DÍVIDAS ANTIGAS
Entendimento do STJ garante segurança jurídica aos arrematantes de imóveis em leilões

Reprodução Blog.leiloesjudiciais.com.br

Por Vitor Fantaguci Benvenuti

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o arrematante de imóveis em leilões judiciais não pode ser responsabilizado por débitos tributários anteriores que recaiam sobre tais bens, ainda que haja expressa previsão do edital nesse sentido.

A decisão representa um grande avanço na jurisprudência do STJ e um marco na segurança jurídica dos adquirentes de imóveis em leilões judiciais. Por se tratar de julgamento em sede de recursos repetitivos (Tema 1.134), esse entendimento deve ser observado por todos os juízes e tribunais do país. Colocou-se, enfim, um ponto final nessa discussão.

O artigo 130 do Código Tributário Nacional (CTN) determina que, em regra, os impostos incidentes sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes. Ou seja: são transferidos a quem compra.

O parágrafo único do mesmo artigo, porém, traz uma exceção a essa regra, prevendo que, ‘‘no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço’’. Dito de outro modo, uma vez depositado o valor do imóvel arrematado, o arrematante não pode ser responsabilizado pelos débitos tributários anteriores (geralmente, IPTU).

Em um exemplo hipotético, se o comprador arremata um imóvel de R$ 1 milhão que possui uma dívida de IPTU de R$ 200 mil, o Fisco municipal deve descontar o débito do valor total para pagamento dos débitos de IPTU, não sendo possível uma cobrança apartada em face do arrematante.

A literalidade do CTN não deveria deixar dúvidas sobre a interpretação correta dos ditames legais. Contudo, criou-se a prática de prever nos editais que eventuais taxas e/ou impostos sobre o imóvel deveriam ser arcados pelo arrematante, para além do valor alcançado no leilão.

Voltando ao exemplo, o arrematante deveria depositar o valor do imóvel e, adicionalmente, quitar o débito de IPTU, sob pena de sofrer cobranças do município. Na prática, o valor total arcado pelo arrematante passava a ser de R$ 1,2 milhão (valor do imóvel no leilão somado à dívida de IPTU).

Embora estivéssemos diante de uma clara violação ao artigo 130, parágrafo único, do CTN, muitas decisões judiciais autorizavam a responsabilização dos arrematantes pelo simples fato de haver previsão do edital – que nem mesmo é uma lei em sentido estrito, capaz de excepcionar uma regra do CTN.

Ao longo dos anos, viu-se nos tribunais uma replicação indiscriminada dessa jurisprudência, sem maiores reflexões sobre suas inconsistências, gerando um estado de insegurança jurídica aos arrematantes e, consequentemente, prejudicando a efetividade de leilões judiciais.

Foi nesse contexto que a 1ª Seção do STJ, enfim, promoveu uma análise detida do tema e reviu esse posicionamento.

Em voto irretocável, o ministro relator Teodoro Silva Santos registrou que ‘‘não é possível admitir que norma geral sobre responsabilidade tributária, prevista pelo próprio CTN, cujo status normativo é de lei complementar, seja afastada por simples previsão editalícia em sentido diverso.

Ademais, consignou que ‘‘a prévia ciência e a eventual concordância, expressa ou tácita, do arrematante, em assumir o ônus das exações que incidam sobre o imóvel, não têm aptidão para configurar renúncia à aplicação do parágrafo único do art. 130 do CTN’’.

O ministro ainda acrescentou que a aquisição de imóveis em leilão judicial é originária, sem intermediação entre o proprietário anterior e o arrematante, e, como tal, ‘‘isenta o arrematante de quaisquer ônus que eventualmente incidam sobre o bem’’.

Por fim, o voto condutor esclareceu que a responsabilidade tributária ‘‘depende de previsão em lei complementar e da existência de vínculo entre o terceiro e o fato gerador da obrigação’’, o que também impede a responsabilização do arrematante, o qual não possui qualquer relação com o fato gerador do tributo.

Reconhecendo que se trata de uma modificação de jurisprudência, o STJ modulou os efeitos dessa decisão, determinando a aplicação da tese apenas aos editais posteriores à publicação da ata de julgamento do Tema 1.134.

