ABRANGÊNCIA NACIONAL
Plano de saúde não é obrigado a pagar exame no exterior, define STJ

Sede da Unimed Marília (SP)/Divulgação

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a operadora de plano de saúde não é obrigada a custear exame feito pelo beneficiário no exterior.

De acordo com o processo, uma cliente de plano de saúde da Unimed de Marília (SP) ajuizou ação de reparação de danos materiais contra a operadora, alegando que houve negativa indevida de cobertura de exame médico. O exame foi indicado pelos médicos porque minimizaria os riscos de seu quadro de saúde ao garantir que o tratamento a ser adotado seria realmente o mais adequado.

A operadora, no entanto, argumentou que o contrato excluía a cobertura, o exame não estava na relação de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e, principalmente, teria de ser feito no exterior. Ainda assim, o juízo condenou o plano de saúde a reembolsar o que a paciente pagou em caráter particular, decisão mantida em segunda instância sob o fundamento de que a negativa de cobertura foi abusiva ao privá-la de avanços tecnológicos que poderiam preservar sua vida.

No recurso especial (REsp) dirigido ao STJ, a operadora sustentou que a cobertura do plano é para atendimento exclusivo na área geográfica do contrato, o que não inclui, no caso, atendimento no exterior.

Abrangência do contrato é limitada ao território nacional

A relatora do REsp, ministra Nancy Andrighi, destacou que o artigo 10 da Lei 9.656/1998 obriga as operadoras a dar cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar a procedimentos realizados exclusivamente no Brasil. Conforme observou, o artigo 16, inciso X, da mesma lei estabelece que os contratos e demais regulamentos dos planos privados de assistência à saúde devem indicar a área geográfica de sua abrangência.

A ministra explicou que a ANS, na Resolução Normativa 566/2022, artigo 1º, parágrafo 1º, inciso I, indica que a operadora deve garantir todas as coberturas contratadas pelo beneficiário dentro dessa abrangência, que pode ser: nacional, estadual, por grupo de estados, municipal ou por grupo de municípios.

Nancy Andrighi ressaltou que, a partir de uma interpretação conjunta dos dispositivos, é possível concluir que ‘‘a área geográfica de abrangência, em que a operadora fica obrigada a garantir todas as coberturas de assistência à saúde contratadas pelo beneficiário, é limitada ao território nacional’’.

Ela apontou ainda que o legislador excluiu expressamente a obrigação da operadora de arcar com tratamentos ou procedimentos realizados no exterior, salvo se uma cláusula contratual dispuser de forma diferente, não podendo ser aplicado, nesse caso, o parágrafo 13 do artigo 10 da Lei 9.656/1998. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2167934

SEM PRESUNÇÃO DE DANO
Prova de prejuízo ao erário em ação de improbidade reforça legitimidade da Justiça

Diamantino Advogados Associados

Por Matheus Cannizza e Geovanna Nicolete

Quando se trata de ações de improbidade administrativa, a boa técnica jurídica deve ser capaz de separar o clamor popular que usualmente cerca esses processos e aplicar a legislação conforme as características do caso concreto. Foi o que fez o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao decidir que os danos ao erário também devem ser comprovados em casos anteriores à Lei 14.230/2021, que reformou a Lei de Improbidade Administrativa (LIA).

Sob a relatoria do ministro Gurgel de Faria (REsp 1.929.658/TO), a 1ª Turma do STJ inaugurou um relevante movimento de virada jurisprudencial. O ministro esclareceu que, até então, vigorava na Corte a presunção de dano causado por atos considerados lesivos ao erário. Essa presunção, no entanto, não encontrava amparo direto no texto legal, mas derivava da consolidação das decisões anteriores do próprio STJ.

