PROCESSOS FRAUDULENTOS
Juiz pode exigir documentos para coibir litigância abusiva, decide STJ

Ministro Moura Ribeiro foi o autor da tese
Foto: Imprensa/STJ

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.198), fixou a tese segundo a qual, ‘‘constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova’’.

Com a definição da tese, podem voltar a tramitar os processos que estavam suspensos à espera da fixação do precedente qualificado. O entendimento deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

A tese aprovada teve origem no voto do ministro Moura Ribeiro, que, embora não integre a Corte Especial – formada pelos 15 ministros mais antigos do STJ –, participou do julgamento por ser relator do caso que a Segunda Seção, especializada em direito privado, afetou ao órgão julgador máximo do tribunal.

STF e STJ admitem exigência de documentos para comprovar interesse de agir

O ministro afirmou que, em sociedades de massa, é natural o surgimento de demandas e litígios igualmente massificados: ‘‘Essa litigância de massa, conquanto apresente novos desafios ao Poder Judiciário, constitui, inegavelmente, manifestação legítima do direito de ação’’.

No entanto, o relator apontou que, em diversas regiões do país, tem havido uma avalanche de processos infundados, caracterizados pelo uso abusivo da advocacia, sem respaldo no legítimo direito de ação. Segundo ele, tais demandas não apenas dificultam a prestação de uma jurisdição efetiva, mas também geram sérios problemas de política pública, conforme identificado por órgãos de inteligência de vários tribunais.

Nesse contexto, o ministro ressaltou que a possibilidade de o juiz exigir documentos para comprovar o interesse de agir ou a verossimilhança do direito alegado já foi admitida tanto pelo STJ quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em diferentes situações, como ações de prestação de contas ou de exibição de documentos, pedidos de benefícios previdenciários ou de indenização por falhas no credit scoring.

Para coibir o uso fraudulento do processo, Moura Ribeiro defendeu a fixação de um precedente qualificado pelo STJ que autorize o magistrado a exigir do autor da ação a apresentação de documentos como extratos bancários, cópias de contratos, comprovante de residência e procuração atualizada com poderes específicos, sempre considerando as particularidades de cada caso. Por ser definida em recurso repetitivo, a tese deverá ser aplicada em todos os processos semelhantes.

Risco de excessos não justifica interdição do poder-dever do magistrado

O ministro também enfatizou que uma procuração concedida para determinada causa, em regra, não se estende automaticamente a outras ações distintas e desvinculadas, uma vez que, conforme o artigo 682, IV, do Código Civil, o mandato se extingue após a execução do negócio para o qual foi concedido. Assim, se o advogado apresentar uma procuração muito antiga, permitindo desconfiar que não exista mais relação atual com o cliente, ‘‘é lícito ao juiz determinar que a situação seja esclarecida, com juntada de um eventual novo instrumento’’, disse o relator.

Moura Ribeiro afirmou que essa cautela está em conformidade com princípios constitucionais, como o acesso à Justiça, a proteção do consumidor e a duração razoável do processo, alinhando-se ainda aos preceitos legais que privilegiam o julgamento do mérito e impõem o dever de cooperação entre as partes para garantir o regular andamento da ação.

Por fim, o ministro reconheceu que o risco de exigências judiciais excessivas, assim como o de decisões equivocadas, é uma realidade inerente ao Sistema de Justiça. No entanto, ele defendeu que esse risco deve ser controlado caso a caso, sem se tornar um obstáculo à adoção de boas práticas na condução judicial do processo.

‘‘O que não se pode admitir é que o mero risco de decisões judiciais excessivas justifique, antecipadamente, a interdição do poder-dever que o magistrado tem de conduzir e presidir o feito, o qual foi reconhecido por lei e está devidamente respaldado por princípios de envergadura constitucional. Eventuais excessos hão de ser controlados, repita-se, de forma pontual em cada caso concreto’’, concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 2021665

ACIDENTE DE CONSUMO
Policial ferido por arma defeituosa tem direito à reparação por ser consumidor por equiparação

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que um policial ferido ao portar arma de fogo com defeito de fabricação deve ser considerado consumidor por equiparação, pois ele é o destinatário final do produto e foi quem sofreu as consequências diretas do defeito.