Para os editais anteriores, mantém-se a eventual previsão de responsabilidade do arrematante, exceto se tiver havido questionamento administrativo ou judicial pendente de apreciação, situação em que o novo entendimento também deverá ser imediatamente aplicado.

Nesse cenário, merece elogios o posicionamento do STJ, que finalmente fez valer as previsões do CTN, afastando a interpretação absurda de que um edital poderia excepcionar uma norma de Lei.

Vitor Fantaguci Benvenuti é advogado da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

PREPARO DE RESP
Cópia certificada de documentos supre falhas de digitalização na interposição de recurso

Reprodução de Arte: TJ Bahia/CNJ

Em julgamento de embargos de divergência, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a apresentação de cópias certificadas, extraídas dos autos físicos, para comprovar que a falha de digitalização do processo comprometeu a verificação de que o preparo do recurso especial foi recolhido no prazo legal.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão da Primeira Turma segundo o qual a alegação de falha de digitalização das guias do preparo e dos comprovantes de pagamento deveria vir acompanhada de certidão específica do tribunal de origem atestando a situação, o que não teria ocorrido no caso em discussão. Como consequência, a turma manteve a decisão que afastou a deserção do recurso especial.

Nos embargos de divergência, a parte apontou que, em situação semelhante, a Quarta Turma concluiu que as cópias certificadas dos comprovantes de pagamento eram suficientes para confirmar que foi realizado o preparo do recurso especial.

Cópias certificadas têm a mesma força probatória de certidão do tribunal

Segundo o ministro João Otávio de Noronha, relator dos embargos, as cópias certificadas dos documentos relativos ao preparo recursal, extraídas dos autos físicos na origem, devem ser apresentadas pela parte na primeira oportunidade que tiver, e são suficientes para comprovar a falha de digitalização.

De acordo com o relator, não há fundamento legal para afastar a força probatória das cópias certificadas dos autos. Como consequência, apontou, deve ser dada fé pública a esses documentos.

‘‘Com efeito, tanto as cópias certificadas quanto a certidão específica emitida pela secretaria do tribunal de origem são documentos hábeis a comprovar a alegada falha na digitalização dos autos por parte do tribunal de origem, o que não deve prejudicar a parte recorrente’’, concluiu o ministro ao dar provimento aos embargos e afastar a deserção do recurso especial. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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EAREsp 679431

VITÓRIA DO CONTRIBUINTE
STJ exclui Difal de ICMS da base de cálculo das contribuições para o PIS/Cofins

Advogado João Vitor Prado Bilharinho/ Divulgação

Por João Vitor Prado Bilharinho

Em mais um desdobramento da ‘‘tese do século’’, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o diferencial de alíquota do ICMS (Difal) não deve ser incluído na base de cálculo das contribuições para o PIS/Cofins. A decisão favorável aos contribuintes foi unânime e se deu no julgamento do REsp 2.128.785/RS.

O Difal do ICMS corresponde à diferença entre as alíquotas interna (estado de destino da mercadoria) e interestadual (estado remetente), referentes às operações interestaduais de transferência de mercadorias a consumidor final localizado em estado diverso do remetente, seja ele contribuinte ou não do ICMS.

A alíquota interestadual é definida pelo Senado. Atualmente, em operações interestaduais cujo estado de origem estiver na região Sul ou Sudeste (exceto Espírito Santo) e o estado de destino estiver na região Norte, Nordeste ou Centro-Oeste (incluindo o Espírito Santo), incidirá uma alíquota de 7%. Nas demais operações incide uma alíquota de 12%.

Tal metodologia de cobrança foi instituída pela Emenda Constitucional 87/2015, que alterou a redação do artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII e alínea ‘b’ do inciso VIII, da Constituição.

Com essa previsão legal, se estabeleceu que a responsabilidade pelo recolhimento do Difal será do destinatário, quando ele for contribuinte do imposto. Por outro lado, caso o destinatário não seja contribuinte, a responsabilidade recairá ao remetente da operação, conforme previsão contida no artigo 155, parágrafo 2º, incisos VII e VIII, respectivamente.

Caráter infraconstitucional da questão

O julgamento da matéria pela 1ª Turma do STJ é de extrema importância, pois simboliza uma mudança no entendimento do próprio colegiado quanto ao caráter infraconstitucional da questão.

Até então, havia uma discordância entre as cortes superiores a respeito da competência para julgar a matéria. Enquanto o STF entendia que a controvérsia teria caráter infraconstitucional, a 1ª e 2ª turmas do STJ entendiam que a questão deveria ser analisada pelo Supremo.

Tese do século

Assim, o julgamento do REsp 2.128.785/RS foi o primeiro momento em que o mérito da questão foi devidamente apreciado por qualquer das cortes superiores, o que representa uma grande vitória dos contribuintes, em mais uma discussão envolvendo uma das teses filhotes do emblemático caso da ‘‘tese do século’’ (exclusão do ICMS próprio da base de cálculo do PIS/Cofins).

Na ocasião, os ministros garantiram o direito de uma empresa fabricante de produtos para telecomunicações afastar a exigência do Difal na base de cálculo do PIS/Cofins, além de compensar os valores recolhidos de forma indevida a tal título.

A tese vencedora foi a seguinte: ‘‘Inviável a inclusão do ICMS, em quaisquer de suas modalidades – inclusive o Difal –, nas bases de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins’’.

Os ministros concluíram que tal entendimento, adotado pelo STF no Tema 69 e pelo STJ no Tema 1.125, também deve ser estendido ao Difal, pois, assim como o ICMS-ST, trata-se de mera modalidade de cobrança do tributo estadual, não tendo natureza de faturamento/receita.

Apesar de ser uma importante primeira vitória para os contribuintes, a discussão ainda não se encerrou, uma vez que o tema ainda deve ser analisado pela 2ª Turma do STJ para que, caso siga o mesmo entendimento, haja uma unificação da jurisprudência nesse sentido.

Ainda é incerto se a 2ª Turma irá alterar o entendimento firmado anteriormente, segundo o qual trata-se de uma questão constitucional.

À espera da 2ª Turma do STJ

Em eventual discordância entre as turmas, a matéria será levada para julgamento da 1ª Seção do Tribunal Superior. A expectativa é que não haja divergência quanto ao mérito, pois, como mencionado pela própria ministra Regina Helena Costa, relatora do caso, o tema nada mais é do que um desdobramento do Tema 69 da Repercussão Geral, assemelhando-se ao Tema 1.125/STJ, no qual a Corte afastou a cobrança de PIS/Cofins sobre o ICMS-ST.

Contudo, os contribuintes devem se atentar ao fato de que o julgamento não é de aplicação automática pelos tribunais, por não se tratar de tese fixada em julgamento de recurso especial sob a sistemática dos Recursos Repetitivos – hipótese elencada no rol taxativo do artigo 927 do Código de Processo Civil (CPC).

Munidas desse relevante precedente, empresas de diversos setores têm espaço para pleitear a compensação ou a restituição dos valores indevidamente recolhidos nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, além do reconhecimento do seu direito à exclusão do ICMS-Difal das bases de cálculo do PIS/Cofins.

João Vitor Prado Bilharinho é advogado tributarista no Diamantino Advogados Associados

AÇÃO DE COBRANÇA
Quando o beneficiário da apólice também é o contratante, prazo para obter indenização do seguro é de um ano

Ao reafirmar o entendimento fixado no julgamento do Incidente de Assunção de Competência 2 (IAC 2), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a prescrição do pedido de indenização securitária feito por uma viúva contra a Zurich Minas Brasil Seguros S. A. O requerimento foi apresentado mais de três anos após o falecimento do marido.

No julgamento do IAC, a Segunda Seção definiu o prazo prescricional de um ano para o exercício de qualquer pretensão do segurado contra o segurador (e vice-versa) baseada em suposto descumprimento de deveres (principais, secundários ou anexos) do contrato de seguro.

Prazo de um ano é aplicado a toda pretensão de segurado contra segurador

No caso julgado pela Quarta Turma, a segurada contratou participação em seguro de vida em grupo e acidentes pessoais coletivo, com cobertura adicional para o seu marido. Em 2013, ele faleceu, mas apenas em 2017 ela fez o requerimento administrativo para receber a indenização. Diante da negativa da seguradora, a viúva ajuizou ação de cobrança, mas tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) negaram o pedido.

Segundo o relator do caso no STJ, ministro Marco Buzzi, no julgamento do IAC 2, a Segunda Seção excepcionou da prescrição anual apenas os casos que envolvam seguro-saúde e planos de saúde, além do seguro de responsabilidade civil obrigatório (DPVAT).

