DANO MORAL COLETIVO
Mercedes-Benz é condenada a pagar R$ 40 milhões por discriminar trabalhadores lesionados

Foto: Divulgação

A prática de condutas vexatórias, humilhantes e discriminatórias contra empregados egressos de programa de reabilitação previdenciário representam barreiras à acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência (PcD), culto ao capacitismo, retrocesso social e lesão a direitos metaindividuais.

A tese foi acolhida pela 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15, Campinas-SP), ao condenar a Mercedes-Benz do Brasil a pagar indenização por danos morais coletivos no valor R$ 40 milhões por práticas de assédio e discriminação contra seus empregados. O montante deve ser destinado a uma instituição social indicada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) – autor da ação civil pública cível (ACPCiv) contra a montadora.

Além da reparação moral, o colegiado impôs à empresa multa por obrigações de fazer e não fazer de R$ 100 mil/dia, em caso de descumprimento, a cada trabalhador vítima de assédio ou discriminação, ou multa diária de R$ 10 mil, a depender do item descumprido.

Trabalhadores isolados e expostos à humilhação

Des. Luís Henrique Rafael foi o relator
Foto: Acervo Pessoal/Reprodução

O MPT campineiro investigou a empresa a partir de denúncias de que trabalhadores que sofreram lesões em decorrência do trabalho estavam sendo isolados dentro da fábrica em Campinas durante o seu processo de reabilitação, e expostos a situações vexatórias e humilhantes. Também foram relatados nos autos casos de discriminação racial.

O juízo da 12ª Vara do Trabalho de Campinas julgou improcedentes os pedidos formulados pelo MPT na ação, que também tem como parte o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas, de Material Elétrico e Eletrônico e de Fibra Óptica de Campinas, Americana e Indaiatuba.

No acórdão que reforma a sentença de primeira instância, o relator, desembargador Luís Henrique Rafael, afirmou que ‘‘o Ministério Público do Trabalho descreve a identificação de linha cronológica do tratamento dispensado aos trabalhadores adoecidos a partir dos depoimentos testemunhais: num primeiro plano, os trabalhadores são vítimas de isolamento, até mesmo físico, sendo subtraídos de oportunidades de ascensão profissional, de acréscimos remuneratórios, de promoções, ficando alocados num ‘Grupo de Divergentes’, ‘congelados’ dentro da estrutura organizacional da empresa’’.

Para o magistrado, ‘‘verifica-se no comportamento reiterado da recorrida e seus prepostos verdadeiro culto ao capacitismo, pretendendo estabelecer quais são os corpos adequados e suas possibilidades, assim como quais não são’’.

Ressalta-se que referidas práticas revelam, inclusive, conduta tipificada no artigo 88 da Lei 13.146/2015, que reconhece como crime a discriminação em razão da deficiência. Aceitar as práticas incontroversamente realizadas como ‘‘fatos isolados’’, como alegou a empresa no processo, ‘‘representaria grave retrocesso social que obstaculizaria as garantias constitucionais aos direitos da pessoa com deficiência’’.

Do acórdão, cabe recurso de revista (RR) ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TRT-15.

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

ACPCiv 0010910-78.2019.5.15.0131 (Campinas-SP)

RECOMENDAÇÃO FAKE
Assessoria empresarial não pode utilizar a logomarca do Inpi, decide Vara de Criciúma

A empresa Consolide Assessoria Empresarial Online Ltda. não pode utilizar o nome, a sigla ou a logomarca do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 500.

A determinação, em caráter liminar, partiu da 1ª Vara Federal de Criciúma (SC), no bojo da ação inibitória de uso de nome e sigla, cumulada com indenização por danos morais com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, proposta pela autarquia federal.

O juiz federal Germano Alberton Júnior deu prazo de 15 dias, a contar de 7 de outubro, para que a empresa ré retire as referências de sigla e marca das suas páginas da web e das suas redes sociais – e eventualmente noutros veículos de publicidade (impressos ou virtuais).

Proveito econômico de particulares

O juízo acolheu o argumento do Inpi de que os símbolos estavam sendo utilizados com objetivos particulares de proveito econômico.

