PEDIDO DO CESSIONÁRIO
Administradora de consórcio não é obrigada a registrar cessão de crédito de cota cancelada

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a administradora de consórcio não é obrigada a efetuar o registro, em seus assentamentos, a pedido do cessionário, da cessão de direitos creditórios inerentes a uma cota de consórcio cancelada.

Segundo o processo, uma empresa adquiriu, por meio de instrumento particular, os direitos de crédito relativos a uma cota de consórcio cancelada. Na sequência, ajuizou ação contra a Sicoob Administradora de Consórcios Ltda., para que esta fosse obrigada a anotar, em seu sistema, que ela – a empresa adquirente – havia se tornado cessionária do crédito. Consequentemente, a administradora deveria se abster de pagar o crédito cedido ao consorciado cedente, ‘‘sob pena de ter que pagar de novo’’.

O juízo de primeiro grau negou os pedidos, por entender que a cessão de cota de consórcio deve observar o disposto no artigo 13 da Lei 11.795/2008. Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e condenou a administradora a anotar em seu sistema a cessão realizada.

No recurso ao STJ, a Sicoob sustentou que, para haver uma transferência de cotas, a sua anuência prévia seria indispensável, mas essa regra não foi observada no caso.

Regulamento do consórcio tem regra para transferência

Segundo o relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a jurisprudência do STJ entende que a eficácia de uma cessão de crédito está condicionada apenas à notificação do devedor, como disposto no artigo 290 do Código Civil (CC).

Apesar disso, o ministro ressaltou que não se pode desconsiderar o artigo 286 do mesmo Código, que dispõe que o credor pode ceder o seu crédito, desde que isso não contrarie a convenção firmada com o devedor.

O relator observou, no entanto, que esse não seria o aspecto mais importante para a solução da controvérsia, tendo em vista que, na demanda, não foram questionadas propriamente a validade e a eficácia da cessão de crédito, mas apenas o dever de anotação e registro do negócio jurídico celebrado pelo consorciado com um terceiro, e a pedido deste, nos assentamentos cadastrais da administradora de consórcio.

Não há lei que obrigue o registro

Villas Bôas Cueva destacou que ‘‘não há, nem na Lei 11.795/2008 nem nas normas editadas pelo órgão regulador e fiscalizador (Resolução BCB 285/2023), nenhuma disposição obrigando a administradora de consórcio a efetuar o registro da cessão de direitos creditórios, a pedido do cessionário, com o qual aquela não mantém nenhum vínculo obrigacional’’.

Ele enfatizou que, mesmo sendo válida a cessão de crédito – questão que não estava em julgamento –, não se poderia criar a obrigatoriedade de anotação e registro do negócio jurídico, como pretendido pela autora da ação.

‘‘Deve o cessionário assumir os riscos de sua atividade, não podendo impor à administradora de consórcios obrigações que ela só tem para com o próprio consorciado’’, concluiu o relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2183131

PEJOTIZAÇÃO
STF vai decidir se contrato civil de trabalhador autônomo para prestação de serviços é lícito

Foto: Antônio Augusto/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar se é lícita a contratação civil de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para prestação de serviços. O tema é objeto do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual da Corte (Tema 1.389).

O Tribunal também vai decidir se cabe à Justiça do Trabalho ou à Justiça Comum julgar as causas em que se discute fraude nesse tipo de contrato e se a obrigação de provar a alegada fraude é do autor da reclamação trabalhista ou, em sentido contrário, da empresa contratante.

Vínculo de emprego

O processo de origem é a reclamação trabalhista em que um corretor de seguros requer o reconhecimento do vínculo de emprego com a Prudential do Brasil Seguros de Vida S.A. de 2015 a 2020.  A ação foi julgada improcedente pelo Juízo da 14ª Vara do Trabalho de Curitiba, ao fundamento de que a empresa não havia oferecido a ele uma vaga de emprego, mas um contrato de franquia de corretagem.

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9, Paraná), por sua vez, reconheceu o vínculo. Na sequência, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) acolheu recurso da empresa e declarou a licitude do contrato de franquia, afastando a relação de emprego.

A decisão do TST se baseou na tese fixada pelo Supremo no Tema 725 de Repercussão Geral e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 que reconheceu a licitude da terceirização e das diferentes formas de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas.

No STF, o corretor argumenta que o seu caso é distinto dos precedentes do Supremo, pois ficaram caracterizados os requisitos previstos na CLT, enquanto o tema debatido no STF foi a possibilidade de terceirização.

Controvérsia

Em sua manifestação, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a controvérsia constitucional não se restringe ao caso concreto e tem evidente relevância jurídica, social e econômica. Assim, a solução a ser dada pelo Supremo por meio da decisão com efeito vinculante contribuirá para pacificar a questão em todo o país.

Sem consenso

O ministro observou ainda que não há consenso no Supremo sobre a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute a fraude em contrato civil de prestação de serviços. Em algumas oportunidades, a Corte tem reconhecido a competência da Justiça Comum para analisar esses casos. Assim, é necessário submeter essa questão preliminar à análise do Plenário.

Contrato civil

No que diz respeito ao mérito do recurso, destacou que cabe discutir a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços à luz do entendimento firmado pelo STF na ADPF 324. A seu ver, o julgamento deve abordar ainda a questão do ônus da prova relacionado à alegação de fraude.

Por fim, o ministro ressaltou que a discussão não se limita ao contrato de franquia, mas a todas as modalidades de contratação civil/comercial, como contratos com representantes comerciais, corretores de imóveis, advogados associados, profissionais da saúde, artistas, profissionais de TI, motoboys e entregadores. Com informações de Suélen Pires, da Assessoria de Imprensa do STF.

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ARE 1532603

ANTES DO REGISTRO
Vendedor pode responder por obrigações do imóvel posteriores à posse do comprador

Ao conferir às teses do Tema 886 interpretação compatível com o caráter propter rem da dívida condominial, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a legitimidade passiva concorrente entre vendedor e comprador para responder à ação de cobrança de taxas de condomínio posteriores à imissão do comprador na posse do imóvel, na situação em que o contrato não tenha sido registrado em cartório. A obrigação nasce e se mantém em razão da titularidade de um direito real sobre a coisa – no caso, o imóvel.

No caso em julgamento, o Condomínio do Núcleo Habitacional Eucaliptos – Condomínio XV, localizado no bairro Boqueirão, em Curitiba, ajuizou a ação contra um casal para cobrar quotas vencidas entre novembro de 1987 e abril de 1996. O imóvel era de propriedade da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), que, em 1985, prometeu vendê-lo ao casal.

A ação foi julgada procedente, mas, após a frustração das primeiras tentativas de execução da sentença, o condomínio requereu a penhora do imóvel gerador das despesas, de propriedade da Cohab, que não participou do processo na fase de conhecimento. A empresa, por sua vez, ingressou com embargos de terceiros para levantar a penhora, mas o pedido foi negado.

Ao STJ, a companhia requereu o reconhecimento da responsabilidade exclusiva do comprador pelo débito condominial e o reconhecimento da sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da execução.

Ministra iIsabel Gallotti foi a relatora
Foto: Lucas Pricken/STJ

Teses do Tema 886 devem ser interpretadas com cautela

A relatora do recurso no STJ, ministra Isabel Gallotti, lembrou que a questão da legitimidade para responder à ação de cobrança de quotas condominiais, nos casos em que o proprietário (promitente vendedor) cedeu a posse do imóvel ao promissário comprador e este não pagou os encargos devidos ao condomínio, já foi objeto de muitos julgamentos nas duas turmas de direito privado do STJ e na Segunda Seção, sob o rito do recurso repetitivo (Tema 886).

Nesse repetitivo, foram fixadas três teses sobre o assunto, uma das quais estabeleceu que, sendo provado que o condomínio sabia da transação, ‘‘afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador’’.

Contudo, a ministra ponderou que há certa divergência entre as turmas do STJ, refletida também nos julgamentos de segunda instância, que ora aplicam literalmente as teses fixadas no Tema 886, ora seguem o entendimento do ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido) no REsp 1.442.840, no sentido de que tais teses devem ser interpretadas com cautela, à luz da teoria da dualidade do vínculo obrigacional.

Segundo a relatora, isso se deve ao fato de o repetitivo não ter enfrentado a questão pela ótica da natureza propter rem das quotas de condomínio, a qual estabelece entre a dívida e o imóvel gerador das despesas um vínculo que se impõe independentemente da vontade das partes contratantes.

Promessa de compra e venda não vincula condomínio

Examinando o processo, a ministra verificou que houve a imissão na posse pelos compradores, bem como a ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.

Para ela, no entanto, o condomínio – credor de obrigação propter rem – não pode ficar sujeito à livre estipulação contratual de terceiros. ‘‘A obrigação propter rem nasce com a titularidade do direito real, não sendo passível de extinção por ato de vontade das partes eventualmente contratantes, pois a fonte da obrigação é o próprio direito real sobre a coisa’’, disse.

Na sua avaliação, quando ajuizada a ação de cobrança de quotas condominiais, a promessa de compra e venda não pode vincular o condomínio – o que ocorreria se a legitimidade do proprietário ficasse condicionada à ausência de imissão na posse do imóvel pelo comprador e à ausência de ciência inequívoca do condomínio a respeito da transação –, fatores que se prendem ao acordo de compra e venda.

No caso em análise, Gallotti considerou que, embora a empresa proprietária não tenha se beneficiado dos serviços prestados pelo condomínio, ela deve garantir o pagamento da obrigação com o próprio imóvel que gerou a dívida, em razão de ser titular do direito real. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1910280

DANOS MORAIS
Club Med vai pagar R$ 22 mil por usar fotografias após o fim do contrato de cessão

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A utilização de imagens fotográficas após o fim do prazo contratual de cessão de uso, sem autorização do autor da obra nem menção à autoria, viola direitos patrimoniais e morais do fotógrafo, nos termos dos artigos 24 e 29 da Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610/98). Logo, a ofensa dá direito à reparação.

Movido por este fundamento, a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aumentou de R$ 10 mil para R$ 22 mil o valor da reparação moral a ser paga pelo Club Med do Brasil S. A. (resorts e hotelaria de luxo) a um fotógrafo profissional que teve as fotos de sua autoria publicadas durante o primeiro semestre de 2003 – quando já findo o contrato de cessão de uso das imagens.

Para o colegiado, não se trata de mera irregularidade formal, mas de uma infração objetiva ao direito exclusivo do autor sobre a obra, protegida pela legislação autoral brasileira. Além disso, não se discute que a empresa deixou de creditar o nome do fotógrafo ao divulgar as imagens – o que agrava a violação cometida.

‘‘A alegação de que as imagens foram retiradas tão logo o equívoco foi percebido não tem o condão de excluir a ilicitude da conduta, tampouco de impedir a reparação pelo dano causado. A tentativa de acordo frustrada tampouco descaracteriza o ilícito’’, pontuou no acórdão o relator das apelações, desembargador Ademir Modesto de Souza.

Para o relator, a indenização fixada pela 2ª Vara Cível da Comarca de São Paulo (Foro Regional II – Santo Amaro) é baixa, considerando a extensão do dano, o tempo de utilização indevida da obra e o descumprimento reiterado da obrigação de respeitar o prazo contratual.

‘‘Portanto, a majoração da indenização para R$ 22.000,00 atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sendo suficiente para recompor o dano e dar resposta adequada à conduta ilícita, sem implicar enriquecimento sem causa’’, resumiu no acórdão.

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1010019-08.2024.8.26.0002 (São Paulo)

 

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BUROCRACIA ESTATAL
Tribunal suspende vigilância para pequenas empresas de serviços financeiros do sul do Texas e da Califórnia

Esperanza Gomez/Divulgação IJ

Por Andrew Wimer

Um tribunal federal de San Diego (California/EUA) suspendeu temporariamente, em 22 de abril, uma regra de vigilância financeira que ameaçava a pequena empresa de Esperanza Gomez e invadia a privacidade financeira de seus clientes. A ordem abrange todas as empresas financeiras do sul da Califórnia alvo da vigilância.

Esperanza uniu-se ao Instituto para a Justiça (Institute For Justice -IJ) para processar a Rede de Repressão a Crimes Financeiros (FinCEN) por sua ordem que exige que certas empresas em CEPs alvos informem todas as transações em dinheiro acima de US$ 200. A exigência normal de declaração é para transações em dinheiro acima de US$ 10.000.

‘‘Estou feliz e grata pela decisão do juiz’’, disse Esperanza. ‘‘Isso alivia o peso que estávamos sentindo e nos permitirá continuar a trabalhar para nossos clientes e nossa comunidade, mantendo nosso negócio vivo.’’

