FUROR ARRECADATÓRIO
Reforma tributária e o Imposto Seletivo: o que esperar dos próximos capítulos

Por Gustavo Vaz Faviero

Diamantino Advogados Associados

De modo geral, o sistema tributário pode ser financiado a partir de quatro fenômenos econômicos: renda, folha de pagamentos, propriedade e consumo. No Brasil, se optou por concentrar a maior parte da arrecadação no consumo, elemento que corresponde a cerca de 41% da carga tributária total.

Pelo desenho federativo do Brasil, os três entes federados (União, estados e municípios) possuem capacidade legislativa para instituir, cobrar e fiscalizar os tributos. Tal cenário gera distorções, principalmente, no que diz respeito à tributação sobre o consumo.

Em linhas gerais, a reforma tributária aprovada buscou ajustar a tributação sobre o consumo, com a unificação do ISSQN, ICMS, IPI, PIS e Cofins em três tributos: CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços — federal), IBS (Imposto sobre Bens e Serviços — estadual/municipal) e o IS (Imposto Seletivo — federal), formando um “IVA à brasileira”.

Dentre os pilares apresentados para a reforma estão a simplicidade, a justiça fiscal (respeito à capacidade contributiva), a manutenção da carga tributária global, a eficiência, a transparência do custo tributário ao consumidor e a proteção ao meio ambiente.

Mas será que as premissas apresentadas se sustentam sob a ótica do Imposto Seletivo (IS)?

Esse imposto tem como objetivo realizar a substituição parcial e/ou complementação do IPI, tributo que foi perdendo relevância na arrecadação geral.

Isso porque apesar de o seu valor monetário ainda ser alto (aproximadamente R$ 59 bilhões em 2022) é apenas o 5º colocado no ranking arrecadatório, ficando atrás, inclusive, do IOF [1].

No campo constitucional, foi alterada a redação do art. 153, dando o contorno constitucional ao IS no seu inciso VIII e § 6º. Pela própria redação do dispositivo constitucional e da exposição de motivos conclui-se que o Imposto Seletivo é uma espécie de “Imposto de Pecado” (“sin tax”).

Diversamente do contorno constitucional do IPI, cuja matriz era a industrialização de mercadorias, no Imposto Seletivo o critério da materialidade visa proteger os direitos difusos da saúde e do meio ambiente.

Dois argumentos são utilizados para legitimar a cobrança do Imposto Seletivo. Primeiro que a carga tributária mais onerosa sobre determinados bens e serviços desestimularia o consumo deles. O segundo é o de que bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente acarretam elevados gastos para as contas públicas. Consequentemente haveria a necessidade destes bens e serviços compensarem os gastos públicos com uma arrecadação maior.

Ocorre que este desenho atual traz diversas inconsistências no sistema.

Primeiro, a definição de qual produto é classificado como prejudicial à saúde ou ao meio ambiente gerará discussões.

Isto porque, apesar de alguns produtos serem mais óbvios, como cigarro e bebidas alcoólicas, a tributação de alimentos/bebidas açucarados/ultraprocessados, veículos automotores, petróleo e seus derivados ou mesmo defensivos agrícolas é um tema mais delicado.

Mesmo a tributação do primeiro grupo é tema de debate. Tomemos bebidas alcoólicas, por exemplo. A tributação deve ser feita indiscriminadamente para toda bebida, ou devemos graduar o imposto conforme o nível de álcool?

Ainda, bebidas que estrategicamente façam parte do comércio local (por exemplo, vinhos e espumantes na região Sul, destilados como a cachaça na região Sudeste) devem receber tratamento especial ante as demais bebidas? Devemos graduar o imposto conforme a procedência, se produzido no Brasil ou se importado?

Essas perguntas são inerentes ao Imposto Seletivo e trazem um ponto adicional. Sempre que se cria um imposto que tem como objetivo a justiça fiscal, se abre mão da simplicidade e da eficiência, elementos centrais que a reforma busca promover.

Outra questão importante é a inerente regressividade dos “sin taxes” (“impostos do pecado”).

Historicamente, a taxação de um bem específico era conveniente ao governo, seja pela facilidade do controle e cobrança, seja pela garantia de arrecadação, uma vez que os bens por ele tributados eram normalmente demanda inelástica, ou seja, a procura não é impactada significativamente pelo preço.

Contudo, com o passar do tempo, a regressividade deste tributo passou a ser levada em consideração. Isso porque os bens e serviços normalmente tributados pelos sin taxes (por exemplo, cigarros, álcool, bebidas açucaradas) são adquiridos indiscriminadamente por toda a população. Assim, o efeito financeiro é mais percebido na população mais carente, que tem menos opções de produtos.

Ainda, apesar de ser um objetivo nobre a tributação de alimentos ou bebidas que não sejam benéficas para a saúde, provavelmente, a camada da população com menos recursos será a mais onerada pelo tributo.

O terceiro problema reside na possibilidade de que o Imposto Seletivo possa acarretar o aumento do contencioso tributário. Pois bem, tributos que tenham como justificativa de existência uma política extrafiscal têm intrinsecamente um grau de rejeição e de planejamento tributário em decorrência da sua complexidade.

O texto constitucional, ao dispor como bens e serviços tributáveis pelo Imposto Seletivo aqueles que geram impacto à saúde e ao meio ambiente, trouxe uma base extremamente abrangente.

Tome-se como exemplo os veículos elétricos. Não se questiona se estes causam impacto ambiental substancialmente menor do que os veículos que usam combustíveis fosseis. Contudo, caso a legislação considere que os pneus sejam prejudiciais ao meio ambiente devido à sua longa degradação natural, faria sentido impor uma tributação adicional com base em sua utilização?

Em outras palavras, a nocividade do produto ou do serviço deve ser avaliada a partir da natureza intrínseca do bem ou de sua aplicação na cadeia produtiva?

Tais indagações permanecem sem resposta no presente momento, mas indicam que o acompanhamento dos contribuintes implicará significativo custo administrativo, para fiscalizar e analisar os litígios decorrentes.

Ainda, se adotarmos novamente a atual classificação do IPI, por meio do código NCM, nos deparamos, novamente, com debates a respeito da correta categorização fiscal do produto (por exemplo, se determinado item se qualifica como bombom ou wafer, ou se determinada bebida constitui suco integral ou refresco). Discussões antigas que continuarão.

O quarto problema é que não há previsão de que o princípio da seletividade deve ser utilizado na dosimetria das alíquotas do Imposto Seletivo.

Diversamente do que ocorre no IPI, não há previsão expressa da aplicabilidade do princípio da essencialidade no cálculo das alíquotas do IS. Assim, o legislador infraconstitucional possui, a princípio, ampla liberdade para o cálculo da carga tributária do imposto.

O quinto problema diz respeito à destinação das receitas. Um dos fundamentos adotados para a instituição do Imposto Seletivo é o de que os bens e serviços por ele onerados trazem malefícios à sociedade que devem ser suportados pelos cofres públicos. Logo, sobre estes produtos e serviços deve haver uma tributação mais alta para compensar as contas públicas.

O problema deste argumento é que a instituição do tributo por meio de imposto ignora totalmente este aspecto, pois os custos com a saúde ou o meio ambiente não são suportados diretamente com a receita deste tipo de imposto.

Isso porque, diferentemente de contribuições, as receitas de impostos não possuem uma destinação específica. Na prática, o dinheiro acaba sendo utilizado no caixa único do governo.

A grande questão que o Imposto Seletivo deixa em aberto é como fazer a adequada tributação dos bens e serviços que seriam (ou não) prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Para essas cenas, teremos que aguardar os próximos capítulos da novela.

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 [1]Em 2022, os principais tributos que mais arrecadaram sobre o consumo foram: 1º – ICMS – R$ 692.000.000.000,00; 2º – COFINS – R$ 271.000.000.000,00; 3º ISSQN – R$ 107.000.000.000,00 bilhões; 4º IOF 58.989.000.000,00; 5º – IPI – R$ 58.944.000.000,00.

Gustavo Vaz Faviero é advogado e coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados (DAA)

GOODWILL
Ágio e empresas-veículo: lacuna legal permanece mesmo com nova decisão do STJ

Por Patrícia Campos Soares

Advogada Patrícia Campos Soares
Reprodução: Linkedin

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão inédita e favorável aos contribuintes nos autos do REsp 2.026.473/SC, permitindo o aproveitamento fiscal do ágio por rentabilidade futura (goodwill) em operações com ágio interno e empresas-veículo; isto é, sociedades usualmente constituídas por um curto período para receber um aporte financeiro e adquirir um investimento, muitas vezes sendo utilizada como sociedade intermediária da operação.

