DISCRIMINAÇÃO
Mineradora é condenada a pagar R$ 50 mil por demitir empregado após cirurgia de câncer de próstata em MG

Uma mineradora foi condenada a reintegrar e a indenizar por dano moral um trabalhador dispensado sem justa causa quatro meses depois de passar por uma cirurgia para tratar um câncer de próstata. O juiz Uilliam Frederic D’ Lopes Carvalho, no período em que atuou na 1ª Vara do Trabalho de João Monlevade (MG), entendeu que a dispensa foi discriminatória, determinando o restabelecimento dos benefícios anteriores, como o plano de saúde, e o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil.

O empregado, que foi diagnosticado com câncer em 2022, realizou uma cirurgia e precisou se afastar por 47 dias entre janeiro e março de 2023. Após o retorno, ele foi dispensado em julho de 2023, sem uma justificativa aceitável.

A empresa alegou que o empregado estava apto ao trabalho, mas o juiz concluiu que a dispensa ocorreu de forma discriminatória, uma vez que a doença era conhecida pela empregadora. Além disso, logo após a saída do trabalhador, outro empregado foi contratado para ocupar o lugar dele, demonstrando que a vaga permaneceu disponível.

O magistrado baseou sua sentença na Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que presume discriminatória a dispensa de pessoas com doenças graves. De acordo com o entendimento do magistrado, a empresa não conseguiu provar que a dispensa foi motivada por razões alheias ao estado de saúde do trabalhador.

‘‘Cabia à reclamada demonstrar ter havido outro motivo para a dispensa, ônus do qual não se desvencilhou. Isso porque nenhuma prova foi apresentada no sentido de extinção de postos de trabalho, outras dispensas ocorridas na mesma época, reestruturação financeira ou qualquer outra condição, limitando-se a ré a indicar como única motivação o poder potestativo do empregador e que o autor estaria apto ao trabalho’’, completou.

Além da reintegração ao cargo e da manutenção do plano de saúde, a empresa foi condenada a pagar os salários retroativos e parcelas como 13º salário, férias e outras previstas em convenções coletivas. Foi estabelecida também uma indenização de R$ 50 mil por danos morais, levando em conta a gravidade da situação e o impacto na vida do empregado.

Na sentença, o julgador reforçou o entendimento de que, em casos de doenças graves, o empregador deve demonstrar motivos justificados para a dispensa, evitando discriminações que prejudiquem ainda mais o trabalhador em um momento de fragilidade.

‘‘Inobstante alegação da ré em sentido contrário, não há prova de que o tratamento do câncer do autor esteja finalizado. Na hipótese, não pode ser descartada a possibilidade de recidiva, sequelas ou desconsiderar a necessidade de acompanhamento medicamentoso constante, ainda mais em tão pouco tempo após a realização da cirurgia. Pelas razões acima, considero discriminatória a dispensa do autor e declaro nula tal dispensa, nos moldes do art. 1º da Lei 9.029/95’’, finalizou.

Diante da possibilidade do direito e o risco proveniente da demora (art. 300, CPC), o juiz concedeu a antecipação da tutela, devendo a empresa providenciar a imediata reintegração do trabalhador, bem como o restabelecimento do plano de saúde dele, nas mesmas condições anteriores, no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, a ser revertida a favor do reclamante.

Em consequência, o magistrado deferiu o pedido de pagamento dos salários desde a dispensa até a reintegração, considerando-se os reajustes normativos ocorridos durante o afastamento, bem como o pagamento dos direitos e benefícios pertinentes.

Houve recurso e, atualmente, o processo aguarda a data de julgamento no TRT-MG. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

REGRAS DE PATRIMÔNIO
Felizes para sempre, nos termos do contrato: o que diz o STJ sobre o pacto antenupcial

Não tem jeito: toda história de amor traz consigo uma dose de burocracia antes do tão esperado ‘‘sim’’. Para além da cerimônia, das alianças e da papelada exigida para formalizar a união, as providências para a realização de um matrimônio podem incluir também um pacto antenupcial. Mas o que é esse documento e por que se revela importante?

O pacto antenupcial é um contrato feito pelos futuros cônjuges para definir as regras que vão incidir sobre o patrimônio do casal após o casamento. Se o acordo não for feito, o regime legal padrão do matrimônio será o da comunhão parcial de bens, conforme o artigo 1.640 do Código Civil. Nesse regime, os bens anteriores ao casamento continuam pertencendo a quem os adquiriu. Já os adquiridos ao longo da união devem ser compartilhados e, em caso de divórcio, divididos igualmente.

Por outro lado, se os noivos optarem por um regime de bens diferente do padrão, o pacto antenupcial será obrigatório. Isso significa dizer que ele deve ser firmado quando o casal decidir pelos regimes de separação convencional, comunhão universal ou participação final nos aquestos (bens adquiridos pelo casal durante o casamento, mediante pagamento), ou ainda por um regime misto. A ausência desse contrato quando ele for obrigatório tornará nulo o regime de bens escolhido na época do casamento, aplicando-se automaticamente a comunhão parcial.

Os artigos 1.653 a 1.657 do Código Civil descrevem os requisitos para que o pacto seja válido: ele deve ser registrado por escritura pública e o casamento precisa ocorrer. Se não for registrado corretamente, o contrato será nulo. Se não houver o casamento, será considerado ineficaz. A jurisprudência, no entanto, já admite sua aplicação às uniões estáveis, como em alguns casos que serão detalhados adiante.

O pacto não se limita à regulação patrimonial e pode incluir cláusulas não patrimoniais ou indenizatórias, desde que não violem a dignidade e os direitos e garantias fundamentais dos cônjuges.

Muitas discussões sobre os termos do pacto antenupcial chegam ao Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu casos envolvendo seus efeitos em segundos casamentos e os possíveis impactos do contrato após a morte de um dos cônjuges. A seguir, algumas decisões emblemáticas do tribunal.

Obrigatoriedade do pacto para regime de bens diferente da comunhão parcial

Com a entrada em vigor da Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio), o pacto antenupcial passou a ser obrigatório para o casal que escolhe um regime de bens diferente da comunhão parcial. Essa interpretação foi adotada pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.608.590, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em uma ação de divórcio cuja autora buscava manter o regime de comunhão universal registrado na certidão de casamento.

A mulher argumentou que o matrimônio ocorreu em 1978, durante a vigência do Código Civil de 1916, que adotava a comunhão universal de bens como regime legal. Ela alegou que, na época, não era comum os cartórios registrarem outros tipos de regimes de bens. Embora o matrimônio tenha sido celebrado sob o Código Civil de 1916, ele ocorreu após a publicação da Lei do Divórcio, que especificava que, na ausência de manifestação dos cônjuges, o regime seria a comunhão parcial.

No julgamento, o colegiado também discutiu a partilha de bens recebidos por herança durante o casamento. Os ministros decidiram que, após a confirmação do regime de comunhão parcial, os bens recebidos por herança, legado ou doação, antes ou durante a união, não seriam partilhados.

Ao negar provimento ao recurso da mulher, o relator concluiu que a partilha deveria se limitar aos bens resultantes do esforço comum dos cônjuges desde o início do casamento até a separação de fato, em 2004, quando o regime patrimonial foi extinto.

Pacto só pode ser modificado com manifestação expressa dos cônjuges

No REsp 1.706.812, também de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma decidiu que o regime jurídico da separação convencional de bens estabelecido voluntariamente no pacto antenupcial é imutável, a não ser que haja manifestação expressa de ambos os cônjuges.

Na origem do caso, uma mulher ajuizou ação pleiteando o reconhecimento da existência de sociedade de fato entre ela e o então marido. Ambos eram casados pelo regime da separação total. Ela alegou que seu trabalho teria contribuído para o sucesso das empresas pertencentes à família do ex-marido, devendo, por isso, ser considerada sócia de fato e ficar com 50% dos negócios.

O juízo de primeira instância negou o pedido da autora, decisão que foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). De acordo com a corte, a ausência de contrato social não impede o reconhecimento da existência de sociedade de fato com terceiros que atuam em comunhão de esforços, com o objetivo de concretizar um bem comum.

Ao restabelecer a sentença, o ministro Cueva explicou que não se poderia falar em sociedade de fato se o regime adotado era o da separação convencional de bens, principalmente não havendo registro escrito capaz de comprovar a existência da sociedade entre o ex-casal, já que este é um requisito indispensável para a configuração da sociedade de fato.

‘‘Ainda que se admitisse a possibilidade de os cônjuges casados sob o regime de separação de bens constituírem, eventualmente, uma sociedade de fato, por não lhes ser vedado constituir eventual condomínio, esta não decorreria simplesmente da vida em comum, já que, entre os deveres decorrentes do consórcio, o apoio mútuo é um dos mais relevantes’’, cravou no voto o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do REsp 1.706.812

Pacto antenupcial pode se aplicar à união estável

A lei faz menção expressa ao casamento como requisito de eficácia do pacto antenupcial. Entretanto, a jurisprudência do STJ entende que o instrumento é aplicável às uniões estáveis.

No julgamento do AREsp 2.064.895, interposto em ação de dissolução de união estável, a Quarta Turma analisou um caso em que o recorrente buscava a declaração de ineficácia do pacto antenupcial que estabelecera o regime da separação total. Segundo alegou a parte, o pacto estaria vinculado ao casamento – o qual nunca ocorreu – e, por isso, deveria ser considerado ineficaz.

O tribunal do estado decidiu que, ainda que o matrimônio não tenha se concretizado, o pacto antenupcial celebrado pelas partes, de forma livre e consciente, deveria reger a união estável ocorrida após a sua celebração, pois traduziria a manifestação clara de como os conviventes pretendiam seguir a relação.

O relator do recurso no STJ, ministro Raul Araújo, manteve integralmente o acórdão estadual por avaliar que o pacto antenupcial detém validade no âmbito da união estável, para fins de definição do regime de bens no período da convivência.

De acordo com o ministro, um pacto realizado por escritura pública, ainda que não tenha sido seguido pelo casamento, deve ter sua eficácia aproveitada como um contrato de convivência, devendo reger a união para a qual foi celebrado.

Pacto escrito tem efeito imediato na união estável, mesmo antes do casamento

Com relação ao momento em que o pacto antenupcial começa a produzir efeitos, a Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.483.863, fixou o entendimento de que o contrato que estabelece o regime de bens de um casamento passa a regular imediatamente os atos posteriores a ele ocorridos entre o casal, devendo reger, desde a sua celebração, a união estável pré-matrimonial.

O processo envolvia um casal que havia se relacionado em três momentos distintos, adotando regimes de bens diferentes em cada um deles. Primeiro, casaram-se sob comunhão universal; depois do divórcio, voltaram a viver em união estável por quatro anos; e, após esse período, decidiram se casar novamente, dessa vez no regime da separação total.

O pacto antenupcial relativo ao segundo casamento foi assinado na vigência da união estável, cerca de um ano e três meses antes do matrimônio. A recorrente alegou que o contrato escrito de convivência não se confundiria com pacto antenupcial, o qual somente passaria a ter eficácia a partir do casamento.

A controvérsia do recurso era definir o regime de bens que deveria ser aplicado durante o período final da união estável, após a celebração do pacto antenupcial que precedeu o segundo casamento pelo regime da separação total.

A primeira instância entendeu que a união estável não estava configurada, ao passo que o tribunal estadual reconheceu a união antes do segundo casamento, limitando a meação aos bens adquiridos pelo casal desde o início da união até a data da celebração do pacto antenupcial.

