislação e o Judiciário ainda não têm respostas prontas.

O Brasil foi tomado recentemente por uma espessa nuvem de fuligem que cobriu o céu de diversas regiões. Incêndios devastadores avançaram sem controle, destruindo lavouras, florestas, rebanhos e até mesmo imóveis residenciais. Em um cenário de múltiplos prejuízos, a pergunta que se impõe é: quem pagará a conta?

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de focos de incêndios é o maior desde 2010, superando a marca de 100 mil casos, que atingiram mais da metade dos estados. Para piorar, a situação deve persistir, segundo a meteorologia, e as cenas de destruição e pânico causados pelo fogo devem se repetir. Após a tragédia do Rio Grande do Sul alagado, agora é a hora de combater o fogo.

Seja por ingenuidade ou preferência política, acusadores mais apressados apontaram o dedo para o agronegócio, que estaria usando o fogo para o manejo de lavouras. A estrela do PIB brasileiro mais uma vez paga, injustamente, o preço do sucesso.

Desde 1998, as queimadas são um crime ambiental previsto na Lei 9.605. E para ficar num só exemplo, a colheita da cana-de-açúcar é majoritariamente mecanizada e dispensa o uso do fogo há pelo menos 20 anos.

Na verdade, a grande maioria das propriedades afetadas pelos incêndios das últimas semanas são do agronegócio, e os produtores trabalham com a previsão da safra futura.

Houve quebra de safra, perda de animais, queimada de florestas. E seguros contra incêndio não são uma realidade, já que os valores das apólices com esta cobertura não são viáveis financeiramente para a grande maioria dos produtores.

Os prejuízos são de dois tipos: ambientais e cíveis. Os ambientais, podem ser exemplificados com a perda das reservas legais, a ausência de chuvas e a piora na qualidade do solo. Já os prejuízos cíveis estão ligados ao descumprimento de contratos, aumento das cotações e escassez de alimentos.

Quando a entrega da safra não é cumprida, essa situação atípica pode justificar uma revisão contratual? A resposta é: depende.

Para elucidar a questão é necessário recorrer à ‘‘teoria da imprevisão’’, prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil.

A premissa é de readequação do equilíbrio entre as partes e prevê a resolução contratual quando ‘‘a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis’’. Contudo, a grande questão agora é que, nesse caso, não há vantagem para nenhuma das partes.

Em 2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 945.166, decidiu que pragas, secas e variações de preço não justificam a resolução de contratos agrícolas. A decisão é embasada na necessidade de cláusula específica que permita ajustar os termos do acordo em razão de eventos extraordinários ou imprevisíveis que alteram radicalmente as bases do contrato.

No entanto, o país em chamas é um cenário que não estava previsto. Diante disso, é necessário analisar as múltiplas situações envolvidas.

Em um contrato de parceria rural de plantio de cana-de-açúcar, por exemplo, cujo prejuízo estimado pelo setor supera os R$ 800 milhões apenas no estado de São Paulo, tanto o parceiro-proprietário quanto o parceiro-produtor devem dividir os riscos – e as duas partes têm alguma perda. Afinal, a capacidade mútua de assumir riscos é fundamental para a viabilidade desse tipo de contrato.

Já no arrendamento para plantação de soja, a situação é diferente. O arrendatário deve pagar um valor de sacas por hectare conforme acordado, mas a entrega não será possível porque o plantio foi consumido pelo fogo. Nesse caso, o produtor poderá invocar a ‘‘teoria da imprevisão’’, considerando um incêndio de proporções jamais vistas?

A situação revela uma nova controvérsia para a qual a legislação o e o Judiciário ainda não têm respostas prontas. A partir de agora, processos judiciais e as negociações contratuais devem ser capazes de reconhecer a gravidade das circunstâncias em busca de soluções, caso a caso.

João Eduardo Diamantino é sócio da área tributária no Diamantino Advogados Associados

SANHA ARRECADATÓRIA
Apetite fiscal do governo Lula sobre fundos exclusivos viola conceito de renda

Por Douglas Guilherme Filho

Reprodução Porto Fino Multi Family

O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido marcado por uma política de aumento da carga tributária como forma de cumprir a meta de déficit zero. Para tanto, em vez de cortar gastos públicos, o que seria o mais aconselhável, a solução adotada foi a de aumentar as receitas, dentre outras formas, por meio da tributação sobre determinados setores da economia.

Especificamente no caso dos fundos fechados de investimento, a sanha arrecadatória da União tem recaído sobre o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), cujo pagamento foi antecipado. Essa medida se deu por meio da Lei 14.754/2023, editada no final do ano passado e que modificou o momento do fato gerador tributo, com vigência já para o início de 2024.

Acontece que a mudança configurou verdadeira violação aos princípios constitucionais da irretroatividade e anterioridade. Isso porque a nova legislação inovou ao determinar que os supostos rendimentos apurados pelos fundos até 31/12/2023 passassem a se sujeitar ‘‘à tributação periódica a partir do ano de 2024’’, sob a alíquota de 15%.

Antes da edição da Lei 14.754/2023, a incidência do IRRF sobre os rendimentos auferidos pelos fundos de investimentos fechados ocorria apenas nas hipóteses de distribuição dos rendimentos, amortização, resgate ou venda de cotas. As alíquotas eram regressivas de 22,5% a 15%, de acordo com o prazo do investimento e a categorização da carteira do fundo como de longo ou curto prazo.

Assim, a alteração legislativa ampliou as hipóteses de incidência do tributo, ao prever a sua exigência de maneira semestral para os fundos fechados sujeitos ao Regime Geral e, também, para fundos específicos, como Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs) Exchange Traded Funds (ETFs) e Fundos de Investimentos em Participações (FIPs). Até aqui o regime ‘‘come-cotas’’ era aplicável apenas para fundos abertos.

A mudança em questão traz uma enorme insegurança aos contribuintes que detêm participações em fundos de investimentos fechados, sem falar na violação ao princípio da ‘‘não surpresa’’, já que os sujeitou a uma cobrança sobre a qual não havia nenhuma perspectiva de recolhimento naquele momento.

A mudança passou a permitir que a cobrança recaia sobre a mera expectativa de renda. Na prática, isso pode englobar valores ilíquidos e incertos, em afronta aos ditames constitucionais e legais que regulam esta tributação, notadamente o conceito de renda.

É importante frisar que a configuração de renda está diretamente condicionada à existência de um acréscimo positivo e concreto no patrimônio do contribuinte, não podendo ser tratada como mera variação patrimonial para fins de incidência do imposto de renda.

Em que pese o esforço do governo de zerar as contas públicas a partir do aumento da arrecadação, a mudança na legislação que regula os fundos de investimento esbarra na vedação ao confisco, bem como da capacidade contribuinte, pois a lei tributa signos presuntivos que não configuram renda.

Por enquanto, infelizmente, o único caminho possível para os contribuintes é a judicialização para proteger seu patrimônio contra os excessos arrecadatórios do estado.

Douglas Guilherme Filho é coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados