DIREITO DE DEFESA
Vendedor consegue perícia em conversa de WhatsApp para provar pagamentos ‘‘por fora’’

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou que a Justiça do Trabalho na Bahia autorize a realização de perícia para verificar a autenticidade de conversas entre um vendedor e sua gerente sobre pagamentos ‘‘por fora’’ – sem registro formal. Ao anular a decisão que havia negado o pedido, o colegiado concluiu que o indeferimento da medida violou o direito de defesa do trabalhador.

Perícia comprovaria conversa com gerente

O vendedor entrou na Justiça para reclamar, entre outras parcelas, a integração aos salários de valores recebidos ‘‘por fora’’ da Pererê Peças Motociclo Ltda., de Feira de Santana (BA). Segundo ele, além da quantia declarada no contracheque, a empresa enviava mensalmente, pelos Correios, a diferença de comissões em dinheiro vivo. Como prova, anexou prints de conversa no WhatsApp em que a gerente administrativa autoriza a retirada de valores no setor de cobrança da empresa, por conta de uma greve dos Correios.

A empresa, em sua contestação, negou que fizesse pagamentos ‘‘por fora’’ e questionou a veracidade das conversas por WhatsApp.

Por isso, o trabalhador pediu que a gerente fosse chamada a confirmá-las e, caso se recusasse, que fosse feita uma perícia no seu telefone. Pediu, ainda, que a medida se estendesse aos computadores e ao email do próprio vendedor, para onde ele havia exportado as conversas.

Prints foram rejeitados como prova

O pedido de perícia foi negado pelo juiz, que afastou a possibilidade de quebra do sigilo de comunicações telefônicas no processo trabalhista. Segundo seu entendimento, uma ata notarial (documento público que registra a narração de fatos presenciados por um tabelião) com o conteúdo das mensagens substituiria essa diligência.

Os prints também foram rejeitados como prova, e o pagamento por fora não foi reconhecido.

Ao manter a sentença, o TRT baiano entendeu que eles eram apenas arquivos de imagem que poderiam ser manipulados e adulterados para excluir mensagens enviadas e recebidas ‘‘sem deixar qualquer vestígio’’.

Indeferimento de perícia violou direito de defesa

No recurso ao TST, o vendedor alegou que teve o seu direito de defesa cerceado com a recusa e argumentou que os cartórios de sua cidade cobram caro por uma ata notarial.

A relatora do caso no TST, ministra Kátia Arruda, observou que tanto a Constituição Federal quanto o Código de Processo Civil (CPC) asseguram o direito ao contraditório e à ampla defesa e o direito de empregar todos os meios legais para provar a verdade dos fatos que alega, cabendo ao juiz determinar a produção das provas necessárias para o julgamento.

‘‘Evidentemente, não é inútil ou protelatória prova pericial que objetiva verificar a veracidade de conversa de WhatsApp não reconhecida pela parte contrária e que, em tese, poderia confirmar as alegações do interessado’’, afirmou.

Para a relatora, ainda que o juiz considere que outro meio de prova pudesse ter sido providenciado, o indeferimento da prova pedida pelo trabalhador violou o seu direito de defesa.

A decisão foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações de Carmem Feijó, da Secretaria de Comunicação (Secom) do TST.

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ATOrd 0000090-32.2021.5.05.0511 (Eunápolis-BA)

QUEBRA DE FIDÚCIA
Juiz mantém justa causa de enfermeira que apresentou atestado médico na Fundep e foi trabalhar noutro empregador

Apresentar atestado médico numa empresa e, no mesmo dia, laborar para outro empregador é ato de improbidade apto a justificar o encerramento do contrato de trabalho, por quebra da mútua confiança.

Assim, a 5ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte não teve dúvidas em manter a dispensa por justa causa aplicada pela Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) a uma enfermeira que apresentou atestado médico e foi trabalhar, no mesmo dia da falta, para outro empregador. A sentença foi proferida pelo juiz Jésser Gonçalves Pacheco.