Para o colegiado, o fato de a arma ter sido comprada pela Polícia Militar de São Paulo é irrelevante para a classificação do policial como consumidor bystander – o que lhe garante a aplicação das regras mais favoráveis do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O policial militar ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a Taurus, fabricante da arma, após ter sido gravemente ferido no fêmur por um disparo acidental, causado por defeito da pistola que levava na cintura.

O juízo de primeiro grau considerou aplicável ao caso o prazo de prescrição do CDC, que é de cinco anos, e não o prazo de três anos previsto no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil (CC). O tribunal estadual, em agravo de instrumento, manteve a decisão por entender que a compra da arma pela Polícia Militar não desvirtua a relação de consumo entre o policial e a fabricante.

Consumidor é também quem apenas utiliza o produto

No recurso dirigido ao STJ, a Taurus sustentou que não é um caso de arma particular, tendo em vista que foi adquirida pelo Estado de São Paulo para a segurança da população. Por isso, pediu que o CDC não fosse aplicado e que se considerasse o prazo de três anos do CC, o que levaria ao reconhecimento da prescrição da ação.

O relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que os artigos 12 e 14 do CDC estabelecem responsabilidade objetiva para o fornecedor, que deverá indenizar sempre que ficar demonstrado o nexo causal entre o defeito e o acidente de consumo.

Segundo ele, o conceito de consumidor não se limita a quem adquire o produto, mas inclui também quem o utiliza, conforme disposto no artigo 2º do CDC, o qual ‘‘visa garantir a segurança e os direitos de todos os usuários, independentemente de quem tenha realizado a compra do bem’’.

Todas as vítimas de acidente de consumo se equiparam a consumidores

O ministro comentou que o artigo 17 do CDC, ao equiparar a consumidor todas as vítimas do acidente de consumo, reforça o caráter protetivo da legislação. ‘‘Essa inclusão garante que todos os afetados por acidentes de consumo possam buscar reparação, ampliando assim a responsabilidade dos fornecedores e promovendo uma maior segurança nas relações de consumo’’, salientou Antonio Carlos Ferreira.

Para o magistrado, a responsabilidade da empresa deve ser analisada observando-se o defeito de fábrica que causou o disparo acidental, pouco importando a natureza jurídica da relação contratual com quem comprou o produto. Segundo enfatizou, é o policial que utiliza a arma e está exposto aos riscos associados a seu funcionamento. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1948463

EMBRIAGUEZ
TRT-MG mantém justa causa por mau comportamento no primeiro dia de trabalho

A Justiça do Trabalho manteve a dispensa por justa causa de um instalador de linhas elétricas acusado de embriaguez e de mau comportamento no alojamento da Telemont Engenharia de Telecomunicações S/A já na noite do primeiro para o segundo dia de trabalho. A decisão é dos julgadores da Décima Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais).

O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Varginha (MG) garantiu ao trabalhador a reversão da dispensa por justa causa em rescisão sem justa causa do contrato de trabalho, já que a questão da embriaguez ‘‘não foi ventilada nos autos’’. Ele determinou à empresa o cumprimento das obrigações de pagar as parcelas devidas, observada a projeção do aviso-prévio.

Porém, a empregadora interpôs recurso ordinário no TRT-MG, pretendendo a reversão da decisão. Ao proferir voto condutor no julgamento de segundo grau, o desembargador relator Ricardo Antônio Mohallem entendeu provada a regularidade da justa causa aplicada.

Segundo o magistrado, o conjunto de provas demonstrou que o trabalhador assinou eletronicamente o contrato de trabalho em 26 de julho de 2023 e participou do primeiro dia de treinamento em 1º de agosto de 2023. ‘‘O supervisor contou que foi chamado no alojamento da empresa na manhã do dia 2/8, quanto constatou a embriaguez do ex-empregado e o consequente prejuízo ao sono dos demais colegas de trabalho’’, escreveu no acórdão que reformou a sentença.

