DOENÇA INCAPACITANTE
​Aché vai pagar R$ 300 mil e pensão vitalícia à mulher sequelada por testes clínicos em Goiás

Se o participante de um estudo clínico desenvolve doença rara e incapacitante, é dever do patrocinador bancar o seu tratamento de saúde e a indenizá-lo, como sinaliza a Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 9/2015, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Assim, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, confirmou a condenação do Aché Laboratórios Farmacêuticos S. A. a pagar R$ 300 mil de indenização para a participante de uma pesquisa clínica que desenvolveu doença dermatológica rara e incapacitante, além de pensão vitalícia.

A mulher relatou os primeiros sinais da doença dez dias após a segunda rodada de aplicação do medicamento drospirenona + etinilestradiol, uma formulação amplamente utilizada em anticoncepcionais orais. O estudo visava avaliar a biodisponibilidade e a eficácia de um medicamento similar, que seria lançado pelo laboratório.

Diante dos problemas verificados, ela acionou a Justiça para obter o custeio integral dos tratamentos dermatológico, psicológico e psiquiátrico, além de indenizações por danos morais, estéticos e psicológicos.

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) reconheceu o nexo causal entre o uso do medicamento e o surgimento da doença e condenou o laboratório a indenizar a vítima em R$ 300 mil, além de pagar pensão vitalícia de cinco salários mínimos, devido à redução da capacidade de trabalho causada pelas sequelas irreversíveis.

Ao STJ, o laboratório alegou que o TJGO inverteu indevidamente o ônus da prova, exigindo a produção de uma prova negativa, o que seria impossível. Além disso, argumentou que os valores da condenação deveriam ser reduzidos, pois a renda da vítima era inferior a um salário mínimo antes da pesquisa, e a manutenção integral da decisão do TJGO representaria enriquecimento ilícito, contrariando a própria jurisprudência do STJ.

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/STJ

Pesquisas com seres humanos devem garantir condições de tratamento

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a fragilidade da perícia realizada impediu a confirmação, com grau de certeza, do nexo causal entre a administração do medicamento e o desenvolvimento da doença. No entanto, a ministra enfatizou que o TJGO, ao considerar outros elementos que endossavam as alegações da vítima, atribuiu ao laboratório o risco pelo insucesso da perícia, determinando que arcasse com as consequências de não ter demonstrado a inexistência do nexo causal – prova que lhe seria favorável, conforme a dimensão objetiva do ônus da prova.

Além disso, a ministra destacou que a RDC 9/2015 da Anvisa, em seu artigo 12, estabelece que o patrocinador é responsável por todas as despesas necessárias para solucionar os eventos adversos decorrentes do estudo clínico, como exames, tratamentos e internações.

Nancy Andrighi também apontou que a Resolução 466/2012 do CNS exige que as pesquisas com seres humanos, em qualquer área do conhecimento, garantam acompanhamento, tratamento, assistência integral e orientação aos participantes, inclusive nas pesquisas de rastreamento.

Segundo ela, a Resolução ‘‘responsabiliza o pesquisador, o patrocinador e as instituições e/ou organizações envolvidas nas diferentes fases da pesquisa pela assistência integral aos participantes, no que se refere às complicações e aos danos decorrentes, prevendo, inclusive, o direito à indenização’’.

Reconhecida a incapacidade permanente, é devida a pensão vitalícia

Por fim, a relatora destacou que o pensionamento mensal de cinco salários mínimos não configura enriquecimento sem causa, uma vez que, ao determiná-lo, o TJGO levou em consideração não apenas a subsistência da autora, mas também o valor necessário para cobrir os tratamentos médicos exigidos pelo seu quadro.

‘‘Reconhecida a incapacidade permanente da autora, é devido o arbitramento de pensão vitalícia em seu favor, segundo a orientação jurisprudencial do STJ, não havendo, pois, o limitador da expectativa de vida’’, concluiu ao negar provimento ao recurso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2145132

SÃO PAULO
Lei que pune empresas que usam produto de trabalho escravo é constitucional, decide STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nesta quarta-feira (94), a constitucionalidade de uma lei do Estado de São Paulo que prevê a possibilidade de cancelamento do cadastro de ICMS de empresas que comercializem produtos oriundos de trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão. A decisão foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5465.

Por 10 votos a 1, o Plenário, seguindo o relator, ministro Nunes Marques, considerou válidas as sanções da Lei 14.946/2013, por serem administrativas, não criminais.

Sanções

Além do cancelamento do cadastro, a norma também permite a imposição de sanção que proíbe a empresa e seus sócios de atuarem no mesmo ramo de atividade por até dez anos, inclusive por meio da abertura de nova empresa.

Na ADI 5465, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) argumentava que a norma violaria a separação dos poderes ao dar a um órgão estadual a função, exclusiva da União, de fiscalizar e punir crimes relacionados às condições de trabalho.

Processo administrativo

Para o STF, a lei paulista não quebra a separação dos poderes, já que a investigação e o reconhecimento do trabalho escravo continuam sendo responsabilidade dos órgãos federais.

Contudo, a aplicação da sanção relativa ao cadastro do ICMS depende da comprovação, em processo administrativo que assegure o contraditório e a ampla defesa, de que a empresa tinha conhecimento, ou ao menos indícios suficientes para suspeitar, da utilização de trabalho escravo na cadeia produtiva das mercadorias. Para que a penalidade de proibição de atuar no mesmo ramo seja aplicada, é necessário demonstrar a possibilidade de identificar a prática irregular na origem dos produtos comercializados.

Julgamento

O caso começou a ser julgado no mês passado, mas foi interrompido após o ministro Gilmar Mendes solicitar mais tempo para analisar a questão. Ele devolveu o processo à pauta do Plenário nesta quarta e, assim como a maioria formada na primeira sessão, votou alinhado com o ministro relator. Com informações de Gustavo Aguiar, da Assessoria de Imprensa do STF.

(ADI) 5465

REPRESÁLIA
TRT-RS condena Banrisul a pagar R$ 30 mil por retaliar bancário que ajuizou ação trabalhista

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Um bancário que sofreu redução salarial por ingressar com ação trabalhista contra o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) – onde ainda trabalha – deve ter o seu salário integralmente restabelecido e ainda ganhar indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil. A decisão é da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul).

O colegiado de segundo grau reconheceu que a mudança de função e a redução salarial configuraram práticas discriminatórias e abusivas que feriram direitos de personalidade protegidos pelo artigo 5º da Constituição – a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do trabalhador.

O que diz o trabalhador

O bancário, com 32 anos de serviço, afirma ter sido alvo de represálias após ajuizar uma ação trabalhista contra o banco onde trabalha. No dia seguinte ao ingresso do processo, relata que foi colocado à disposição, sem função ou instruções, por três meses.

Além disso, o reclamante diz que recebeu advertência por suposto baixo desempenho e acabou descomissionado, perdendo funções de confiança e benefícios, como comissão fixa e abono. Resultado: teve redução salarial de 34%. O trabalhador pediu o restabelecimento das comissões e indenização por danos morais.

O que diz o banco

O banco sustenta que o descomissionamento foi uma decisão administrativa legítima, que ocorreu devido a erros operacionais e problemas de conduta do bancário. A instituição alega que a função de confiança não gera estabilidade e pode ser alterada conforme as necessidades da empresa.

Além disso, a parte reclamada negou que o descomissionamento tenha sido uma retaliação, afirmando que soube da ação trabalhista apenas após o ocorrido. O banco também argumentou que a perda das comissões não configura redução salarial ilícita, se opondo ao pedido de danos morais.

Sentença

A juíza do trabalho Simone Moreira Oliveira Paese, da 19ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, condenou o Banrisul a restabelecer o salário integral do bancário.

A sentença considerou que a retirada da gratificação de função foi uma tentativa indevida de reduzir o salário, contrariando decisão judicial anterior. Já o pedido de indenização por danos morais foi negado.

Acórdão

As partes ingressaram com recursos no TRT-RS. A 8ª Turma manteve a decisão de primeiro grau no que se refere ao restabelecimento do salário integral. O relator, desembargador Luiz Alberto de Vargas, considerou o descomissionamento uma prática discriminatória e retaliação à ação trabalhista.

A alegação de erros operacionais não foi suficiente para justificar a medida, e o colegiado reafirmou que a perda da comissão fixa e do Adicional de Dedicação Integral (ADI) representou redução salarial ilícita. Quanto à indenização por danos morais, os magistrados reformaram a sentença, determinando o pagamento de R$ 30 mil, destacando o tratamento abusivo e discriminatório imposto ao bancário.

‘‘Assim, tem-se que a Reclamada excedeu o seu direito potestativo, bem assim o limite da conduta que se espera de uma empresa, violando os direitos de personalidade do Reclamante. Restou evidenciado que os métodos gerenciais da Ré não se coadunam com o princípio fundamental, consagrado na Constituição, de respeito à dignidade da pessoa humana. A relação de subordinação que se estabelece pelo contrato de trabalho não autoriza o empregador a tratar de forma humilhante ou retaliar o empregado, o que expôs o Autor a situações de constrangimento, causando sofrimento psíquico, fazendo jus, dessa forma, à indenização pleiteada’’, escreveu no acórdão.

Também participaram do julgamento o desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso e o juiz convocado Frederico Russomano.

Da decisão, ainda cabe recurso de revista (RR) ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações de Eduardo Matos, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-4

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ATOrd 0020707-27.2022.5.04.0019 (Porto Alegre)

SUPERENDIVIDAMENTO
É do devedor, não do banco, a obrigação de apresentar proposta de acordo de repactuação de dívida

O credor que comparece à audiência de repactuação para negociar o superendividamento do cliente, mesmo que não proponha acordo, não está sujeito às sanções previstas no artigo 104-A, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), apesar de a audiência pré-processual ser regida pelos princípios da cooperação e da solidariedade, a obrigação de apresentação de proposta é do devedor.

Com esse entendimento, a turma, por maioria de votos, deu provimento ao recurso especial (REsp) do Paraná Banco S. A., que compareceu ao ato de conciliação, mas não ofereceu uma proposta concreta de repactuação da dívida.

Nas instâncias ordinárias, a instituição financeira sofreu as penalidades previstas no CDC para as hipóteses de ausência injustificada dos credores à audiência. Ainda no juízo de primeiro grau, foi determinada, entre outras medidas, a suspensão da exigibilidade do débito, a interrupção dos encargos de mora e a sujeição compulsória do credor ao plano de pagamento da dívida.

Ao manter a decisão, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou que a negativa de proposta de acordo equivaleria ao não comparecimento à audiência. No REsp, o banco alegou que a sua presença no ato é suficiente para afastar as penalidades previstas no CDC, independentemente da apresentação ou não da proposta de repactuação de dívida.

Proposta de plano de pagamento deve partir do consumidor

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do processo na Terceira Turma do STJ, lembrou que as disposições legais sobre a superação do superendividamento estão baseadas na manutenção do mínimo existencial e nos princípios da dignidade da pessoa humana, da cooperação e da solidariedade. No âmbito processual, apontou, isso se reflete na ênfase dada aos modelos autocompositivos de solução de litígios.

Ainda que esses princípios também orientem a fase pré-processual, prosseguiu o magistrado, é o consumidor que tem o ônus da iniciativa conciliatória, devendo apresentar a proposta de plano de pagamento. Segundo o relator, a consequência para a falta de acordo é a submissão – a depender de iniciativa do consumidor – do negócio não alcançado pelo acordo à fase judicial, na qual haverá a revisão do contrato e a repactuação compulsória do débito.