Para Esperanza, literalmente não há horas suficientes no dia para preencher a papelada recém-exigida pelo governo, já que levaria 30 horas para registrar o número de transações que ela costumava processar diariamente. Ela também está perdendo clientes, que, compreensivelmente, estão relutantes em fornecer informações pessoais.

‘‘A ordem do governo obriga essas empresas a implementarem um sistema de vigilância governamental abrangente e sem precedentes, e as enterra em burocracia durante o processo’’, disse o advogado sênior do Tribunal de Justiça, Rob Johnson. ‘‘Somos gratos por esta medida temporária e continuaremos lutando para torná-la permanente.’’

A ordem de restrição temporária emitida em abril expirará em 20 de maio. Antes disso, Esperanza pedirá ao tribunal uma liminar que impediria o governo de aplicar a ordem de vigilância enquanto o caso avança.

O caso do Texas

Este é o segundo tribunal federal a emitir uma ordem de restrição temporária contra a regra. No Texas, o IJ representa Arnoldo Gonzalez Jr., operador de uma pequena empresa financeira em Laredo, em uma ação judicial já movida pela Associação de Empresas de Serviços Financeiros do Texas. A Associação recebeu uma ordem de restrição temporária, impedindo o governo de aplicar as novas exigências aos seus membros em 11 de abril.

A empresa de Esperanza oferece serviços de saque de cheques, transferências de dinheiro e ordens de pagamento – serviços vitais para a classe trabalhadora, muitos dos quais não possuem conta bancária. Os clientes descontam cheques, enviam dinheiro para familiares e recebem ordens de pagamento para coisas como o aluguel. Os 30 CEPs alvo estão localizados no Texas e na Califórnia – muitos próximos a El Paso e San Diego – e cobrem uma área com uma população de mais de um milhão de pessoas.

A ação judicial argumenta que a ordem viola a proibição de buscas injustificadas prevista na Quarta Emenda. Um dos motivos fundamentais para a criação da emenda foi impedir que o governo obtivesse ‘‘mandados gerais’’ – mandados abrangentes que não comprovassem a existência de causa provável de que um crime estava sendo cometido.

Cópia dos ‘‘mandados gerais britânicos’’

Embora US$ 10.000 seja uma quantia considerável para os clientes de Esperanza e Arnoldo – a empresa de Esperanza, por exemplo, nunca teve uma transação tão grande –, reduzir o limite para US$ 200 significa que quase todas as transações gerarão um relatório. Os relatórios exigem informações detalhadas, incluindo datas de nascimento, números de Seguro Social e endereços residenciais.

O governo afirma que o objetivo desses relatórios é monitorar essas empresas: ‘‘queremos um panorama completo do que elas estão fazendo e de quem as utiliza’’. Mas o governo não tem nenhum motivo para suspeitar que Esperanza, Arnoldo ou qualquer um de seus clientes tenha feito algo errado. Esse tipo de vigilância generalizada é semelhante aos ‘‘mandados gerais’’ britânicos que levaram os Pais Fundadores a adotar a Quarta Emenda.

Essa exigência de vigilância também ameaça levar Esperanza e Arnoldo à falência. Com mais de 20 minutos para registrar um único boletim de ocorrência, Esperanza e Arnoldo enfrentam horas de burocracia extra todos os dias. Além disso, mesmo supondo que os criminosos estejam lavando dinheiro em parcelas de US$ 200, eles podem facilmente levar o dinheiro para outro CEP. Esperanza e Arnoldo não conseguem transferir seus negócios.

IJ defende as liberdades civis

Institute for Justice (IJ) é um escritório de advocacia de interesse público, sem fins lucrativos, que defende a Primeira Emenda nos EUA. Trata-se de um artigo que estabelece a liberdade de expressão, de imprensa, de religião e de reunião pacífica. A emenda também garante o direito de pedir reparação ao governo.

IJ representa pessoas comuns, gratuitamente, quando o governo viola os seus direitos constitucionais mais importantes.

‘‘Nós nos concentramos nas áreas do Direito que fornecem a base para uma sociedade livre e vencemos quase três em cada quatro casos que abrimos, apesar dos desafios inerentes ao litígio contra o governo’’, esclarece o site do IJ.

Andrew Wimer é diretor de Relações com a Mídia do Institute for Justice (IJ)