De acordo com a liminar, a vedação de uso da sigla e da logomarca do Inpi para fins particulares está prevista no artigo 12 e 18 do Código Civil (CC), além dos artigos 124 e 191 da Lei da Propriedade Industrial (LPI). O Código Penal (CP), por sua vez, estabelece, no artigo 296, parágrafo 1º, inciso III, que o uso irregular de identificações de órgãos públicos configura crime.

‘‘A intenção dessas disposições legais é evitar o uso indevido da imagem das autarquias e fundações, e, por consequência, impedir que a população em geral seja enganada por falsas expectativas de que determinado serviço seja patrocinado ou recomendado pelo ente público, no caso o Inpi’’, considerou o juiz federal Germano Alberton Júnior.

O juiz negou, entretanto, o pedido de exclusão do portal da empresa da rede mundial de computadores. ‘‘O dano à coletividade pode ser facilmente evitado se a parte requerida remover as referências ao Inpi (sigla e logomarca) de suas redes sociais e site’’, observou Alberton.

Da decisão liminar, cabe recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa da Justiça Federal de Santa Catarina (JFSC).

Clique aqui para ler a íntegra da liminar

5007834-96.2024.4.04.7204

LICITAÇÕES PÚBLICAS
Lei que criou Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas é válida, decide STF

Ministro Dias Toffoli foi o relator das ADIs
Foto: Rosinei Coutinho/STF

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) validou a lei que criou a Certidão Negativa de Débito Trabalhista (CNDT) e passou a exigi-la das empresas que participam de licitações com órgãos públicos. A questão foi discutida nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4716 e 4742.

Instituída pela Lei 12.440/2011, a CNDT comprova a inexistência de débitos de pessoas físicas e jurídicas com a Justiça do Trabalho e tem validade de 180 dias. A certidão não é emitida enquanto não forem cumpridas obrigações decorrentes de condenações definitivas e de acordos judiciais ou firmados com o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Nas ações, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC) alegavam, entre outros pontos, que a norma violaria as garantias da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

Ampla defesa garantida

O relator das ações, ministro Dias Toffoli, observou que a decisão judicial que serve de base para atestar a regularidade deve ser definitiva; ou seja, a discussão ultrapassou todas as fases do processo trabalhista, e nele foi garantido ao devedor direito de defesa e o acesso ao contraditório.

Além disso, o relator explicou que o devedor só será inscrito no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT) se, após decorridos 45 dias úteis de sua citação, não pagar o débito ou não apresentar garantia para sua quitação.

Exigência garante igualdade de condições

Em relação à exigência de regularidade trabalhista para participar de licitação pública, Toffoli apontou que a medida foi mantida pela Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) e está de acordo com os princípios que devem reger as contratações públicas. Na sua avaliação, a exigência garante igualdade de condições a todos os concorrentes e assegura que a administração pública celebre contratos com empresas efetivamente capazes de cumprir suas obrigações.

Valores sociais do trabalho

Por fim, Toffoli assinalou que a proteção constitucional dos direitos dos trabalhadores rurais e urbanos é um dos pilares da ordem econômica brasileira, e a norma questionada contribui para que a quitação de débitos trabalhistas seja acelerada.

‘‘O sistema instituído a partir da Lei 12.440/2011 favorece a concretização de uma ordem econômica pautada nos valores sociais do trabalho e da dignidade da pessoa humana’’, concluiu.

O julgamento das ADIs 4716 e 4742 foi realizado na sessão virtual encerrada em 27/9. Com informações de Pedro Rocha, da Assessoria de Imprensa do STF.

ADI 4716

ADI 4742

REVOLUÇÃO JURÍDICA
O sucesso da extrajudicialização dos inventários, partilhas e divórcios: as recentes alterações na Resolução 35/2007 do CNJ

Por Guilherme da Rocha Zambrano

Foto: Dicom/TJRS

A extrajudicialização dos procedimentos de inventário, partilha, divórcio e separação consensuais é uma história de sucesso. A Lei n.º 11.441/2007 e a Resolução n.º 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram o primeiro passo de um processo normativo que parece constante e irrefreável e que já revolucionou o sistema jurídico brasileiro, com notáveis economias de tempo e de recursos públicos e privados.