O supervisor informou que levou o trabalhador até a empregadora e à casa da mãe dele, com quem o ex-empregado mora. ‘‘O próprio reclamante confessou alguns desses aspectos. Ele sequer recebeu EPIs, em razão dos acontecimentos’’, ressaltou o magistrado.

O relator destacou na decisão que o juízo sentenciante opôs-se ao enfrentamento da questão relativa à embriaguez, ao fundamento de que ‘‘em momento algum foi ventilada nos autos’’. Entretanto, segundo o julgador, a própria inicial evidenciou que o trabalhador foi dispensado pela empresa já no segundo dia de execução dos treinamentos para a função contratada.

‘‘Ele deixou então o alojamento em que se encontrava e retornou para a cidade natal, na expectativa de que a empresa entrasse em contato para efetuar o pagamento das verbas rescisórias, o que não foi o caso’’, pontuou.

Para o magistrado, é inadmissível que alguém que pleiteia a vaga de instalador de linhas elétricas de alta e baixa tensão sofra reclamações dos colegas de trabalho por embriaguez e mau comportamento no alojamento da empresa já na primeira noite.

‘‘Talvez querendo preservar o profissional e a mãe de eventuais constrangimentos, tenha optado pela dispensa por justa causa do que por abandono de emprego, que, a meu ver, também está comprovado’’, concluiu.

No entendimento do desembargador-relator, a prova produzida é mais que suficiente para manter a dispensa do reclamante por justa causa. Assim, conforme decisão unânime do colegiado, são indevidas as seguintes verbas: saldo de salário, aviso-prévio, férias proporcionais, 13º salário proporcional, FGTS, multa de 40% e multa do artigo 477 da CLT.

Não houve recurso. O processo já foi arquivado definitivamente. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATSum 0010137-52.2024.5.03.0079 (Varginha-MG)

ADI
STF mantém obrigatoriedade do Emissor de Cupom Fiscal para empresas varejistas e prestadoras de serviço

Divulgação RTek

O Supremo Tribunal Federal (STF) validou lei federal que criou a obrigatoriedade do uso do Emissor de Cupom Fiscal (ECF) para empresas varejistas e prestadoras de serviço. A decisão unânime foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3270, proposta pela Confederação Nacional do Comércio (CNC).

O ECF é um dispositivo de automação comercial que emite documentos fiscais e controla os valores de operações de circulação de mercadorias ou prestação de serviços. A exigência está prevista na Lei 9.532/1997 e no Convênio ECF 1/1998 e visa à comprovação de custos e despesas operacionais no âmbito do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Entre outros pontos, a entidade alegava que a medida violaria a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal para instituir imposto sobre as operações de venda ou revenda de bens a varejo por meio do ICMS.

Em seu voto, o relator, ministro Nunes Marques, afastou esses argumentos. Para ele, não há invasão da competência dos Estados, do DF e dos Municípios, pois a Lei criou um dever instrumental para fiscalizar e combater a sonegação de tributos federais. A norma estabelece quais dados os documentos emitidos pelo ECF devem conter, sem fazer referência ao ICMS (imposto estadual) ou ao ISS (imposto municipal).

O relator também assinalou que o equipamento facilitou a fiscalização dos tributos e substituiu meios ultrapassados de emissão de documentos fiscais. Em relação à privacidade, Marques relembrou que o fato de os dados serem sigilosos não significa que não possam ser obtidos pela fiscalização tributária, desde que a medida respeite os limites da Lei e não seja acessível ao público geral.

A ADI 3270 foi julgada na sessão virtual encerrada em 28 de fevereiro. Com informações de Cairo Tondato e Allan Diego Melo, da Assessoria de Imprensa do STF.