Inobstante o novo precedente, a lacuna legal referente ao uso de empresas-veículo permanece mesmo com o advento da Lei nº 12.973/2014, que trouxe diversas alterações relevantes na legislação tributária, inclusive no que diz respeito aos dispositivos aplicáveis à amortização fiscal do goodwill [1], razão pela qual as discussões sobre a matéria parecem estar longe de se encerrar.

Isso porque as normas anteriores que tratavam do tema não traziam qualquer impeditivo ao aproveitamento fiscal do goodwill nesses casos e, não obstante a Lei nº 12.973/2014 tenha vedado expressamente a dedutibilidade do ágio interno, esta permaneceu silente quanto ao aproveitamento do ágio em operações com interposição de empresas-veículo.

Diante dessa lacuna legal, o Fisco lavrava — e continuará lavrando — inúmeros autos de infração sob o argumento de que as empresas-veículo são constituídas com o único objetivo de reduzir tributos mediante o aproveitamento fiscal do ágio; ou seja, não haveria fundamento econômico que desse respaldo à operação para validar a amortização do goodwill.

Quando essas discussões chegavam ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, as decisões proferidas pelo órgão variavam dependendo do caso concreto, sendo mantidas as autuações nas hipóteses de o Carf entender que não havia ‘‘propósito negocial’’ na operação; isto é, qualquer objetivo na constituição da empresa-veículo além da dedutibilidade do ágio.

Nos últimos cinco anos, diversos precedentes relevantes sobre o assunto foram publicados pelo Carf.  Veja-se alguns exemplos.

Em 19/10/2023, foi proferido o Acórdão nº 1201-006.216 [2], que, por maioria dos votos, julgou procedente o recurso voluntário do contribuinte sob o entendimento de que a legislação então vigente permitiria a aquisição de participações societárias por interposição de empresas-veículo, desde que observados outros requisitos, como a confusão patrimonial, o efetivo desembolso de valores, entre outros — o que teria ocorrido no caso analisado.

De acordo com a referida decisão, ‘‘a opção pela realização de investimentos societários mediante a interposição de empresa veículo necessária ou útil à estratégia de negócios do contribuinte não representa, por si só, infração à lei, com ou sem os reflexos tributários decorrentes da amortização do ágio’’ [g.n.].

Os conselheiros entenderam, ainda, que ‘‘buscar o ágio não é ilícito, salvo nos casos de demonstração de simulação ou outro tipo de patologia intencional que justifique a desconstituição do ato em si’’. [3] [4].

Vale dizer que, na situação analisada, todas as exigências legais para a amortização fiscal do ágio foram observadas pelo contribuinte, razão pela qual a mera utilização de empresa-veículo não teria o condão de afastar a dedutibilidade do goodwill, conforme entendimento do Carf.

Outro exemplo de decisão do Carf sobre a matéria — porém, neste caso, desfavorável ao contribuinte — foi a proferida no Processo nº 11065.722801/2016-67 [5].

Nesta hipótese, as reais adquirentes do investimento se situavam no exterior e adquiriram a participação societária almejada por meio de empresa-veículo que, de acordo com a fiscalização, não possuía quaisquer operações ou mesmo um CNPJ preexistentes, tendo a empresa servido de intermediária tão somente para receber o aporte de recursos advindos de investidores no exterior e adquirir uma eletrônica no Brasil.

O Fisco entendeu se tratar de uma operação simulada em que a empresa-veículo foi constituída com o único objetivo de aproveitar o ágio da operação, sendo que as efetivas adquirentes eram sociedades estrangeiras. O Carf, por sua vez, manteve a autuação do Fisco por entender que não havia propósito negocial na operação [6].

Em que pese haver, de fato, um risco nessa espécie de reorganização societária, parece ser mais apropriado o entendimento de que a utilização de empresa-veículo em uma operação legítima e com fundamento econômico não pode, por si só, ser um impedimento à amortização fiscal do ágio, seja porque não havia — e continua não havendo — quaisquer impedimentos legais nesse sentido, seja porque o ágio integra o custo de aquisição do investimento e o contribuinte deve ter o direito de deduzi-lo, sob pena de violação ao princípio da renda líquida, segundo o qual as regras de tributação do IRPJ e da CSLL devem observar o efetivo acréscimo patrimonial dos contribuintes após as eventuais deduções aplicáveis [7] [8].

Nesse diapasão, são acertadas as decisões no sentido de descaracterizar a autuação do Fisco nos casos em que os requisitos para o aproveitamento fiscal do ágio estão presentes, tais como o efetivo desembolso de valores, o fundamento econômico e a confusão patrimonial, independentemente do emprego de empresa-veículo.

Mesmo porque, do contrário do que costuma alegar o Fisco, existem sim razões comerciais para sua utilização que vão muito além da mera economia tributária — o que, como já explicado, sequer é um ato ilícito, não sendo o planejamento tributário vedado na legislação pátria, mas, sim, as operações que acarretem simulação, fraude ou outra espécie de prejuízo ao erário [9].

Um exemplo de uso de empresa-veículo que possui ‘‘propósito negocial’’ e pode ser benéfico às partes envolvidas na operação é o caso de cisão parcial com posterior aquisição da empresa cindida pelo investidor [10]. Veja-se.

Um investidor pretende adquirir um percentual de participação societária de uma determinada sociedade, mas não possui interesse em ter outros sócios em seu negócio. Os sócios da empresa-alvo, de outro lado, têm a intenção de vender uma parte de sua sociedade e não pretendem compartilhar seu negócio com um terceiro.

Os sócios alienantes, então, realizam uma cisão parcial de sua sociedade, enquanto o investidor cria uma empresa-veículo para adquirir integralmente a empresa cindida, passando a ser o único titular desta na proporção que pretendia em relação à sociedade originária. Após a compra, o adquirente poderá efetuar uma incorporação reversa, extinguindo a empresa-veículo e mantendo a sociedade operacional ativa.

Reorganizações societárias como a do exemplo citado já foram analisadas pelo Carf [11] e, da análise das decisões do órgão, é possível verificar que o risco de manutenção da autuação não está atrelado ao uso de empresas-veículo em si, mas, sim, da ausência de um objetivo em tal estrutura além da redução da carga tributária, apesar de não haver qualquer impedimento legal ao contribuinte de economizar tributos, conforme mencionado.

Como explicado, a oscilação da jurisprudência do Carf tem se repetido há tempos e, embora não tenha havido decisões relacionadas a fatos geradores posteriores ao advento da Lei nº 12.973/2014, considerando que esta não trouxe inovações quanto ao uso da empresa-veículo para fins de amortização fiscal do ágio, a tendência é a de que a jurisprudência administrativa seja mantida; isto é, permitindo o uso de empresas-veículo quando observado algum propósito negocial na operação.

Há, porém, um agravante ao contribuinte que poderá influenciar nas futuras decisões do órgão sobre o tema, qual seja, a retomada do voto de qualidade decorrente da Lei nº 14.689/2023, passando o voto de desempate ser a favor do Governo nas votações do Carf.

No entanto, em que pese a possibilidade de uma mudança de entendimento no Carf sobre a matéria, com a volta do voto de qualidade, há uma luz no fim do túnel que se acende na seara judicial com a recente decisão proferida pelo STJ nos autos do REsp nº 2026473/SC, em 05/09/2023.

Isso porque o STJ validou o entendimento de muitas decisões proferidas pelo Carf e defendido pelos contribuintes de que a mera utilização de empresas-veículo, por si só e diante da ausência de dispositivo legal em contrário, não significa um impedimento ao aproveitamento fiscal do ágio.

De acordo com o Tribunal Superior, ‘‘embora seja justificável a preocupação quanto às organizações societárias exclusivamente artificiais, não é dado à Fazenda, alegando buscar extrair o ‘propósito negocial’ das operações, impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre ‘partes dependentes’ (ágio interno), ou quando o negócio jurídico é materializado via ‘empresa-veículo’; ou seja, não é cabível presumir, de maneira absoluta, que esses tipos de organizações são desprovidos de fundamento material/econômico’’ [g.n.].

Vale destacar que é a primeira vez que um tribunal superior se posiciona sobre o tema, sendo, portanto, um precedente inédito e bastante favorável aos contribuintes.

Ademais, embora a decisão também trate de fatos geradores ocorridos antes da Lei nº 12.973/2014, como explicado, a nova norma não trouxe quaisquer impedimentos à amortização fiscal do ágio em operações com a interposição de empresas-veículo, de maneira que a decisão poderá servir de precedente para fatos geradores ocorridos após a publicação da referida lei.

De fato, a nova decisão do STJ brilha nos olhos dos contribuintes, mas, quando se lida com o Fisco, é preciso sempre se lembrar que nem tudo que reluz é ouro…

Por fim, independente da jurisprudência judicial ou administrativa sobre a matéria, prevalece a lacuna legal que dá ensejo a essa espécie de discussão. Considerando o teor da maioria das decisões proferidas pelo Carf e, agora, pelo STJ, o contribuinte que optar por utilizar empresas-veículos em suas estruturas societárias deve continuar buscando fundamento econômico e razões comerciais que deem à operação algum respaldo para aproveitar fiscalmente o goodwill sem riscos de questionamento pelo Fisco.

[1] Vide art. 20 do Decreto-lei nº 1.598/77 e Lei nº 9.532/1997.
[2] CARF. Recurso Voluntário. Acórdão nº 1201-006.216. Processo nº 10830.722174/2013-31. Data de Sessão: 19/10/2023.
[3] No mesmo sentido: CARF. Recurso Voluntário. Acórdão nº 1302-006.875. Processo nº 16682.720277/2019-89. Data de Sessão: 15/08/2023.
[4] Vide art. 149, VII, do Código Tributário Nacional.
[5] CARF. Recurso Voluntário. Acórdão nº 1401-003.185. Processo nº 11065.722801/2016-67. Data de Sessão: 19/03/2019.
[6] No mesmo sentido: CARF. Recurso Especial do Procurador. Acórdão nº 9101-003.740. Processo nº 10480.735112/2012-25. Data de Sessão: 12/09/2018.
[7] POLIZELLI, Victor Borges. Direito Tributário – Princípio da Realização no Imposto sobre a Renda. Estudos em Homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). São Paulo, 2019. P. 42.
[8] ÁVILA, Humberto. “Dedutibilidade de Despesas com o Pagamento de Indenização Decorrente de Ilícitos Praticados por Ex-Funcionários” em Tributação do Ilícito. Cord. Pedro Augustin Adamy e Arthur Ferreira Neto. São Paulo. Editora Malheiros. 2018.
[9] O planejamento tributário e a teoria do proposito negocial. In: SCHOUERI, Luis Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p 770.
[10] Considerando a aquisição de controle, nos moldes do CPC nº 15.
[11] CARF. Recurso Especial do Contribuinte. Acórdão nº 9101-006.381. Processo nº 10600.720035/2013-86. Data de Sessão: 06/12/2022.

Patrícia Campos Soares é sócia da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO
STJ deve julgar em dezembro exclusão de ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins

Por João Vitor Prado Bilharinho

Reprodução da Web

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) irá definir se é possível incluir o ICMS-ST na base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins, retido pelo substituto tributário, no regime de substituição. O julgamento dos Recursos Especiais nº 1.896.678/RS e 1.958.265/SP estava previsto para o dia 22 de novembro, sob o rito dos recursos repetitivos. O tema foi retirado de pauta por conta de um pedido de vista feito pela ministra Assusete Magalhães. A nova data prevista é 13 de dezembro de 2023 ou em eventual sessão extraordinária.

O julgamento é de grande relevância para todos os contribuintes que figuram na condição de substituído tributário.

Na prática, o pedido de vista posterga a conclusão de um julgamento que poderá representar um enorme déficit nas contas públicas, já que os valores ali discutidos atingem cifras bilionárias, mas que já se arrastam por anos.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou essa questão, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.258.842, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 1.098/STF). Na ocasião, a Corte reconheceu a ausência de repercussão geral da matéria, delegando a competência ao STJ, por se tratar de controvérsia infraconstitucional.

Posteriormente, em 2023, o STJ começou a analisar o caso. Até o momento, a discussão conta apenas com um voto, do ministro relator Gurgel de Faria, em favor dos contribuintes, que propôs a seguinte tese: ‘‘O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva’’.

Em suas razões de decidir, o ministro entendeu que é indevida a distinção entre o ICMS regular e o ICMS-ST, pois este último constitui mera técnica de recolhimento do tributo, não sendo razoável que o substituído tributário sofra com uma carga tributária majorada.

A expectativa é que os demais ministros acompanhem o voto do relator, permitindo que os contribuintes saiam vencedores em mais uma demanda denominada ‘‘tese filhote’’ do emblemático caso que ficou conhecido no mundo jurídico como ‘‘tese do século’’ (TEMA 69/STF), na qual o STF reconheceu que: ‘‘O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins’’.