Esse sucesso tem sido tão grande que o exemplo vem sendo expandido para outros temas, como a autorização de viagem de crianças e adolescentes, e não é difícil antever a desjudicialização de todos os procedimentos de jurisdição voluntária.Aliás, essa ‘‘onda’’ já permite até mesmo a usucapião e a adjudicação compulsória extrajudiciais quando não houver ‘‘lide’’, que seriam consideradas contradições em termos até há pouco tempo. A mais recente evolução é a Resolução n.º 571/2024 do CNJ, complementada por uma Resolução já aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público, que ainda não foi publicada, tampouco numerada.

Nessas alterações recentes, a escritura pública de declaração da separação de fato e de extinção da união estável substituem, como subespécies, a ‘‘separação consensual’’. Fica permitida a emissão de certidão da escritura por quesitos, específica sobre alguns bens, para manter alguma privacidade sobre a titularidade de outros bens cuja propriedade não depende de registro público, desde que assim requerido pelas partes.

Essa possibilidade permite o registro da transmissão patrimonial no registro de imóveis ou em instituições financeiras sem que o valor total do ‘‘monte mor’’ ou dos quinhões de cada herdeiro seja amplamente publicizado, por exemplo. Mas a publicidade da escritura pública não fica prejudicada e ainda é possível a consulta pela CENSEC e a obtenção de certidão de inteiro teor por terceiros, diretamente no tabelionato.

Foram ampliados os poderes do inventariante, que pode buscar as informações bancárias e fiscais necessárias, levantar valores, concluir negócios e pagar despesas. Os herdeiros podem autorizar por escritura pública a alienação de bens do espólio pelo inventariante, de comum acordo e sem autorização judicial, com a cautela necessária para que não seja prejudicado o pagamento das dívidas e despesas do espólio e nem prejudicados os direitos de eventuais credores do espólio ou dos herdeiros ou do(a) meeiro(a).

O inventariante deve prestar caução real ou fidejussória de que o produto da venda será destinado ao pagamento das dívidas e despesas do inventário, no prazo máximo de um ano. Uma vez pagas as dívidas, a garantia prestada pelo inventariante fica extinta.

O bem alienado deve ser relacionado no acervo hereditário, para cálculo dos tributos e quinhões, mas não é objeto de partilha (pois somente o produto da venda que não tenha sido consumido por dívidas ou despesas será partilhado).

Estão autorizados os inventários e partilhas extrajudiciais mesmo que haja interesses patrimoniais de incapazes, desde que exista aprovação do Ministério Público. Mas essa autorização ainda não é plena. Os atos de disposição são proibidos, pois é necessário que o incapaz receba a fração ideal de seu quinhão hereditário ou a meação correspondente a cada um dos bens inventariados.

Se houver um potencial herdeiro nascituro, é preciso esperar o registro de nascimento, com indicação da parentalidade ou de nascimento sem vida. Além disso, existe um aparente conflito entre a redação do caput e do § 3º do art. 12-A, pois, num primeiro momento, a aprovação do Ministério Público é um requisito (‘‘desde que’’, ‘‘haja’’) para a possibilidade de celebrar a escritura, enquanto mais adiante é mera condição de eficácia da escritura pública.

Se o Ministério Público ou terceiro interessado fizer(em) impugnação, o procedimento deve ser encaminhado ao juízo competente – mais uma vez, parece que a aprovação é requisito para a celebração da escritura (caso contrário, deveria ser encaminhada a escritura e não o ‘‘procedimento’’). Além disso, essa impugnação ainda não parece ser a ‘‘via ordinária’’, pois, no § 2º do artigo seguinte, quando há referência ao ‘‘juízo competente’’, fica claro que se trata do ‘‘juízo competente em matéria de registros públicos’’ para a solução de ‘‘dúvidas’’.

Os expedientes das escrituras públicas com interesses de incapazes devem ser remetidos na íntegra para análise e manifestação do Ministério Público. Tanto a remessa quanto a manifestação devem ser feitas por meio eletrônico interoperável e preferencialmente por meio da plataforma E-notariado.

O membro do Ministério Público tem prazo de 15 dias para aprovação do ato, para sua impugnação ou para requisição de documentos complementares. A fluência desse prazo sem manifestação do Ministério Público, entretanto, não implica anuência, pois é exigida a aprovação do Ministério Público. Portanto, trata-se de prazo impróprio e não preclusivo que, quando muito, poderia gerar alguma consequência disciplinar, pelo descumprimento do prazo.