Na ação reclamatória, a profissional alegou que os motivos da rescisão não corresponderam à verdade. Segundo a trabalhadora, ela faltou ao serviço, no dia 20 de agosto de 2024, porque estava com conjuntivite e queria poupar uma colega gestante. Por isso, postulou a reversão da justa causa, com o pagamento das verbas devidas por dispensa imotivada.

Já a empregadora reclamada afirmou que a ex-empregada praticou ato de improbidade ao apresentar o atestado e trabalhar para outro empregador.

Para o juiz, a dispensa por justa causa se caracteriza quando verificada grave violação das principais obrigações do contrato de trabalho, de modo a afastar a confiança depositada no empregado e tornar indesejável a manutenção da relação de emprego.

Segundo ele, por se tratar da punição máxima aplicada ao trabalhador, exige prova robusta e convincente do ato faltoso que veio a impedir a continuidade da relação de emprego, por quebra do elemento fidúcia, intrínseco ao vínculo jurídico. ‘‘Esse encargo probatório é do empregador’’, pontuou.

No caso dos autos, o julgador ressaltou que a própria autora da ação admitiu ter trabalhado em outro lugar no mesmo dia em que apresentou à empregadora o atestado por conjuntivite, por ‘‘elevada urgência’’. ‘‘Como lá o local é mais restrito, agiu de boa-fé, não entendendo que isso prejudicaria ninguém’’, defendeu-se em documento anexado ao processo.

Por isso, o magistrado rejeitou as alegações de nulidade do ato patronal. Ele ressaltou que a improbidade a justificar a dispensa por justa causa é aquela que afeta a mútua confiança, base da relação jurídica entre empregado e empregador, fidúcia que, segundo ele, foi manchada com o comportamento da trabalhadora.

‘‘Poupar de contágio uma colega de trabalho gestante pode até ser um gesto humanitário, mas a autora mesmo doente, ou supostamente doente, ainda assim foi trabalhar em outra unidade de saúde, o que nos parece contraditório’’, escreveu na sentença.

O juiz manteve, portanto, a justa causa aplicada pela empresa. Por consequência, rejeitou o pedido de reversão para despedida sem justa causa e as parcelas decorrentes (aviso-prévio indenizado, férias proporcionais + 1/3, 13º salário proporcional, indenização de 40% do FGTS e expedição de guias para saque do FGTS e seguro-desemprego).

Não houve recurso. O processo já foi arquivado definitivamente. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais).

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ATSum 0010843-63.2024.5.03.0005 (Belo Horizonte)

INVENTÁRIO
Herdeiro que paga aluguel pelo uso do imóvel antes da partilha não arca sozinho com IPTU

Reprodução Metrô Linha 4

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, quando há fixação de indenização pelo uso exclusivo de imóvel por um dos herdeiros, não é possível descontar adicionalmente do quinhão do ocupante, sem acordo prévio, os valores do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Segundo o colegiado, essa prática configuraria dupla compensação pelo mesmo fato e enriquecimento sem causa.

Na origem do caso, ao homologar a partilha de bens entre as duas filhas de uma mulher falecida, o juízo responsável pelo inventário determinou que a dívida de IPTU sobre um imóvel fosse paga exclusivamente pela herdeira que o ocupava, afastando a responsabilidade do espólio. O tribunal estadual manteve a sentença, sob o entendimento de que o herdeiro que usufrui do bem deve arcar com o imposto relativo ao período de ocupação, independentemente da indenização fixada pelo uso exclusivo.

A herdeira ocupante do imóvel recorreu ao STJ, argumentando que, até a partilha, o bem integrava o espólio, cabendo a este arcar com os respectivos encargos. Sustentou ainda que, por se tratar de obrigação propter rem, os débitos de IPTU deveriam ser divididos igualmente entre as herdeiras, pois a posse e a propriedade dos coerdeiros sobre os bens inventariados seguem as regras do condomínio.