A ‘‘tese do século’’ foi fundamentada na ideia de que o valor do ICMS não caracteriza o conceito de faturamento/receita do contribuinte, sendo um montante transitório a ser repassado ao Fisco. No entanto, na época, a questão do ICMS-ST na base de cálculo do PIS e da Cofins não foi abordada.

Agora, com a nova data prevista para 13 de dezembro de 2023 ou em eventual sessão extraordinária, espera-se que o STJ chegue a um consenso sobre o assunto até o final deste ano.

João Vitor Prado Bilharinho é advogado da área tributária no Diamantino Advogados Associados.

Recurso Especial 1.896.678/RS

Recurso Especial 1.958.265/SP

EXECUÇÃO TRABALHISTA
Tema 1.232 do STF: ampla defesa dos grupos econômicos em risco

Por Lara Fernanda de Oliveira Prado

Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento virtual do Tema 1.232, trazendo à tona uma questão crucial para o processo do trabalho. Em discussão está a possibilidade de incluir no polo passivo da execução trabalhista empresas de um grupo econômico que não participaram da fase de conhecimento.

Anteriormente, vigorava o entendimento sumulado de que a empresa do grupo econômico não participante da fase de conhecimento não poderia constar na execução. No entanto, desde 2003, com o cancelamento da Súmula 205 do TST, o entendimento predominante foi o da possibilidade de tal inclusão, o que viola os princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa.

O Supremo, por meio do Tema 1.232, tem a chance de alterar esse cenário, trazendo à baila o devido processo legal. Contudo, a perspectiva não é essa se os demais ministros seguirem o voto do relator Dias Toffoli, que propôs uma tese que impacta o cenário empresarial. Felizmente, a decisão não é final, pois o julgamento está suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

A sugestão do relator foi permitir a inclusão direta na execução, desde que precedida por um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme os artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, com modificações do artigo 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo o ministro, esse incidente garantiria a oportunidade de defesa da empresa e, ao mesmo tempo, aprimoraria a efetividade do processo do trabalho.

No entanto, a tese não se sustenta. Primeiramente, porque a defesa, na fase de execução, é muito mitigada, seja pela impossibilidade de influir na decisão de mérito do processo e na criação ou não do próprio crédito trabalhista, seja pela exposição da empresa a sofrer constrições em seu patrimônio antes mesmo de defender a inexistência de responsabilidade solidária.

Nessa toada, a balança entre garantir o crédito trabalhista e respeitar o contraditório e o devido processo legal é evidente.

Para além disso, utilizar o incidente de desconsideração para incluir empresas de grupo econômico na execução trabalhista parece extrapolar a finalidade original do instituto, que é muito bem delineada e exige a demonstração de pressupostos específicos (vide artigo 134, § 2º, CPC). Assim, a decisão do relator pode ser vista como a tentativa de criar um novo instituto, algo que legalmente cabe apenas ao legislador.

Quando o Judiciário ultrapassa os seus limites

A tese abordada visa efetividade, mas levanta questionamentos sobre a competência do Judiciário para legislar. Ao analisar o voto de Toffoli, é inevitável reparar o paradoxo que se delineou. Nele, o ministro cita ‘‘O Processo’’, de Franz Kafka, que destaca como o caráter instrumental do processo pode resultar no esvaziamento dos direitos individuais em prol de um Estado autoritário.

Por meio da citação, Toffoli enfatiza a violação de princípios jurídicos fundamentais, alertando para o risco de tornar o processo um fim em si mesmo, conduzindo à arbitrariedade e insegurança jurídica. Contudo, a ironia surge quando observamos que o mesmo trecho pode ser aplicado à própria tese do ministro. Ao ‘‘criar um novo instituto’’ para inclusão direta de empresas na execução trabalhista, Toffoli, paradoxalmente, pode conduzir o Brasil e seus empresários à insegurança jurídica e ao descrédito nas leis, indo de encontro aos princípios que ele mesmo destaca.

Mais uma vez, parece que o Judiciário extrapola sua competência ao legislar. A proposta, embora almeje uma justiça mais célere e simplificada, abre precedentes para interpretações distorcidas e abusivas da lei, seguindo a narrativa de Kafka. A inserção de um ‘‘novo instituto’’ não previsto em lei poderia fortalecer um Estado de viés autoritário, desconsiderando os imperativos de justiça e comprometendo os alicerces do devido processo legal.