Em seu voto, o ministro Paulo Sérgio Domingues destacou a necessidade de superação do entendimento consolidado, observando que, até o advento da nova lei, era admitida ‘‘a possibilidade de condenação com base no artigo 10 da LIA quando os fatos representassem potencial perda patrimonial’’. O ministro relator acrescentou que a revisão do entendimento jurisprudencial abrange todo o rol do artigo 10 da LIA, de modo que ‘‘o dano presumido, para qualquer figura típica do artigo 10 da LIA […], não pode mais dar suporte à condenação pela prática de ato ímprobo’’.

A posição da 1ª Turma, portanto, representa um marco importantíssimo na mudança de jurisprudência, com impacto sobre todos os casos que ainda não transitaram em julgado. Esse entendimento traz maior racionalidade a processos contra pessoas que, muitas vezes, são demandadas com base em ilações ou acusações genéricas, sem a necessária individualização dos atos tidos como ímprobos ou a demonstração clara dos supostos danos causados.

A exigência de comprovação de dano efetivo reforça a necessidade de um esforço investigativo mais rigoroso por parte do Ministério Público e de outros órgãos de controle, que deverão demonstrar de maneira inequívoca o prejuízo sofrido pelo erário. Essa abordagem evita condenações automáticas baseadas em conjecturas ou suposições, assegurando maior respeito ao devido processo legal e ao princípio da ampla defesa.

No âmbito da administração pública, a decisão sublinha a importância do cumprimento estrito dos princípios da legalidade e da eficiência. A contratação sem licitação, como no caso analisado pelo STJ, embora permitida em situações excepcionais, deve ser fundamentada em critérios objetivos e devidamente justificada, sob pena de nulidade e responsabilização dos gestores.

A recente decisão, portanto, representa um avanço significativo na aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, ao exigir a comprovação de dano efetivo ao erário, inclusive em casos anteriores à reforma de 2021. Essa mudança promove maior segurança jurídica, impedindo condenações baseadas apenas em presunções, e fortalece o respeito ao devido processo legal.

Ao enfatizar a necessidade de provas concretas, o STJ contribui para uma atuação mais criteriosa por parte dos órgãos de controle e reforça a importância de uma gestão pública responsável e transparente. A jurisprudência, assim, avança no sentido de equilibrar o combate à corrupção com a proteção dos direitos individuais, fortalecendo a legitimidade de todo o sistema de Justiça.

Matheus Cannizza e Geovanna Nicolete integram a área de contencioso cível estratégico do escritório Diamantino Advogados Associados

GESTÃO PROFISSIONAL
Governança em empresas familiares: estruturas e instrumentos essenciais

Advogada Liège Fernandes Vargas, do escritório CPDMA

A governança corporativa em empresas familiares tem ganhado cada vez mais relevância no cenário empresarial brasileiro, no qual cerca de 90% das empresas possuem controle familiar. A ausência de um planejamento adequado para a sucessão do negócio e a dificuldade de manter a harmonia nas relações familiares, em muitos casos, culminam no fracasso da empresa após a terceira geração. Nesse contexto, a criação de mecanismos eficazes de governança e a implementação de estruturas formais são fundamentais para a continuidade e sustentabilidade dessas organizações.

As empresas familiares enfrentam o desafio de conciliar a gestão profissional do negócio com os valores e tradições familiares. A governança familiar, estruturada através da criação de conselhos, objetiva oferecer essa conciliação. O Conselho de Família, por exemplo, é um órgão (não societário) que possibilita a comunicação entre os membros familiares e auxilia na resolução de conflitos, na preservação dos valores da família e no planejamento da sucessão. Já o Conselho de Administração, órgão deliberativo previsto na Lei das Sociedades Anônimas, proporciona uma visão estratégica e imparcial sobre a gestão do negócio, sendo composto, muitas vezes, por membros externos que trazem uma abordagem mais técnica e profissional​.