Também estão autorizados inventários e partilhas extrajudiciais mesmo que o autor da herança tenha deixado testamento, mas todos os interessados devem estar representados por advogado. Como foi revogada a regra que permitia expressamente um advogado comum para as partes do divórcio (art. 47), pode haver insegurança quanto a essa possibilidade. Entretanto, se não houver conflito de interesses entre as partes parece possível a representação por apenas um advogado.

O inventário e a partilha extrajudiciais precisam ser autorizados na ação de abertura e cumprimento do testamento, com trânsito em julgado. Se houver menores ou incapazes, também é necessária a aprovação do Ministério Público, nos mesmos moldes.

Nos casos de ineficácia ou nulidade do testamento, deve haver reconhecimento judicial transitado em julgado, na ação de abertura e de cumprimento do testamento. Se no testamento for reconhecido filho ou houver outra declaração irrevogável, fica inviabilizado o inventário e partilha extrajudicial. As dúvidas do tabelião devem ser suscitadas ao juízo competente em matéria de registros públicos.

Está permitida a eficácia da união estável incontroversa entre os interessados ou já comprovada em ação judicial, escritura pública ou termo declaratório registrados no Registro Civil, caso em que ficam garantidas a meação e a condição de herdeiro do convivente.

A aprovação da escritura pública pelo Ministério Público é necessária sempre que houver menor ou incapaz.

É do inventariante a responsabilidade pela correta estimativa do valor dos bens do espólio e permitida a cobrança de emolumentos adicionais, se a Fazenda Pública discordar da avaliação.

Foram reorganizadas e atualizadas as regras sobre divórcio consensual, separação de fato (que pode ser unilateral) e extinção da união estável, também atualizadas pela possibilidade de partilha com filhos menores ou incapazes, desde que haja prévia resolução judicial de todas as questões referentes à guarda, visitação e alimentos, caso em que as eventuais dúvidas devem ser submetidas ao juízo prolator da decisão (diferentemente das anteriores).

Finalmente, perdeu sentido a regra sobre a alteração unilateral do nome de casamento, que já pode ser feita diretamente no Registro Civil.

Como visto, o processo de extrajudicialização continua avançando firme e forte, pois os seus resultados superam quaisquer expectativas. A sociedade civil já se acostumou às economias de tempo de recursos públicos e privados proporcionados pela extrajudicialização e não foram sentidos quaisquer efeitos prejudiciais nesse processo, pois todas as cautelas necessárias para a preservação da segurança jurídica dos envolvidos, a prevenção de fraudes e o correto recolhimento de tributos vêm sendo adotadas.

Com a consolidação dessas evoluções, é provável que em breve até mesmo a autorização judicial para a alienação de bens de menores ou de incapazes venha a seguir esse modelo de escritura pública previamente aprovada pelo Ministério Público.

Guilherme da Rocha Zambrano acumula experiência profissional de 22 anos como juiz do Trabalho, professor, advogado e analista judiciário, aguardando a delegação de uma serventia Notarial e/ou Registral no Rio Grande do Sul. Site: https://zambrano.pro.br/

SANHA ARRECADATÓRIA
Fisco atropela jurisprudência para tributar adicional de ICMS

Por Vitor Fantaguci Benvenuti

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574.706), pois o imposto estadual é um ônus fiscal que apenas transita no patrimônio do contribuinte, não uma receita ou faturamento da empresa. Juridicamente correta, a decisão representou uma perda financeira aos cofres da União, que passou a buscar novos meios de aumentar a arrecadação.

Recentemente, porém, a Receita Federal promoveu uma nova investida arrecadatória. Com a Solução de Consulta Cosit 61/2024, o Fisco autorizou a cobrança de PIS e Cofins, desta vez sobre o adicional de ICMS destinado ao financiamento de Fundos Estaduais de Combate à Pobreza (FECP). Este adicional nada mais é que uma cobrança acessória ao ICMS, com natureza jurídica semelhante à do imposto estadual, que inclusive se sujeita às mesmas regras constitucionais (artigo 82, § 1º, do ADCT).

Para justificar essa nova cobrança, a Receita argumenta que a natureza jurídica do adicional é diferente do ICMS propriamente dito e, por isso, a decisão do STF no RE 574.706 não se aplicaria a ele. Contudo, ao analisarmos os motivos elencados pelo Fisco, fica claro que tudo não se passa de uma estratégia para atender à incansável sanha arrecadatória do Governo Federal.