Assim, fica evidente a necessidade de um equilíbrio entre a efetividade processual e a preservação dos princípios fundamentais do direito. O Judiciário, ao buscar soluções inovadoras, deve estar atento para não comprometer a segurança jurídica e o respeito aos direitos individuais, mantendo a confiança da sociedade nas instituições e evitando que o processo se torne, ele próprio, um entrave à Justiça.

Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no Diamantino Advogados Associados

NOVAS REGRAS
Os impactos do PL 4.173/2023 e a taxação dos fundos de investimentos e offshores

Por Murilo Muniz Silva

O Senado Federal aprovou dia 29 de novembro o Projeto de Lei (PL) nº 4.173/2023, que estabelece a tributação de aplicações em fundos de investimento no País e da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior. O PL seguirá agora para sanção presidencial.

Das alterações propostas no PL, destaca-se a modificação na forma de pagamento do Imposto de Renda (IR) para fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado, com a instituição de pagamento semestral (come cotas), e sobre trusts e entidades no exterior, as offshores.

Até a edição da Medida Provisória (MP) 1.184/2023, que foi a base incorporada do PL, os fundos de investimentos cuja forma de condomínio seja fechado, possuíam como regra geral a incidência da tributação do IR sobre os ganhos no momento do resgate das cotas ao fim do prazo de duração, ou em caso de liquidação do fundo, de amortização ou alienação das cotas. Com a MP e PL, a tributação dos fundos passará a ser semestral (em maio e novembro) ou em cada distribuição de rendimentos, amortização ou resgate de cotas, o que já ocorre com os fundos de condomínio aberto.

As novas regras de tributação periódica não serão aplicáveis aos Fundo de Investimento em Participações (FIP), Fundo de Investimento em Índice de Mercado (EFT), Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), desde que classificados como entidade de investimento, que detenham estrutura profissional, e Fundo de Investimento em Ações (FIA) mesmo se não for entidade de investimento.

Além disso, permanecem com as regras de tributação os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO), os investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos, os investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em FIPs e aos Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE), os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIPPD&I), os Fundos de Investimento com Carteira em Debêntures Incentivadas, os fundos de investimentos com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior, e os ETFs de Renda Fixa, aplicando-se as regras especificadas em lei.

No caso dos FII e FIAGRO apesar de não prevista alteração na forma de tributação dos rendimentos, o PL traz significativa proposta de mudança para garantia da isenção do Imposto de Renda aos cotistas. O PL eleva para 100 o número mínimo de cotistas necessário para direito da isenção do IR. Assim, somente fundos com no mínimo 100 cotistas farão jus à isenção do IR sobre os rendimentos distribuídos.

Também haverá mudanças quanto à tributação dos trusts e das offshores, que atualmente somente são tributados os ganhos quando do ingresso dos recursos no Brasil. O PL determina que os rendimentos desses bens sejam declarados na Declaração de Ajuste Anual (DAA), ficando sujeitos à tributação a alíquota de 15%, com possibilidade de dedução do imposto pago no país de origem, desde que haja reciprocidade de tratamento e previsão de compensação em acordo ou convenção internacional, com o país de origem dos rendimentos.

Além das alterações acima, destaca-se a possibilidade de antecipação do recolhimento do IR sobre os rendimentos auferidos até 31/12/2023, com uma alíquota reduzida e pagamento parcelado.

No mais, vê-se que o PL tem evidente intuito de aumento de arrecadação de recursos pelo Governo Federal. No entanto, tal objetivo não deve ser feito sem a observância dos princípios norteadores do Direito, em especial o da Anterioridade Tributária, o que se mostra com a tributação dos rendimentos até o exercício de 2023.

Portanto, a aprovação do PL certamente terá significativos impactos nos planejamentos tributários e societários já implementados, que deverão ser reavaliados, visto que certamente a incidência do IR para momento futuro se tratou de um fator preponderante para a realização. Da mesma forma, o dia a dia da gestão dos Fundos de Investimentos também terá impactos, pois serão adicionadas novas obrigações aos administradores e gestores pelo recolhimento do imposto.

Murilo Muniz Silva é sócio da área societária no escritório Diamantino Advogados Associados.