No STJ, a relatora, ministra Isabel Gallotti, esclareceu que, embora o pacto somente previsse vigência a partir do casamento, ele já atendia, desde a data em que foi firmado, ao único requisito exigido no artigo 1.725 do Código Civil de 2002 para disciplinar validamente a relação patrimonial de forma diversa da comunhão parcial entre os conviventes de uma união estável: ser um contrato escrito. Dessa forma, a ministra concluiu pela aplicabilidade imediata do regime de separação total de bens a partir de sua celebração.

‘‘O pacto antenupcial prévio ao segundo casamento, adotando o regime da separação total de bens ainda durante a convivência em união estável, possui o efeito imediato de regular os atos a ele posteriores havidos na relação patrimonial entre os conviventes, uma vez que não houve estipulação diversa’’, registrou no voto a ministra Isabel Gallotti.

Termos do pacto firmado na vigência da união estável devem ser respeitados

Entendimento semelhante foi adotado no julgamento do REsp 1.590.811, de relatoria do então desembargador convocado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) Lázaro Guimarães. O magistrado explicou que, conforme disposição contida no artigo 5º da Lei 9.278/1996 e no artigo 1.725 do Código Civil, a comunhão parcial de bens é o regime que se aplica à união estável, salvo quando os conviventes decidem em sentido diverso, sendo a forma escrita o único requisito exigido.

Um casal que vivia em união estável firmou pacto antenupcial definindo que o regime patrimonial do futuro casamento seria o da separação total. O pacto, além de prever o futuro regime de bens, regulava, por escrito e com efeitos imediatos, a relação existente na época. Como o casamento não ocorreu, o homem pleiteou o reconhecimento da ineficácia do pacto e a incidência do regime de comunhão parcial durante o período da união.

O tribunal de origem concluiu, no entanto, que o pacto antenupcial firmado entre os conviventes, além de adotar o regime da separação total, tratou de regras patrimoniais relativas à própria união estável, registrando a ausência de interesse na constituição de esforço comum para formação de patrimônio em nome do casal e mantendo o regime de bens original.

No STJ, a Quarta Turma decidiu que, independentemente do nome atribuído ao negócio jurídico, as disposições estabelecidas no contrato com o objetivo de disciplinar o regime de bens da união estável, ainda que contidas em pacto antenupcial, deveriam ser respeitadas, especialmente porque atenderam à forma escrita, único requisito exigido para contemplar regime de bens diverso do legal.

Por fim, o colegiado constatou que a regra da comunicabilidade dos bens deveria, de fato, permanecer afastada, para ceder espaço ao regime da separação total escolhido pelos conviventes desde a celebração do pacto até a efetiva dissolução da união.

Regime de separação obrigatória permite pacto antenupcial mais restritivo

Com relação ao regime de separação obrigatória de bens, previsto no artigo 1.641 do Código Civil, a Quarta Turma decidiu, no julgamento do REsp 1.922.347, sob relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, que é possível os cônjuges firmarem um pacto antenupcial de separação total dos bens, afastando, assim, a aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Um casal, ao firmar o pacto antenupcial em 2014, declarou que vivia em união estável desde 2007. Na época do pacto, ele tinha 77 anos e ela, 37, o que os sujeitou ao regime da separação obrigatória. Além disso, o casal optou espontaneamente por termos ainda mais restritivos, por meio do pacto antenupcial de separação total de bens.

O processo teve origem em pedido de inventário ajuizado pela viúva. O juízo de primeiro grau atendeu à impugnação de uma herdeira do falecido marido para excluí-la da meação e da partilha dos bens e removê-la da inventariança. O tribunal do estado, no entanto, apesar de reconhecer o caráter restritivo do pacto antenupcial, manteve a viúva na função de inventariante.

Ao julgar o caso, o STJ atendeu ao pedido da herdeira para remover a viúva de seu pai do processo de inventário. A decisão também afastou a aplicação da Súmula 377 do STF, que permite a divisão dos bens adquiridos durante o casamento no regime da separação obrigatória. Para a Quarta Turma, o pacto com cláusulas mais restritivas é considerado válido, tanto para casamentos quanto para uniões estáveis.