Além dessas estruturas, a utilização de instrumentos jurídicos específicos é indispensável para assegurar a governança familiar. Nesse sentido, o Acordo de Sócios – também chamado de Acordo de Quotistas ou Acionistas, dependendo da natureza jurídica da sociedade – regula aspectos societários como a compra e venda de ações e o direito de voto, garantindo previsibilidade nas decisões empresariais futuras. Já o Protocolo Familiar, também conhecido como Estatuto Familiar, estabelece normas de convivência e responsabilidades entre os membros da família, envolvidos direta ou indiretamente no negócio, criando uma estrutura que minimiza conflitos internos e favorece a continuidade dos valores a serem passados ao longo das gerações.

Para implementação dessas estruturas de governança, podem ser utilizadas empresas no formato de holdings (as chamadas holdings familiares). Conceitualmente, a holding pode ser definida como uma pessoa jurídica que centraliza o controle organizacional e/ou patrimonial do grupo familiar, seja através de (i) uma holding pura, focada exclusivamente na gestão de participações em outras sociedades; (ii) uma holding mista, que agrega também outras atividades empresariais; ou, ainda, (iii) uma holding patrimonial, que tão somente administra o patrimônio familiar. Essas estruturas facilitam o planejamento sucessório e a administração do patrimônio, contribuindo para a perpetuação e preservação do negócio, podendo ainda acarretar a redução da carga tributária.

Analisando os desafios enfrentados por empresas familiares, um dos principais pontos de desgaste na relação familiar é a falta de interesse das gerações futuras em participar da gestão do negócio. Pesquisas recentes apontam que mais de 50% dos herdeiros não desejam se envolver diretamente na administração da empresa – pesquisa da consultoria KPMG mostra este quadro. Nesse cenário, é crucial que as famílias empresárias criem mecanismos de governança que permitam a continuidade do negócio, mesmo que a gestão direta passe a ser realizada por profissionais externos.

Ao mesmo tempo, é importante que os entes familiares que estão no controle e na gestão do negócio criem estruturas que fomentem as gerações mais novas a participarem e a entenderem as premissas familiares, oportunizando que estes tragam pontos de vista e mudanças do mundo contemporâneo que podem impactar diretamente na perpetuidade do negócio, principalmente aquelas de cunho tecnológico.

Dessa forma, ao combinar todos esses elementos, a governança corporativa familiar pode ser efetivamente implementada em diversas estruturas.

Ressalta-se, por fim, que as empresas familiares demonstram, muitas vezes, a dificuldade de separar o contexto empresarial da relação familiar, misturando os problemas de ambas as relações. Por tais razões, é recomendável que a implementação seja realizada também com auxílio de um consultor ou advogado; ou seja, um agente externo à relação familiar.

Clique aqui para ler o estudo da KPMG

Liège Fernandes Vargas é coordenadora da Área de Direito Societário do escritório Cesar Peres Dulac Müller Advogados (CPDMA)

REPETITIVOS
STJ fixará tese sobre impenhorabilidade de aplicações financeiras até 40 salários mínimos

Ministra Maria Thereza de Assis Moura
Foto: Imprensa/STJ

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve julgar no dia 4 de dezembro, sob o rito dos repetitivos, os Recursos Especiais 2.015.693 e 2.020.425, de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura.

A questão submetida a julgamento, cadastrada como Tema 1.285 na base de dados do STJ, é ‘‘definir se é ou não impenhorável a quantia de até 40 salários mínimos poupada, seja ela mantida em papel-moeda, em conta-corrente, aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos’’.

Por conta da afetação do tema repetitivo, está suspenso o processamento dos recursos especiais e agravos em recurso especial sobre o mesmo assunto, em tramitação na segunda instância ou no STJ.

Em seu voto pela afetação dos recursos, a relatora ressaltou que o caráter repetitivo da matéria foi verificado a partir de pesquisa na base de jurisprudência do STJ, tendo a Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (Cogepac) do tribunal contabilizado, ainda em 2022, 56 acórdãos e 2.808 decisões monocráticas sobre a mesma questão.