Herdeiro que ocupa o imóvel pode ter que ressarcir os demais

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso especial, destacou que o STJ já reconheceu em recurso repetitivo que o IPTU é obrigação propter rem, ou seja, o tributo decorre da titularidade do direito real sobre o imóvel. Segundo o magistrado, por estar diretamente vinculada à propriedade, a obrigação gera um regime de solidariedade entre os herdeiros, que compartilham a responsabilidade pelas despesas. Assim, ele apontou que, até a conclusão da partilha, o IPTU deve ser suportado pelo espólio.

Por outro lado, o relator observou que o herdeiro que utiliza o imóvel de forma exclusiva pode ser compelido judicialmente a indenizar os demais sucessores, para se evitar o enriquecimento sem causa.

‘‘O herdeiro que ocupa o imóvel deve estar ciente de que pode ter que ressarcir os demais herdeiros pelo benefício do uso exclusivo que está recebendo. Esta compensação preserva os direitos de todos e assegura que o patrimônio da herança seja administrado de maneira equitativa’’, disse.

Antonio Carlos Ferreira mencionou julgamento no qual a Terceira Turma decidiu que, se um herdeiro mora sozinho no imóvel, sem pagar aluguel ou indenização aos demais, é razoável que as despesas de condomínio e IPTU sejam descontadas de sua parte na herança (REsp 1.704.528).

Uso exclusivo do bem já foi compensado com a fixação de indenização

Contudo, segundo o relator, no caso analisado, o acórdão de segunda instância já havia estabelecido uma indenização pelo uso exclusivo do imóvel, correspondente ao aluguel da quota da outra herdeira, a ser compensada na partilha.

‘‘Os valores correspondentes à indenização não foram impugnados pela parte interessada, restando, por conseguinte, preclusa a matéria’’, comentou.

Além disso, o ministro verificou que não houve nenhum acordo prévio entre as partes sobre o ressarcimento do IPTU ao espólio pelo herdeiro ocupante, conforme prevê o artigo 22, inciso VIII, da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991), nem quanto a outras obrigações relacionadas à ocupação do imóvel.

Dessa forma, Antonio Carlos Ferreira enfatizou que, como a compensação pelo uso exclusivo já foi realizada por meio da indenização fixada, não se justifica novo desconto sobre o quinhão da herdeira ocupante a título de IPTU.

‘‘Tal desconto configuraria dupla indenização pelo mesmo fato (uso exclusivo do imóvel) e resultaria em enriquecimento sem causa da outra herdeira, que receberia duas compensações pelo mesmo evento’’, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

SEM BANHEIROS
Pavimentadora pagará dano moral por submeter trabalhador a más condições de higiene em rodovia

A Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT-24, Mato Grosso do Sul) manteve sentença que condenou uma empresa de pavimentação a pagar R$ 3 mil em danos morais a um trabalhador, devido à ausência de condições mínimas de higiene no trecho de Albuquerque, distrito de Corumbá/MS, onde ele atuava na pavimentação de rodovias. A decisão foi unânime.

Na ação, o trabalhador alegou que a empresa não oferecia condições de trabalho seguras e higiênicas, o que afetou diretamente sua dignidade e bem-estar no trabalho.

Conforme a sentença proferida pela juíza Lilian Carla Issa, a NR-21, ao tratar de trabalho a céu aberto, preconiza a manutenção de condições sanitárias adequadas no local de trabalho. A juíza destacou que o trabalhador atuou em condições degradantes, o que feriu sua intimidade e dignidade, especialmente por não ter à disposição banheiro químico nem estrutura adequada para refeições.

O trabalhador foi admitido no mês anterior à implementação dessas estruturas, o que, para a magistrada, caracteriza uma violação de direitos fundamentais. A testemunha confirmou que a empresa disponibilizava banheiro químico, mas a cerca de 2,5 km dos alojamentos.

O relator do recurso ordinário no TRT-MS, desembargador César Palumbo Fernandes, considerou o valor  da indenização adequado para a gravidade do caso.