‘‘Em se tratando de união estável sob a regência do regime da separação obrigatória com pacto de não comunhão de bens, não há falar em meação de bens, tampouco em sucessão da companheira, nos termos do artigo 1.829, inciso I, do Código Civil’’, expressou, no REsp 1.922.347, o ministro Luis Felipe Salomão

Regime de separação total não interfere no direito sucessório

Nas sucessões em que não há descendentes ou ascendentes – na hipótese do artigo 1.829, inciso III, do Código Civil –, a Terceira Turma entendeu que o regime de separação total de bens fixado no pacto antenupcial não impede o cônjuge sobrevivente de ser considerado herdeiro necessário.

Na origem do caso julgado no REsp 1.294.404, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,  um casal firmou pacto antenupcial com regime de separação total, exigência prevista no Código Civil de 1916, vigente na época do casamento. Quando a esposa faleceu, sem deixar filhos, ela beneficiou, em testamento público, a irmã e os sobrinhos com a parte disponível de seus bens.

Aberto o inventário, o viúvo teve seu pedido de habilitação negado pelo juiz de primeira instância. A decisão foi reformada pelo tribunal estadual, para o qual ele deveria ser considerado herdeiro necessário da falecida, independentemente do regime de bens estabelecido no casamento, conforme o artigo 1.829 do Código Civil.

Ao negar o recurso que pedia o afastamento do viúvo da condição de herdeiro necessário, o ministro Cueva esclareceu que o pacto antenupcial que estabelece o regime de separação total somente pode dispor sobre a incomunicabilidade de bens durante o casamento, não podendo invadir a seara do direito sucessório.

Segundo explicou o ministro, essa incomunicabilidade não produz efeitos após a morte, uma vez que não existe no ordenamento jurídico brasileiro previsão de ultratividade do regime patrimonial, apta a lhe emprestar eficácia póstuma.

‘‘A opção dos cônjuges pelo regime de separação de bens pode se dar pelos mais diversos motivos, entre os quais uma maior facilidade na administração do patrimônio de cada um ou prevenir a sua eventual redução em caso de divórcio, não cabendo projetar a ausência de meação na seara sucessória. Não se pode presumir que o pacto antenupcial nesse sentido seja fruto do desejo dos nubentes em perpetuar a intransmissibilidade entre seus patrimônios”, concluiu Villas Bôas Cueva. Reportagem especial da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1608590

REsp 1706812

AREsp 2064895

REsp 1483863

REsp 1590811

REsp 1922347

REsp 1294404

AÇÃO DECLARATÓRIA
Reconhecimento da decadência do direito não prejudica julgamento da impugnação ao valor da causa

​Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o reconhecimento da decadência do direito reclamado na ação não impede que o juízo, de ofício ou mediante provocação, faça a adequação do valor da causa apontado pela parte autora na petição inicial.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que julgou prejudicada a análise da impugnação ao valor de uma ação declaratória de nulidade de negócio jurídico em razão do reconhecimento da decadência.

No caso dos autos, os réus apresentaram contestação e, em preliminar, impugnaram o valor de R$ 100 mil atribuído à causa, pedindo a fixação do montante de quase R$ 4 milhões. Em primeiro grau, o juízo acolheu a impugnação e, reconhecendo a decadência do direito dos autores, julgou extinto o processo com resolução de mérito, condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 30 mil.

A sentença foi reformada pelo TJMT, que manteve o valor da causa em R$ 100 mil e readequou os honorários para 20% sobre a causa, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC). No entendimento da corte estadual, com o acolhimento da prejudicial de mérito, não seria possível falar em alteração do valor da causa.