Maria Thereza de Assis Moura destacou que a interpretação do artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC), foi definida pela Corte Especial no início deste ano, no julgamento do REsp 1.660.671, sob a relatoria do ministro Herman Benjamin.

Na ocasião, o tribunal estabeleceu uma orientação jurisprudencial detalhada, a partir do entendimento de que não apenas a poupança, mas outras aplicações financeiras que também se caracterizem como reserva para casos de emergência ou imprevisto grave devem ter a proteção da impenhorabilidade.

No entanto, conforme a ministra, apesar de sua força persuasiva, essa decisão foi proferida em um recurso especial avulso, o que torna necessária a adoção de um precedente com efeito vinculante.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O CPC de 2015 regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia aqui o acórdão de afetação do REsp 2.015.693

REsp 2015693

REsp 2020425

ACESSO À JUSTIÇA
Trabalhador pode ajuizar ação reclamatória na cidade em que reside, decide TST

Ministro Alberto Balazeiro foi o relator
Foto: Secom/TST

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou o recurso da empresa açucareira Onda Verde Agrocomercial S.A., de Onda Verde (SP), contra decisão que reconheceu o direito de um lavrador de Guanambi (BA) de ajuizar ação trabalhista no local em que reside, e não no que prestou serviços.

Ação foi ajuizada na Bahia

O caso se refere a pedido de condenação da empresa por danos morais. A ação foi ajuizada na Vara de Trabalho de Guanambi em outubro de 2014, com base em situações degradantes no ambiente de trabalho.

A Onda questionou a competência territorial, também denominada de competência em razão do lugar, da Vara de Guanambi para julgar o caso. Segundo a empresa, a ação deveria correr na Vara de Onda Verde, local de prestação do serviço.

Regra da competência territorial foi flexibilizada

De acordo com o artigo 651 da CLT, a regra geral sobre a competência é dada pelo local da prestação do serviço, ainda que o contrato tenha sido celebrado em outro lugar. Se o empregador atuar fora do lugar de contrato, a ação pode ser ajuizada no local da contratação ou no de prestação de serviços.

O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5, Bahia) flexibilizou a interpretação do artigo, por entender que a competência territorial fixada pela lei prejudicaria o acesso à Justiça do lavrador, que residia a 1.300km do local de trabalho.

Ao levar o caso ao TST, a Onda Verde sustentou ter tido ‘‘inequívocos prejuízos’’ com o ajuizamento da ação em Guanambi , pois o seu direito de defesa acabou cerceado. Alegou também que a condição econômica do empregado não pode se sobrepor ao que a lei determina.

Flexibilização visa garantir amplo acesso à Justiça

A tese da empresa, porém, foi afastada pelo ministro Alberto Balazeiro. Ele lembrou que a Subseção I de Dissídios Individuais (SDI-1) do TST definiu que, para garantir o amplo acesso à Justiça, a reclamação trabalhista pode ser apresentada no domicílio do empregado quando a empresa for de grande porte ou tiver representação nacional.

‘‘O objetivo da flexibilização é possibilitar, por um lado, o direito de ação do trabalhador, sem que, por outro lado, seja inviabilizado o direito de defesa da empresa’’, explicou no voto.

No caso, embora não tenha mencionado o porte da empresa ou sua atuação em outros lugares do país, o TRT concluiu que o ajuizamento da ação no local da prestação de serviços inviabilizaria o acesso à Justiça do trabalhador, mas não o da empresa. Isso, a seu ver, é suficiente para manter a competência da Vara do Trabalho de Guanambi.

Enfrentamento ao trabalho escravo

Balazeiro citou ainda o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo, lançado em agosto deste ano. Ele observou que o lavrador prestava serviço em condições degradantes e, nesse sentido, seria preciso considerar a sua vulnerabilidade, além de lhe assegurar o amplo acesso à Justiça. Com informações de Ricardo Reis, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RR-2409-15.2014.5.05.0641