ADI 3270

VÍCIO DE COMPETÊNCIA
TRF-4 derruba demissão de defensora pública condenada em PAD por atrasar processos

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

À luz da Lei Complementar 80/1994 e do Regimento Interno da Defensoria Pública da União (DPU), o defensor público-geral pode proferir votos em sindicâncias e processos disciplinares e até aplicar penas de suspensão e de remoção compulsória. Entretanto, as penas de demissão e de cassação de aposentadoria – mais gravosas – devem ser impostas exclusivamente pelo presidente da República, sob pena de usurpação da competência do chefe do Poder Executivo.

Na prevalência deste entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acolheu apelação para fulminar o ato administrativo do defensor público-geral da União que demitiu uma defensora que atua no 1º Ofício da DPU em Rio Grande, no litoral sul gaúcho.

O desembargador federal Victor Luiz dos Santos Laus, voto vencedor nesse julgamento, disse que, em que pese a autonomia institucional da DPU, as prerrogativas constitucionais ou legais do advogado-geral da União e do procurador-geral da República não são automaticamente extensíveis ao defensor público-geral da União.

Para Laus, dado que resta limitada a interpretação extensiva que daria este poder ao defensor público-geral, sobretudo em prejuízo da parte acusada, não é possível interpretar a lei em descompasso com a segurança jurídica.

‘‘A aplicação da penalidade de demissão pelo Defensor Público Geral da União resta eivada de vício de competência, razão pela qual deve ser anulada e, por arrastamento, todos os efeitos decorrentes. Apelação provida’’, cravou no acórdão.

O caso concreto

Andrea Bulcão Terroso ingressou com procedimento comum em face da União, na 6ª Vara Federal de Porto Alegre, com o objetivo de anular o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) 90512.000138/2015-16 que resultou na sua demissão do cargo de defensora pública federal, em ato assinado no dia 31 de outubro de 2017 pelo defensor público-geral federal Carlos Eduardo Barbosa Paz.

Segundo a DPU-RS, em apertadíssima síntese, Andrea teria atuado com ‘‘falta de zelo e presteza’’ em 40% dos Processos de Assistência Jurídica (PAJs) sob sua guarda e responsabilidade entre os anos de 2012, 2013 e 2014.

Dentre outras irregularidades, a DPU apurou que houve retardo injustificado na promoção de ações e medidas judiciais em diversos procedimentos de assistência jurídica, em prejuízo concreto aos assistidos. Tais retardos consistiram em condutas omissivas por parte da defensora, ao deixar de tomar a providência jurídica cabível, procrastinando em meses, e em alguns casos mais de ano, a obtenção de legítimo direito do assistido.

Em suma, a conduta prejudicou severamente o atendimento de ações previdenciárias (auxílio-doença, pensão por morte, aposentadorias, benefício de prestação continuada etc.), de ações cíveis (revisão do FIES, financiamento habitacional, multas do Ibama, regularização migratória, execução fiscal, defesa em ações de cobrança, dentre outras) e de causas criminais.

As irregularidades, que culminaram na demissão da defensora, foram capituladas no artigo 117, inciso XV (desídia), e artigo 132, inciso XIII (cometer atos proibidos previstos nos incisos IX a XVI do artigo 117), da Lei 8.112/1990 (que dispõe sobre o regime dos servidores da União); e o artigo 45, inciso II (falta de zelo), da Lei Complementar 80/1994 (disciplina o funcionamento da DPU).

No primeiro grau, a juíza federal Daniela Cristina de Oliveira Pertile Victoria julgou a ação improcedente, por entender que cabe ao Poder Judiciário somente a apreciação de irregularidades no âmbito desse procedimento, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Ou seja, o Poder Judiciário não pode entrar no mérito administrativo da demissão.

‘‘Assim, no que tange à alegação de que o processo administrativo não contém provas suficientes de que a parte Autora atuou de forma desidiosa, a análise por este Juízo sobre o ato em si esbarra na questão mencionada acerca do mérito administrativo. Com todas essas considerações, a improcedência da demanda é medida que se impõe’’, sintetizou na sentença.

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5063529-03.2017.4.04.7100 (Porto Alegre)

 

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