Valor da causa tem reflexos em questões como honorários e competência do juízo

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator no STJ, explicou que a impugnação ao valor da causa é questão processual que envolve a adequação do montante financeiro atribuído à demanda, com reflexos na fixação dos honorários, nas custas judiciais e na determinação da competência do juízo.

Por outro lado – apontou –, a decadência diz respeito à perda do direito potestativo pela falta de seu exercício no prazo previsto pela legislação. ‘‘É matéria de mérito, que demanda análise mais aprofundada dos fatos e do direito aplicável ao caso, devendo ser apreciada em momento subsequente ao das questões processuais preliminares’’, completou.

Segundo o ministro, mesmo que a parte ré seja vitoriosa na ação, com o reconhecimento da decadência do direito pleiteado pelo autor, ainda persiste o seu interesse na adequação do valor da causa, tendo em vista que essa modificação pode influenciar diretamente na quantia a ser recebida pelo seu advogado.

‘‘Logo, o TJMT, ao reformar a sentença e julgar prejudicada a análise da impugnação ao valor da causa, em razão do reconhecimento da decadência, negou vigência ao disposto nos artigos 292, parágrafo 3º, 293 e 337, III e parágrafo 5º, do CPC’’, concluiu.

Com o provimento do recurso, o relator determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem para exame do valor atribuído à causa. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1857194

AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Limite de 1% para rótulo informar sobre presença de transgênicos é legal

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, pela legalidade do Decreto 4.680/2003, que estabelece o limite de 1% para que os fabricantes de produtos alimentícios comercializados no Brasil sejam obrigados a informar, nos rótulos, a presença de organismos geneticamente modificados (OGMs).

O Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) ajuizaram ação civil pública contra a União para questionar a legalidade do Decreto 3.871/2001, que disciplinava a rotulagem dos alimentos que continham produtos transgênicos em até 4% da sua composição. No curso do processo, o decreto original foi substituído pelo Decreto 4.680/2003, o qual reduziu de 4% para 1% o limite que torna obrigatória a informação ao consumidor sobre a presença de OGMs.

A ação foi julgada procedente em primeira instância, decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O tribunal entendeu que o consumidor tem direito à informação, que deve ser incluída nos rótulos em todos os casos, independentemente de quantidades.

Ministro Francisco Falcão foi o relator
Foto Luiz Antônio/STJ

A União e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) interpuseram recursos especiais no STJ, sustentando que o decreto obedece às disposições legais sobre os limites de tolerância e que quantidades abaixo de 1% de OGM dispensam a informação.

Limite de 1% concilia desenvolvimento e segurança do consumidor

O relator dos recursos, ministro Francisco Falcão, comentou que as preocupações com o uso dos transgênicos na indústria alimentícia eram compreensíveis há mais de 20 anos, mas ‘‘hoje já se sabe que os alimentos 100% transgênicos não representam risco à saúde, muito menos em proporções ínfimas, como abaixo de 1%’’.

O ministro considerou que a decisão do tribunal de origem ultrapassou os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, contrariando o ordenamento jurídico vigente. Ele argumentou que o limite de 1% para rotulagem é suficiente para conciliar os interesses de desenvolvimento econômico e tecnológico com a segurança do consumidor, sem comprometer a saúde pública.

‘‘Exigir de toda a indústria que submeta todos os produtos a rigorosos testes, de alto custo, para garantir a informação específica de qualquer resquício de OGMs, em toda a cadeia produtiva, é providência exagerada, assaz desproporcional’’, afirmou.

Para Falcão, a medida afrontaria a razoabilidade e a proporcionalidade, e impediria a convivência harmoniosa dos interesses dos participantes do mercado. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1788075

BOA-FÉ DO COMPRADOR
TRF-4 anula multa de empresa que comprou suprimentos de informática com suspeitas de descaminho

Sede do TRF-4 em Porto Alegre
Foto: Diego Beck/ACS/TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A jurisprudência superior diz, no efeito prático, que a empresa que adquire mercadoria estrangeira, internalizada no mercado por importador idôneo, não está legalmente obrigada a comprovar a regularidade na importação. Logo, não pode ser punida se ocorreu alguma irregularidade ou fraude nesta operação.