‘‘Não houve deliberação no sentido de haver outras restrições quanto ao alcance do prazo prescricional ânuo, o qual é aplicável – ressalvadas hipóteses bem peculiares – ao exercício de toda e qualquer pretensão envolvendo segurado em face do segurador’’, explicou.

Prazo de dez anos só se aplica quando beneficiário não é o segurado/contratante

Na avaliação do ministro, o caso em análise não apresenta nenhuma peculiaridade capaz de alterar o prazo prescricional de um ano. Essa alteração, comentou, somente seria possível se o pedido de indenização fosse feito por terceiro, que não participou da relação contratual (e muitas vezes, nem sabia da sua existência), figurando apenas como beneficiário.

De acordo com o relator, esse foi o entendimento firmado no REsp 1.384.942, no qual a Quarta Turma estabeleceu o prazo prescricional de dez anos para o pedido de indenização de seguro de vida de um beneficiário, que não se confundia com o próprio segurado.

O ministro verificou que, na hipótese em julgamento, a viúva era contratante/titular da apólice e beneficiária da cobertura adicional do cônjuge, não podendo ser considerada terceira na relação contratual, pois constava como segurada principal, o que atrai a incidência do prazo prescricional de um ano. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

AREsp 2323675

AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Excesso de peso nas rodovias presume danos materiais e morais coletivos, decide STJ

Reprodução Devianti

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.104), estabeleceu a tese de que ‘‘o direito ao trânsito seguro, bem como os notórios e inequívocos danos materiais e morais coletivos decorrentes do tráfego reiterado, em rodovias, de veículo com excesso de peso, autorizam a imposição de tutela inibitória e a responsabilização civil do agente infrator’’.

Com a definição da tese, podem voltar a tramitar os recursos especiais (REsps) e agravos em recurso especial (AREsps) que estavam suspensos à espera do precedente qualificado. O entendimento deverá ser necessariamente seguido pelas demais instâncias do Judiciário.

O ministro Teodoro Silva Santos, relator do tema repetitivo, ressaltou que, embora o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) preveja a aplicação de multas para o caso de excesso de peso em veículos, o Judiciário também pode adotar outras medidas para responsabilizar as transportadoras pela deterioração das rodovias.

Punição na esfera administrativa pode não esgotar a resposta do estado

O relator afirmou que, para preservar as rodovias e garantir a segurança no trânsito, o artigo 231, inciso V, do CTB, estabelece que o excesso de peso é infração de natureza média, sujeita a multa. No entanto, segundo ele, a punição administrativa não esgota necessariamente a resposta punitiva do estado, sobretudo, quando há uma evidente desproporção entre a penalidade e o benefício obtido pelo infrator com a reincidência no comportamento proibido.

‘‘À luz dos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da independência das instâncias punitivas, não se exclui da apreciação do Poder Judiciário a postura recalcitrante à legislação de trânsito’’, lembrou o relator.

Ele ponderou que, enquanto a multa administrativa sanciona ilícitos passados, a multa civil (astreintes) tem finalidade distinta: desestimular a conduta reiterada do infrator e garantir o cumprimento de obrigações determinadas judicialmente. Assim, para o ministro, não há configuração de bis in idem nas diversas respostas estatais direcionadas à mesma conduta contrária ao ordenamento jurídico.

Excesso de peso reduz significativamente a vida útil da malha viária

O ministro também destacou que o excesso de peso nos veículos provoca uma deterioração prematura da malha viária, fazendo com que a vida útil da via diminua em 30%, ou em até 70% nas rodovias de tráfego intenso. ‘‘Assim, um pavimento projetado para durar cerca de dez anos dura apenas sete e, nos casos mais extremos, resume-se a três anos’’, acrescentou.

‘‘É fato notório o nexo causal existente entre o transporte com excesso de peso e a deterioração da via pública decorrente de tal prática. A circulação de veículos com sobrepeso danifica a estrutura da malha viária, abreviando o seu tempo de vida útil e ocasionando o dispêndio de recursos públicos. Além dos graves danos materiais gerados ao patrimônio público, há ofensa in re ipsa a direitos coletivos e difusos, de caráter extrapatrimonial, como a ordem econômica, o meio ambiente equilibrado e a segurança dos usuários das rodovias’’, concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1908497