‘‘No tocante à quantificação da indenização, em observância à natureza da ofensa (leve), as consequências do dano, a situação social e econômica de cada um dos envolvidos, bem como os demais parâmetros do art. 223-G da CLT, utilizados com ‘critério orientativos’, e não de tarifação, reputo justo o valor fixado na sentença, de R$3.000,00, proporcional à compensação do dano extrapatrimonial moral’’, escreveu no acórdão. Com informações da Coordenadoria de Comunicação Social do TRT-24.

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ATSum 0024211-46.2024.5.24.0041 (Corumbá-MS)

INIMPUTABILIDADE
Beneficiário de seguro que mata a mãe durante surto tem direito à indenização securitária

Ministra Nancy Andrighi, Foto: Agência CNJ

Em razão da inimputabilidade do beneficiário do seguro de vida, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o pagamento de indenização a um filho que, durante um surto, matou a mãe, segurada do contrato.

‘‘O beneficiário inimputável que agrava factualmente o risco no contrato de seguro não o faz de modo intencional (com dolo), pois é, ontologicamente, incapaz de manifestar vontade civilmente relevante’’, disse a autora do voto que prevaleceu no julgamento, ministra Nancy Andrighi.

Segundo o processo, em 2013, a mãe contratou um seguro de vida no valor de aproximadamente R$ 113 mil, indiciando o filho como único beneficiário. No final daquele mesmo ano, o rapaz, durante um surto esquizofrênico, matou a mãe atropelada.

Ele foi denunciado por homicídio, mas o juízo criminal proferiu sentença de absolvição imprópria, em razão de o acusado, por causa da doença, ter sido considerado inimputável.

Na esfera cível, o beneficiário ajuizou ação contra a seguradora para cobrar a indenização, mas o juízo de primeiro grau considerou que a morte da segurada, ocasionada pela prática de ato doloso do beneficiário, impediria o recebimento do valor contratado.

Contudo, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a sentença sob o entendimento de que o autor não possuía discernimento no momento do crime, sendo incapaz de agir dolosamente.

Beneficiário perde direito à garantia quando agrava intencionalmente o risco do seguro

Em análise do recurso da seguradora, a ministra Nancy Andrighi comentou que, à época dos fatos, havia lacuna legislativa sobre os casos de ato ilícito do beneficiário do seguro no momento do sinistro – o tema está atualmente regulado na Lei 15.040/2024, com vacatio legis até dezembro de 2025.

Em razão da omissão legislativa anterior, a ministra entendeu ser possível aplicar, por analogia, o artigo 768 do Código Civil (CC), segundo o qual perde o direito ao recebimento do seguro o beneficiário que agravar intencionalmente o risco objeto do contrato segurado.

Na avaliação da magistrada, a expressão ‘‘intencionalmente’’ deve ser examinada também nas hipóteses de inimputabilidade e incapacidade civil. Segundo ela, no direito civil, o ato praticado pelo absolutamente incapaz, mesmo que contrário a algum direito, não é considerado ilícito exatamente em virtude da inimputabilidade do incapaz, embora a legislação preveja a possibilidade de reparação do terceiro prejudicado pelo dano.

Inimputável não possui capacidade de manifestar sua vontade

‘‘Se o beneficiário, consciente e intencionalmente, agrava o risco, aplica-se a sanção legal (perda do direito ao benefício assegurado). Se, por outro lado, houve o agravamento do risco – sem que seja possível identificar a manifestação de vontade, dada a inimputabilidade do beneficiário –, não é possível aplicar o artigo 768 do Código Civil. Não há vontade civilmente relevante em sua conduta e, como tal, não há intenção dolosa apta a afastar o direito à indenização’’, afirmou.

Nancy Andrighi ponderou que esse raciocínio preserva a coerência do sistema jurídico, pois, se o inimputável não possui livre vontade para realizar atos negociais, conforme previsto nos artigos 166, inciso I, e 181, ambos do CC de 2002, também não poderá manifestá-la em outras circunstâncias, como para agravar propositalmente o risco contratado (artigo 768 do CC). Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

O número do processo não é divulgado para preservação da intimidade das partes