Nessa linha de entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidiu negar apelação da União (Fazenda Nacional), inconformada com a sentença que livrou uma empresa de informática de pagar multa no valor R$ 175,9 mil pela compra de suprimentos com indícios de fraude na importação, como alude o artigo 704 do Decreto 6.759/2009. A decisão se deu por maioria.

Aquisições de boa-fé

A empresa, com sede em Santa Maria (RS), ajuizou ação anulatória na 3ª Vara Federal de Santa Maria para desconstituir o auto de infração que lastreou a multa.

De relevante, a autora disse que adquiriu as mercadorias e insumos de boa-fé, por meio de três empresas estabelecidas no território nacional, com nota fiscal do mercado interno, desconhecendo a origem irregular das importações.

Sustentou a ilegalidade da autuação e da multa imputada sob argumento de culpa in vigilando – falta de atenção com o procedimento de outrem, cujo ato ilícito a empresa responsável deve arcar.

Empresas ‘‘noteiras’’ inativas

O juiz federal Rafael Tadeu Rocha da Silva julgou procedente a ação anulatória, por não vislumbrar qualquer ato concreto que revelasse conduta culposa ou dolosa, da parte autora a ação, na compra de produtos das três empresas fornecedoras, denominadas de ‘‘noteiras’’ pelo fisco federal.

Segundo o julgador, a inatividade das empresas ‘‘noteiras’’ é, de fato, anterior à data de emissão das notas fiscais de aquisição das mercadorias pela autora, embora ainda mantivessem o status de ‘‘aptas’’. Entretanto, não é razoável exigir que a empresa adquirente consulte a situação fiscal (atividade/inatividade) de cada fornecedor de produtos e serviços com quem negocia.

Apresentação de notas fiscais idôneas

‘‘É que, além de não se ter certeza acerca da facilidade/dificuldade ou celeridade da pesquisa, tal exigência da fiscalização poderá prejudicar e até mesmo inviabilizar a atividade econômica da empresa, que necessita também de rapidez em suas negociações’’, justificou na sentença.

No TRF-4, segundo grau da Justiça Federal da 4ª Região, o entendimento majoritário também não se afastou desta linha.

‘‘Tendo sido apresentadas notas fiscais idôneas à individualização das mercadorias apreendidas, e ausentes provas em sentido contrário por parte da Fiscalização, deve ser reconhecida a condição de adquirente de boa-fé da parte autora, não sendo suficiente para obstar tal reconhecimento eventual irregularidade por parte do importador’’, resumiu, no voto, a desembargadora-relatora Luciane Amaral Corrêa Münch, que negou provimento à apelação do fisco.

Voto divergente

O desembargador Marcelo De Nardi, que apresentou voto divergente e restou vencido neste julgamento, entendeu que a sentença deveria ser reformada, por vislumbrar indícios de ‘‘descaminho’’ – infração penal que consiste no não pagamento de tributos, taxas e contribuições legais exigidas para a entrada, saída ou consumo de mercadorias.

Para De Nardi, como a autora da ação é empresa especializada na venda de computadores e acessórios, incluindo telefones celulares, deveria diligenciar melhor a aquisição de suprimentos. Afinal, este mercado, notoriamente, segundo o magistrado, é caracterizado por descaminho, o que a obrigaria a maiores cautelas no agir comercial e compatibilidade com as exigências fiscais e aduaneiras.

‘‘Neste caso, a situação irregular das fornecedoras da apelante era pública e lhe era exigível a diligência quanto à origem dos produtos adquiridos, no contexto de atividade comercial caracterizada por grande número de fraudes de importação. Deve ser julgada procedente a apelação, invertidos os ônus da sucumbência’’, cravou no voto minoritário.

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5006796-40.2019.4.04.7102 (Santa Maria-RS)

 

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