‘‘Como é ônus do devedor a apresentação de proposta conciliatória, ela não pode ser exigida dos credores e, como a consequência da falta de acordo é a eventual submissão do contrato à revisão e à repactuação compulsórias, não há respaldo legal para a aplicação analógica das penalidades do art. 104-A, parágrafo 2º, do CDC’’, destacou Villas Bôas Cueva.

Sanções previstas no CDC podem ser aplicadas na fase judicial

Em uma eventual fase judicial, o ministro explicou que é possível a adoção – inclusive de ofício e em caráter exclusivamente cautelar – das medidas previstas no artigo 104-A, parágrafo 2º, do CDC, como a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, ao menos até a definição quanto à revisão e à integração dos contratos e à repactuação das dívidas.

‘‘No caso, a aplicação das consequências do artigo 104-A, parágrafo 2º, do CDC, ao credor que compareceu à audiência com advogado com plenos poderes para transigir, apenas por não ter apresentado proposta de acordo, sem serem identificados motivos de ordem cautelar, não tem amparo normativo e deve, assim, ser afastada’’, concluiu o relator ao dar provimento ao recurso do banco. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2191259

CARGO DE CONFIANÇA
TRT-RS nega pagamento de horas extras para gerente regional de vendas que não era fiscalizada

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Os detentores de cargo de confiança numa organização empresarial, como gerentes e diretores, não estão submetidos ao controle de jornada de trabalho, tal como sinaliza o artigo 62, inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Logo, não têm direito ao recebimento de horas extras.

Firme neste entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) manteve sentença que negou o pagamento de horas extraordinárias a uma ex-gerentes comercial da Profarma Speciality S. A. (hoje, CM Hospitalar S. A.) na Região Sul.

A reclamante – cujo contrato perdurou de junho de 2016 a setembro de 2020 – também queria receber horas trabalhadas nos domingos e feriados, assim como indenização por não ter usufruído de intervalos inter e intrajornada e os previstos no artigo 384 da CLT. Este último artigo, revogado pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), estabelecia um intervalo mínimo de 15 minutos para as mulheres que realizassem horas extras.

Na origem, o juiz do trabalho José Carlos Dal Ri, da 5ª Vara do Trabalho de Canoas (região metropolitana), observou que a reclamante agia como representante do empregador, tendo de lidar com vendedores subordinados, viajar a trabalho, negociar com clientes, dentre outras atribuições. Ou seja, ela tinha poderes para negociar, para sugerir admissão e demissão de vendedores, para conceder férias e até para aplicar penalidades administrativas.

Nesse quadro de liberdade de gestão, o julgador ressaltou que a reclamante não se sujeitava a qualquer fiscalização de horário de trabalho. Noutras palavras: ela tinha liberdade para gerir o seu trabalho e a sua jornada com autonomia, inclusive, ausentando-se da empresa reclamada em Curitiba. Por consequência, presumiu que ela podia definir seus horários de intervalo.

‘‘Ainda, cabe apontar que a função de gestão é condizente com a remuneração percebida pela reclamante, que na maioria dos meses era superior a R$ 30.000,00, chegando a R$ 213.328,18 (dezembro de 2018)’’, reforçou na sentença.

No segundo grau, a percepção dos julgadores da 6ª Turma do TRT-4 foi a mesma: como gestora, ela tinha liberdade para gerir as suas atribuições, sem nenhuma fiscalização de carga horária, e ainda recebia um salário diferenciado.

‘‘A prova oral revela que a reclamante estava subordinada apenas ao gerente nacional, que possuía cartão corporativo, que poderia ao menos indicar empregados para promoções ou desligamentos, sendo responsável pela fiscalização e acompanhamento do trabalho em sua área de atuação que, no caso, abrangia Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, bem como não estava sujeita a nenhuma espécie de controle de jornada, nem mesmo quando ficava na sede em Curitiba’’, definiu a desembargadora-relatora Beatriz Renck.

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ATOrd 0021105-32.2021.5.04.0205 (Canoas-RS)

 

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