Primeiro, diz-se que o ICMS é um imposto não cumulativo – isto é, cada operação gera créditos do imposto a serem compensados nas operações subsequentes, evitando-se a tributação ‘‘em cascata’’. Já o adicional de ICMS seria cumulativo.

No entanto, a cumulatividade não é critério relevante para a classificação de tributos, e o próprio ICMS pode adotar feição cumulativa em certas situações.

Restrições à não cumulatividade do ICMS

Um exemplo são as reiteradas restrições à não cumulatividade do ICMS quanto aos bens adquiridos para uso e consumo. Embora o direito a crédito nessas hipóteses seja uma decorrência do princípio da não cumulatividade, a legislação infraconstitucional promoveu sucessivas alterações no artigo 33 da LC 87/1996, inviabilizando por completo o exercício desse direito.

A redação atual do dispositivo autoriza a tomada de crédito sobre bens para uso e consumo somente em 2033, quando, a princípio, não mais existirá o ICMS devido à reforma tributária. Apesar disso, a medida foi considerada constitucional pelo STF no julgamento do RE 601.967.

O segundo argumento da Receita é que o adicional ao FECP não se sujeita à repartição de receitas do artigo 158, IV, da Constituição, que destina 25% do ICMS aos municípios.

Porém, a repartição de receitas de tributos com outros entes da federação também não é um critério diferenciador de espécies tributárias, mas apenas uma questão relevante ao direito financeiro, já que envolve momento posterior à relação jurídico-tributária entre contribuinte e ente tributante.

Por fim, o Fisco afirma que os valores arrecadados com o adicional de ICMS têm destinação específica (financiamento dos Fundos de Combate à Pobreza), e isso lhe retiraria a natureza jurídica de imposto.

ICMS não é receita ou faturamento

A rigor, a ausência de destinação legal do produto da arrecadação realmente é um traço caracterizador dos impostos, mas o próprio texto constitucional admite exceções, como é o caso da vinculação da receita de impostos a ações de saúde, educação e atividades da administração tributária (artigo 167, inciso IV).

A destinação do adicional de ICMS aos Fundos de Combate à Pobreza é apenas outra exceção à regra da não vinculação da receita de impostos.

Como se não bastasse, a Receita Federal não enfrenta um ponto crucial: se o adicional não tem a mesma natureza do ICMS, o que ele é? Não é taxa, contribuição de melhoria ou empréstimo compulsório. A única opção seria classificá-lo como ‘‘contribuição’’, mas isso seria inconstitucional, pois os Estados só podem instituir contribuições para regimes próprios de previdência, enquanto a criação de novos tributos é competência residual da União (artigo 154, CF).

Seja como for, o adicional de ICMS não é receita ou faturamento do contribuinte e, assim, não pode integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins. Tal entendimento vem sendo acolhido pela jurisprudência em recentes decisões.

Cita-se, por exemplo, a sentença proferida no Processo 6005420-78.2024.4.06.3801, em trâmite na 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG), registrando que o adicional FECP desfruta de natureza semelhante ao ICMS, de sorte que a empresa apenas o arrecada e repassa ao Estado, sem incrementar seu faturamento próprio.

No mesmo sentido, o juiz da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro afirmou em sentença que o adicional de ICMS destinado ao FECP não refletiria a riqueza obtida com a realização da operação, pois constituiria ônus do contribuinte e não faturamento (Processo 5033811-51.2024.4.02.5101).

Por sua vez, o juiz da 1ª Vara Federal de Macaé (RJ) observou que os adicionais de ICMS possuem ‘‘a mesma natureza dos impostos’’ e o constituinte em nenhum momento pretendeu criar nova figura tributária, que, ao final, seria de duvidosa constitucionalidade, tendo em vista a limitada capacidade de estados e municípios criarem novas contribuições (Processo 5002648-08.2024.4.02.5116).

Embora a cooperação tributária tenha sido recentemente elevada ao status de princípio constitucional (artigo 145, § 3º), já está claro que embates entre Fisco e contribuinte não se tornarão menos frequentes até que o Governo Federal abandone a busca pelo aumento de arrecadação a qualquer custo. Enquanto não houver mudança de postura, o único caminho disponível para os contribuintes é o Judiciário.

Vitor Fantaguci Benvenuti é advogado da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados